Brasil: Revelações de Xuxa Provocam Debate Sobre Abuso Sexual

A entrevista com Maria da Graça Meneghel exibida na última edição do programa “Fantástico” caiu como uma bomba no Brasil. Aos 49 anos de idade e 26 de carreira, Xuxa falou sobre a carreira e o sucesso, família, namoro com Pelé e Ayrton Senna, o pedido de casamento do cantor Michael Jackson e pegou o país de surpresa ao revelar que foi vítima de abuso sexual até a adolescência, em um depoimento transcrito e publicado em muitos blogs:

Na minha infância até a minha adolescência, até os meus 13 anos de idade foi a última vez. Pelo fato de eu ser muito grande, chamar a atenção, eu fui abusada, então eu sei o que é. Eu sei o que uma criança sente. A gente sente vergonha, a gente não quer falar sobre isso. A gente acha que a gente é culpada. Eu sempre achei que eu estava fazendo alguma coisa: ou era minha roupa ou era o que eu fazia que chamava a atenção, porque não foi uma pessoa, foram algumas pessoas que fizeram isso. E em situações diferentes, em momentos diferentes da minha vida. Então ao invés de eu falar para as pessoas, eu tinha vergonha, me calava, me sentia mal, me sentia suja, me sentia errada. E se eu não tivesse uma mãe, se eu não tivesse o amor da minha mãe, eu teria ido embora, porque o medo de você ter aquelas sensações de novo, passar por tudo isso, é muito grande. Só que eu não falei pra minha mãe, eu não tinha essa coragem de falar com ela. E a maioria das crianças, dos adolescentes, passa por isso.

Xuxa em entrevista ao fantástico

Captura de tela de momento crucial da entrevista de Xuxa ao Fantástico

A revelação provocou uma avalanche de comentários na internet e até a manhã seguinte o nome da apresentadora e vários termos associados ainda apareciam entre os mais populares do Twitter. Luisa Clasen faz um apanhado das reações:

O quadro foi ao ar ontem, 20 de Maio, e no mesmo instante os trending topics foram tomados por várias hashtags relacionadas. Quando eram 20:30, a hashtag Xuxa já tava começando a decolar, com quase três mil mentions, e teve o pico às 22:39, com mais de 50.000 tuítes. […] Mesmo o assunto sendo sério, a rainha dos baixinhos já tinha conquistado a antipatia de vários tuiteiros por causa da conta dela (hoje administrada só pela assessoria), por isso os tuítes se dividem entre os que comentam, defendem e os que zoam, mas a maioria dos manolos queria mesmo era fazer piada. Na internet inteira, as opiniões se dividem.

Embora as opiniões quanto às motivações da apresentadora sejam divergentes, poucos negariam que o depoimento em horário nobre trouxe à baila um problema grave que precisa ser debatido. Segundo Sueli, “Xuxa colocou o dedo com força na ferida”:

Infelizmente muitas mulheres tem casos de abuso sexual para contar, vividos na infância e na adolescência. Não raro se sentem culpadas, com medo e com vergonha de falar sobre um assunto que é tão íntimo, avassalador e que na maioria das vezes deixa sequelas por toda a vida. A violência sexual praticada contra crianças e adolescentes é um crime covarde principalmente porque cometido contra quem não tem condições de se defender. Além disso, na maioria dos casos é praticado por um adulto que faz parte da família ou que integra os círculos de amizade e de confiança da família. Xuxa em seu depoimento falou sobre três homens: todos conhecidos e de alguma forma frequentadores da sua casa. E geralmente é assim mesmo: padrinhos, pais, padrastos, noivos da tia, amigos do irmão.

Medidas de Enfrentamento

Entre janeiro e abril deste ano, 34.142 denúncias de abuso sexual contra crianças foram recebidas pelo Disk 100, um serviço da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, através do qual podem ser feitas denúncias de abuso sexual contra crianças e adolescentes por telefone, discando o número 100, das 8h às 22h, todos os dias. O número representa um aumento de 71% de denúncias em relação ao mesmo período de 2011, demonstrando o crescimento da conscientização.

