- Global Voices em Português - https://pt.globalvoices.org -

Guiné Equatorial: O Preço da Adesão à CPLP

Categorias: África Subsaariana, Guiné Equatorial, Direitos Humanos, Liberdade de Expressão, Língua, Política, Relações Internacionais

Decorrerá a 20 de Julho de 2012 a Cimeira de Maputo, na qual vai ser tomada uma decisão sobre a entrada da Guiné Equatorial na Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP [1]). Em Junho de 2011 reportamos sobre questões levantadas por vários bloggers do espaço lusófono que questionavam se a CPLP teria “olhos para os direitos humanos [2]“.

Um ano depois, marcando o 70º aniversário do Presidente Teodoro Obiang [3] (desde 1979 no poder após um golpe de estado que depôs e condenou à morte o seu antecessor), fazemos um novo ponto de situação. Se por um lado têm surgido várias iniciativas contra o que consideram ser a instrumentalização de laços linguísticos, a “petroditadura” e a falha do regime de Obiang no cumprimento dos princípios orientadores da CPLP, também há quem esteja a favor da entrada.

Presidente Obiang. Pavilhão da Guiné Equatorial na Expo de Shangai 2010. Foto de nozomiiql no Flickr (CC BY-NC-SA 20.0) [4]

Presidente Obiang. Pavilhão da Guiné Equatorial na Expo de Shangai 2010. Foto de nozomiiql no Flickr (CC BY-NC-SA 20.0)

Um exemplo é o Movimento de Apoio à Guiné Equatorial como Membro da CPLP [5] (MAGE), que faz alusão a acontecimentos históricos que ligaram Portugal a parte do território da Guiné Equatorial no século XV, e que tem como objectivo “recolher o máximo possível de assinaturas de cidadãos de todos os Países membros” que favoreçam a admissão da Guiné Equatorial como membro efectivo da CPLP, para que sejam entregues ao Secretário Executivo da CPLP.

Como defende [6] Clavis Prophetarum, do blog Quintus, “a questão da eventual adesão da Guiné Equatorial à CPLP é muito polémica, praticamente desde o primeiro dia”:

A CPLP ganharia influencia e presença no mundo com esta adesão? Sim, mas a um preço demasiado alto. A CPLP só pode aspirar a ser o ponto de partida para aquilo que desejamos: uma União Lusófona, se mantiver o respeito aos seus próprios estatutos, que consagram o respeito pelos Direitos Humanos e pelo são exercício democrático. A Guiné Equatorial pode aderir (e deve) desde que respeite ambos os conceitos. Se o regime tem assim tanto desejo em aderir então que faça como fez a União Europeia para com a Turquia: que exija o cumprimento destas regras básicas. Uma Guiné Equatorial respeitadora dos Direitos Humanos e da Democracia é bem vinda. A atual, não. Nem que fale português.

"Consegue-se ver um futuro país chamado TORRE DE BABEL". Imagem do blog Las Locuras de Jamón y Queso (usada com permissão). [7]

"Consegue-se ver um futuro país chamado TORRE DE BABEL". Imagem do blog Las Locuras de Jamón y Queso (usada com permissão).

Também o escritor e dissidente Juan Tomás Ávila [8], em entrevista ao jornal Público de 1 de Junho de 2012, recuperada no blog O Linguado [9], é peremptório:

Nos meus artigos na imprensa estrangeira, falo da situação política, o que me permite, nos livros, falar de outras coisas, contar histórias. E muitas transportam-nos para Annobón. Lá, a língua materna é o fadambo, um crioulo de origem portuguesa.
Esse foi um dos aspectos apontados para justificar uma entrada da Guiné Equatorial na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). A Guiné Equatorial já tem estatuto de país observador, agora quer ser país-membro com plenos direitos. (…)
O país também faz parte da francofonia e para isso aprovou o Francês como língua oficial. O Português foi aprovado por decreto presidencial. Essas duas línguas juntam-se ao Espanhol, como línguas oficiais. Qual o sentido que isso faz?
Quando ele [Obiang] tenta entrar nestas instituições, quer branquear a sua imagem e organizar eventos para dizer que é um líder muito importante.

Não é apenas do lado de guinéu-equatorianos que se questionam as motivações por trás do regime de Teodoro Obiang em querer pertencer à CPLP. Em Cabo Verde, Abraão Vicente afirma-se [10] “frontalmente contra a entrada”, e acrescenta:

confio que a grande maioria dos cabo-verdianos que acreditam nos valores universais da humanidade também se objectam. As razões da minha oposição são muito pragmáticas: Guiné Equatorial é um regime ditatorial, o seu presidente Teodoro Obiang Nguema é acusado não só de desviar elevadíssimas quantias dos cofres do Estado como também é acusado de executar sumariamente todos os seus oponentes. A família Obiang neste momento é alvo de investigação na França e em vários outros países do mundo por transacções de avultadas quantias, compras de propriedades, obras de artes e outros bens sem justificativos devidos da origem do dinheiro. Enquanto isso milhar e milhares de cidadãos desse país morrem à fome. O regime instalado na Guiné Equatorial é feito do sangue e da miséria de milhares de cidadão e as tais reformas nas quais o nosso PM [Primeiro MInistro] se baseia para apoiar a entrada desse país na CPLP são apenas fachada.

Em Portugal, o blog Guiné Equatorial Livre [11] nasceu da vontade de um grupo de cidadãos em dar a conhecer alguns factos deste país que não são divulgados nos meios de comunicação de massas, de que é exemplo a condenação à pena de morte [12] de um cidadão do Mali em Maio de 2012, quando a abolição da pena de morte seria expectável para a entrada da Guiné Equatorial na CPLP.

Ao exemplo das acções de 2010 [13], e tendo em conta o actual contexto, foi lançada uma petição [14] a 4 de Junho de 2012, promovida por plataformas do Brasil, de Cabo Verde, de Portugal e de São Tomé e Príncipe, fazendo um apelo aos Chefes de Estado e de Governo da CPLP para que recusem a adesão da Guiné Equatorial à instituição:

não permitam que a Dignidade Humana seja penhorada ao aceitarem a admissão da Guiné Equatorial como membro de pleno direito da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP). Este país não reúne as condições para esse efeito. Trata-se de um país onde não há espaço para a democracia, para a liberdade, para a igualdade, para os direitos humanos, para a justiça social e onde a adopção da língua portuguesa como (terceira) língua oficial não resulta da história, da expressão cultural ou vontade do povo. A admissão deste país à CPLP, nas actuais condições e face aos princípios que esta Comunidade propugna, nomeadamente nos seus Estatutos, descredibilizará e manchará irremediavelmente a reputação e a respeitabilidade da CPLP na comunidade internacional.