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Brasil: Aprovada Expropriação Para Quem Explora Trabalho Escravo

Categorias: América Latina, Brasil, Direitos Humanos, Economia e Negócios, Governança, Lei, Mídia Cidadã, Trabalho

Com o objetivo de combater a exploração do trabalho escravo [1] no Brasil, no passado dia 22 de maio foi aprovada [2] a Proposta de Emenda Constitucional de número 438  (PEC 438) no congresso brasileiro. A proposta aprovada [3], garante a expropriação imediata de propriedades, sem direito a indenização, onde “os fiscais do governo comprovem a existência do trabalho escravo ou formas análogas de exploração de mão-de-obra em determinada propriedade, seja ela rural ou urbana”.

Até então, as terras confiscadas iriam para a Reforma Agrária e, no caso do ambiente urbano, as propriedades iriam para programas de habitação. Foi exatamente o acréscimo dos imóveis urbanos ao projeto que tornou necessário um segundo turno de votação na Câmara dos Deputados, que levou 7 anos para acontecer. A votação da PEC, que segundo [4] o deputado Dr. Rosinha, foi protelada ao menos 37 vezes, esperou ao todo 17 anos para ser aprovada, entre modificações, acréscimos, votações no Senado e na Câmara dos Deputados e protelações por parte dos “ruralistas” que, quando se aproximava o momento das votações, buscavam esvaziar o congresso [5] e realizar diversas manobras políticas [2] para evitar que se conseguisse os votos necessários para a aprovação da proposta.

Deputados comemoram a aprovação da PEC 438. Foto de Rogério Tomaz Jr, usada com permissão [6]

Deputados comemoram a aprovação da PEC 438. Foto de Rogério Tomaz Jr, usada com permissão

O ativista Rogério Tomaz Jr detalha [6]:

Dois mil, oitocentos e quarenta e um dias. Sete anos, nove meses e onze dias.

Esse foi o tempo decorrido entre a aprovação em primeiro e segundo turnos da proposta de emenda à Constituição (PEC 438/2001 [7]) que expropria terras onde for constatada a prática do trabalho escravo.

Originalmente proposta em 1999 por um baiano – o senador Ademir Andrade (PSB-PA) – e aprovada numa sessão da Câmara conduzida por um gaúcho, o deputado Marco Maia (PT-RS), a PEC do Trabalho Escravo foi uma rara (e acachapante) derrota dos ruralistas num Congresso onde eles, via de regra, aprovam ou desaprovam tudo que querem.

O projeto original da PEC 438 data de 1995 – na Cãmara dos Deputados -, quando o deputado Paulo Rocha, do Partido dos Trabalhadores da Bahia propôs um projeto [8] para a expropriação da propriedade rural na qual fosse constatado o uso de mão de obra em condições análogas à de escravo, e de 1999 – no Senado - pelas mãos do Senador Ademir de de andrade. Em 2001 a proposta foi modificada pelo senador do PSB do Pará Ademiar Andrade e foi transformada em PEC 438, destinando a terra confiscada à reforma agrária e desde então batalhava-se por sua aprovação.

A proposta havia sido aprovada no Senado e em primeiro turno na Câmara dos Deputados em agosto de 2004, com 326 votos a favor, 10 contrários e 8 abstenções. Como propostas que alteram a constituição precisam de duas votação para sua aprovação, a PEC 438 aguardava nova votação e devia ser aprovada por três quintos do total de 513 deputado(a)s federais, sempre protelada por deputados da chamada Bancada Ruralista, frequentemente criticada por suas políticas “retrógradas [9]” no setor agrário brasileiro e da agroindústria [10]. 

Acabou sendo aprovada agora, com 360 votos a favor, 29 contrários e 25 abstenções, totalizando 414 votos.

Levantamento da ONG Repórter Brasil com fotos e nomes dos deputados que votaram contra a PEC 438. [11]

Levantamento da ONG Repórter Brasil com fotos e nomes dos deputados que votaram contra a PEC 438.

No Twitter, a tag #PEC438 [12] foi bastante usada especialmente pelos apoiadores da proposta.

O deputado do PSOL do Rio de Janeiro, Chico Alencar (@DepChicoAlencar [13]) discriminou os partidos que votaram contra a PEC, incluindo os que se abstiveram e os que declararam obstrução

Dos 55 votos NÃO, ABSTENÇÃO e OBSTRUÇÃO contra PEC trab escravo 40% foram do PSD, 30% do DEM, 25% PP, 24% PMDB, 18% PTB, 17% PR

O jornalista George Silva (@George_wos [14]) indicou o número de votos contrários de cada partido:

DEM (5), PDT (1), PHS (1), PMDB (7), PP (4), PR (1), PSC (1), PSD (7), PSDB (1) e PTB (1). Os 29 votos contra à ‪#PEC438 [15]http://bit.ly/JHwclW [16]

E o professor Idelber Avelar enviou [17], via Twitter, a lista completa [18] dos votos na Câmara dos Deputados. O site trabalhoescravo.org.br, criado pelas ongs que apoiavam a aprovação da PEC 438 também compilou [19] uma lista dos parlamentares que votaram e os que se ausentaram e também postou os nomes e fotos [11] de cada um deles.

Ao mesmo tempo, deputados que apoiaram a aprovação comemoravam, como Jean Wyllys (@jeanwyllys_real [20]), do PSOL, e Paulo Teixeira (@PauloTeixeira13 [21]), do PT:

#PEC438‬ [15] aprovada! Vitória histórica! Vitória da democracia e do Brasil que deseja se desenvolver sem explorar a mão de obra escrava!

O blogueiro e ativista Leonardo Sakamoto comenta [22] sobre parte das razões pelas quais a votação foi tão difícil e demorada:

Os ruralistas e contrários à proposta defendem a aprovação de uma lei que defina o conceito de trabalho escravo, diminuindo as situações possíveis de caracterizá-lo. Os favoráveis à proposta e o governo afirmam que não há necessidade e que o conceito de trabalho escravo já é claro no artigo 149 do Código Penal, defendendo a aprovação de legislação infraconstitucional apenas para regulamentar a expropriação, garantindo que ela ocorra após decisão judicial transitada em julgado.

Deputados comemoram e cantam o hino nacional com a bandeira brasileira. Foto de Thiago Skárnio sob licença CC [23]

Deputados comemoram e cantam o hino nacional com a bandeira brasileira. Foto de Thiago Skárnio sob licença CC

O jornalista conservador Políbio Braga aplaudiu os deputados que votaram contra a PEC, afirmando [24] que:

O artigo 149 do Código Penal, fala em condições “exaustivas”, ”degradantes” e “análogas”, mas não conceitua nada. Para efeitos de expropriação da propriedade rural ou urbana, tudo ficará submetido ao arbítrio do fiscal da DRT.

Estes argumentos são fortemente contestados pelos órgãos do governo e membros da sociedade civil que trabalham pelo combate ao trabalho escravo no Brasil, que reforçam que as leis que conceituam o trabalho escravo e prevêem os mecanismos de fiscalização e punição são claros e já contam com ampla jurisdição. Esta clareza foi ainda reforçada [25] pela relatora das Nações Unidas para as formas contemporâneas de escravidão, a armênia Gulnara Shahinian.

A PEC segue agora para votação no Senado, onde os ruralistas esperam abrir um debate para discutir e redefinir o conceito de “trabalho escravo”, apesar deste estar explícito no Código Penal, tendo como objetivo restringir a definição apenas em casos extremos, excluindo situações de degradação e violação dos direitos humanos, consideradas por eles “menos graves”.

Artigo escrito em colaboração com Mariana Parra [26].