Com ou sem a ajuda de Xuxa, a mobilização da sociedade só deve aumentar desde que a presidente Dilma Rousseff sancionou, na sexta-feira, a lei nº 6719/2009, conhecida como “Lei Joanna Maranhão”, que amplia o prazo para ação judicial contra autores de crimes de exploração sexual no país. A escolha da data é simbólica: 18 de maio é o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Xuxa foi convidada para ser a porta-voz da Campanha de Enfrentamento à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.

Xuxa posa com cartaz da Campanha de Enfrentamento à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes

Xuxa posa com cartaz da Campanha de Enfrentamento à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Foto: Gustavo Velasco

Depoimentos de vítimas famosas auxiliam as campanhas de combate ao abuso infantil, ao provocar um debate sobre um problema que é muito mais comum do que a maioria das pessoas imagina. Dizendo que é hora de deixar dogmas e preconceitos de lado, a deputada Manuela D’Ávila pede que deixem a Xuxa falar e as “xuxas” falarem sem serem culpadas:

Para quem atua na área de Direitos humanos a confissão de sentimento de culpa pela violência sofrida é quase um atestado de veracidade. Por que? Porque a sociedade faz com que crianças e mulheres sintam-se responsáveis pelo abuso sofrido. Sedutora, assanhada, jeitinho de p_ _ _, assim dizem. E infelizmente, a repercursão debochada, irônica de muitos confirmou a tese. Independente da reação da vítima, se teve medo e calou, se gritou, se … Vítima é vítima!!! […] Sei que é muito bom para quem luta contra a exploração de mulheres que ela fale, que a sociedade debate, que se tire da escuridão crianças violentadas dentro de casa. a maior parte dos abusos são idênticos ao dela: dentro de casa, gente conhecida, anos de dor e silêncio, vítima sentindo-se culpada.

Além disso, o depoimento de famosos dá a outras vítimas coragem para desabafar. Depois de muito chorar ao ler relatos maldosos nas redes sociais, Sofia conta a sua própria história de abuso na infância:

Agora, para tudo e pensa: mesmo que tenha sido por audiência ou por uma causa nobre, estamos todos hoje falando sobre algo importante – não exatamente a Xuxa, mas o abuso infantil. Poucos que não passaram por isso conseguem ter ideia de como isso pode ser doloroso. E aí é bem fácil fazer comentários imbecis e pejorativos. Quero falar sobre isso não só por ter passado por esta situação, mas por ter filhos e para poder alertar outras mães. […] E, por mais que ninguém queira falar sobre isso, por mais que todos finjam que isso não acontece na própria casa, o risco existe e muito pior é deixar que um filho carregue essa dor.

Aline acredita que a entrevista deu vez e voz a muitas meninas e adolescentes que sofrem abuso sexual diariamente:

Através de seu depoimento Xuxa pode ter salvo milhares de vidas que também se viram na mesma situação, mas superar é a única forma de mostrar a esses criminosos que apesar das adversidades e da impunidade, ser feliz e contar com o apoio da família, é o que mais importa.

Selo do Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.

Selo do Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.

7 comentários

  • Esse texto mexeu muito comigo, e a última frase citada no depoimento de Xuxa não sai da minha cabeça: “E a maioria das crianças, dos adolescentes, passa por isso.”  Imagino quantos de nós ainda guardam o que aconteceu em silêncio. E tive vontade de desabafar e dizer que também aconteceu comigo.

    Só esse ano, durante terapia, percebi que o que aconteceu comigo foi abuso. Só havia contado para uma amiga, e recentemente. Só ontem contei em detalhes para meu marido. Só hoje eu contei para minha mãe. Só agora estou falando abertamente sobre isso, em público. Obrigada, Xuxa, por liderar essa abertura.  

    Porque sempre achei que foi culpa minha, que eu permiti, que eu deixei que os caras fizessem o que fizeram. Nunca me vi como vítima. Tinha 15 anos, achava que já era adulta. Mas sempre tive certeza que eu não tomei a iniciativa, que não procurei e sempre soube que fui forçada a coisas que não queria, “erradas”. A dor abafada não tem tamanho.   

