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Brasil: Revelações de Xuxa Provocam Debate Sobre Abuso Sexual

Categorias: Brasil, Juventude, Lei, Mulheres e Gênero

A entrevista com Maria da Graça Meneghel exibida na última edição do programa “Fantástico” caiu como uma bomba no Brasil. Aos 49 anos de idade e 26 de carreira, Xuxa [1] falou sobre a carreira e o sucesso, família, namoro com Pelé [2] e Ayrton Senna [3], o pedido de casamento do cantor Michael Jackson e pegou o país de surpresa ao revelar que foi vítima de abuso sexual até a adolescência, em um depoimento transcrito e publicado [4] em muitos blogs:

Na minha infância até a minha adolescência, até os meus 13 anos de idade foi a última vez. Pelo fato de eu ser muito grande, chamar a atenção, eu fui abusada, então eu sei o que é. Eu sei o que uma criança sente. A gente sente vergonha, a gente não quer falar sobre isso. A gente acha que a gente é culpada. Eu sempre achei que eu estava fazendo alguma coisa: ou era minha roupa ou era o que eu fazia que chamava a atenção, porque não foi uma pessoa, foram algumas pessoas que fizeram isso. E em situações diferentes, em momentos diferentes da minha vida. Então ao invés de eu falar para as pessoas, eu tinha vergonha, me calava, me sentia mal, me sentia suja, me sentia errada. E se eu não tivesse uma mãe, se eu não tivesse o amor da minha mãe, eu teria ido embora, porque o medo de você ter aquelas sensações de novo, passar por tudo isso, é muito grande. Só que eu não falei pra minha mãe, eu não tinha essa coragem de falar com ela. E a maioria das crianças, dos adolescentes, passa por isso.

Xuxa em entrevista ao fantástico [4]

Captura de tela de momento crucial da entrevista de Xuxa ao Fantástico

A revelação provocou uma avalanche de comentários na internet e até a manhã seguinte o nome da apresentadora e vários termos associados ainda apareciam entre os mais populares do Twitter. Luisa Clasen [5] faz um apanhado das reações:

O quadro foi ao ar ontem, 20 de Maio, e no mesmo instante os trending topics foram tomados por várias hashtags relacionadas. Quando eram 20:30, a hashtag Xuxa [6] já tava começando a decolar, com quase três mil mentions, e teve o pico às 22:39, com mais de 50.000 tuítes [7]. […] Mesmo o assunto sendo sério, a rainha dos baixinhos já tinha conquistado a antipatia de vários tuiteiros por causa da conta dela (hoje administrada só pela assessoria), por isso os tuítes se dividem entre os que comentam, defendem e os que zoam, mas a maioria dos manolos queria mesmo era fazer piada. Na internet inteira, as opiniões se dividem.

Embora as opiniões quanto às motivações da apresentadora sejam divergentes, poucos negariam que o depoimento em horário nobre trouxe à baila um problema grave que precisa ser debatido. Segundo Sueli [8], “Xuxa colocou o dedo com força na ferida”:

Infelizmente muitas mulheres tem casos de abuso sexual para contar, vividos na infância e na adolescência. Não raro se sentem culpadas, com medo e com vergonha de falar sobre um assunto que é tão íntimo, avassalador e que na maioria das vezes deixa sequelas por toda a vida. A violência sexual praticada contra crianças e adolescentes é um crime covarde principalmente porque cometido contra quem não tem condições de se defender. Além disso, na maioria dos casos é praticado por um adulto que faz parte da família ou que integra os círculos de amizade e de confiança da família. Xuxa em seu depoimento falou sobre três homens: todos conhecidos e de alguma forma frequentadores da sua casa. E geralmente é assim mesmo: padrinhos, pais, padrastos, noivos da tia, amigos do irmão.

Medidas de Enfrentamento

Entre janeiro e abril deste ano, 34.142 denúncias de abuso sexual contra crianças [9] foram recebidas pelo Disk 100, um serviço da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, através do qual podem ser feitas denúncias de abuso sexual contra crianças e adolescentes por telefone, discando o número 100, das 8h às 22h, todos os dias. O número representa um aumento de 71% de denúncias em relação ao mesmo período de 2011, demonstrando o crescimento da conscientização.

Com ou sem a ajuda de Xuxa, a mobilização da sociedade só deve aumentar desde que a presidente Dilma Rousseff sancionou, na sexta-feira, a lei nº 6719/2009, conhecida como “Lei Joanna Maranhão”, que amplia o prazo para ação judicial contra autores de crimes de exploração sexual no país. A escolha da data é simbólica: 18 de maio é o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes [10]. Xuxa foi convidada para ser a porta-voz da Campanha de Enfrentamento à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.

Xuxa posa com cartaz da Campanha de Enfrentamento à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes

Xuxa posa com cartaz da Campanha de Enfrentamento à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Foto: Gustavo Velasco

Depoimentos de vítimas famosas auxiliam as campanhas de combate ao abuso infantil, ao provocar um debate sobre um problema que é muito mais comum do que a maioria das pessoas imagina. Dizendo que é hora de deixar dogmas e preconceitos de lado, a deputada Manuela D’Ávila [11] pede que deixem a Xuxa falar e as “xuxas” falarem sem serem culpadas:

Para quem atua na área de Direitos humanos a confissão de sentimento de culpa pela violência sofrida é quase um atestado de veracidade. Por que? Porque a sociedade faz com que crianças e mulheres sintam-se responsáveis pelo abuso sofrido. Sedutora, assanhada, jeitinho de p_ _ _, assim dizem. E infelizmente, a repercursão debochada, irônica de muitos confirmou a tese. Independente da reação da vítima, se teve medo e calou, se gritou, se … Vítima é vítima!!! […] Sei que é muito bom para quem luta contra a exploração de mulheres que ela fale, que a sociedade debate, que se tire da escuridão crianças violentadas dentro de casa. a maior parte dos abusos são idênticos ao dela: dentro de casa, gente conhecida, anos de dor e silêncio, vítima sentindo-se culpada.

Além disso, o depoimento de famosos dá a outras vítimas coragem para desabafar. Depois de muito chorar ao ler relatos maldosos nas redes sociais, Sofia [12] conta a sua própria história de abuso na infância:

Agora, para tudo e pensa: mesmo que tenha sido por audiência ou por uma causa nobre, estamos todos hoje falando sobre algo importante – não exatamente a Xuxa, mas o abuso infantil. Poucos que não passaram por isso conseguem ter ideia de como isso pode ser doloroso. E aí é bem fácil fazer comentários imbecis e pejorativos. Quero falar sobre isso não só por ter passado por esta situação, mas por ter filhos e para poder alertar outras mães. […] E, por mais que ninguém queira falar sobre isso, por mais que todos finjam que isso não acontece na própria casa, o risco existe e muito pior é deixar que um filho carregue essa dor.

Aline [13] acredita que a entrevista deu vez e voz a muitas meninas e adolescentes que sofrem abuso sexual diariamente:

Através de seu depoimento Xuxa pode ter salvo milhares de vidas que também se viram na mesma situação, mas superar é a única forma de mostrar a esses criminosos que apesar das adversidades e da impunidade, ser feliz e contar com o apoio da família, é o que mais importa.

Selo do Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. [14]

Selo do Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.