    Mais de 20 anos depois, ainda sinto culpa e vergonha, e muitas lembranças ainda estão bloqueadas, atuando em meu subconsciente e minando minha auto-estima, abalando minha auto-confiança, meu amor próprio, minha capacidade de ser plenamente feliz, de me realizar. Talvez por eu nunca ter falado, esses sentimentos tenhm mais força, torturam.

    A última frase de Xuxa me faz refletir. Será que acontece mesmo com a maioria? Quantos de nós ainda guardam essa dor em segredo? Chorar faz bem, mas abrir o coração faz mais: esse assunto precisa ser debatido abertamente para que, de tabu, passe a ser um capítulo passado na história de nossa evolução enquanto sociedade. 

    Enquanto houver silêncio, haverá impunidade. Enquanto houver impunidade, haverá uma criança por minuto sendo abusada no Brasil.

    • Paula, caramba, apesar da dor que é sacar isso tudo do seu peito, eu agradeço profundamente por você ter essa coragem! Atuo na área da infância e uma de nossas bandeira é o enfrentamento à violência sexual. Precisamos permanentemente lembrar a tod@s com quem debatemos, nos espaços em que somos chamados a estar, que o abuso é mais comum do que se pensa – e que ele deixa marcas mais profundas e mais violentas do que se supõe. Sim, há uma galera imensa duvidando da validade do depoimento da Xuxa. Putz, a gente torce pela onda que isso está causando. E me deparar com o teu relato aqui, hoje, faz a gente sacar que essa grande onda está ocorrendo. Você tá tirando um lance muito grande de dentro de si, isso é um exorcismo. Mas é tempo disso acontecer, é esse o tempo, e isso é o que importa =)

      • Obrigada pelo apoio, Ana! Sim, era tempo. Mas não foi bem por coragem: apenas percebi que não tenho porque ter vergonha! E quis ajudar outras pessoas que venham a ler esse post e passarem por isso. E quero ajudar mais. E acho que tudo acontece por um motivo: espero que não paremos por aqui. Sinto que um movimento novo começa. Se tiver mais algo que eu possa fazer para ajudar, estou à disposição.

  • Oi, Gustavo,

    Pode até ter sido consequência do trauma… Psicologicamente, certamente há muito mais mistérios na mente de uma pessoa que cresceu com abuso sexual do que muita gente imagina. Muitos acabam fazendo o mesmo (muitos molestadores foram molestados na infância), outros pedem o discernimento quanto ao sexo, muitos acabam molestando o próprio corpo, muitos se tornam pessoas promíscuas, outros seguem o caminho inverso e se tornam frígidas. Creio que poucas vítimas prosseguem com um comportamento sexual 100% normal, se é que existe isso. 

    Prefiro não julgar, e me concentrar no que é importante: o depoimento dela serve para mostrar que abuso sexual existe, é mais normal do que se imagina e precisa ser debatido abertamente. 

    Paula

  • Gustavo, não podemos esquecer que o abuso acontece na infância e adolescência – fase na qual Xuxa estava passando na época. Ela devia ter seus 18 anos. Em uma fala durante um evento da campanha que apoia, ela citou o filme e disse que na época não compreendia, mas hoje consegue enxergar que também foi vítima de abuso na ocasião.
    Mas concordo plenamente com a Paula: o importante é o fato que ela expôs uma situação que acontece todos os dias, com milhares  de crianças e adolescentes que muitas vezes não conseguem enxergar que isso é uma violação de direitos, ou mesmo que não tem coragem de denunciar. O mais importante é que com este depoimento, ela deu voz a tantas pessoas que acabam se calando frente ao medo e a vergonha.
    Não sou uma super fã da Xuxa, não fico aos sábados em casa para assistir seus programas, mas confesso que o depoimento dela pra mim foi uma vitória de uma mulher corajosa que vem a público expor uma situação que acontece dentro de casa com tantas meninas e MENINOS e que a sociedade tende a não enxergar.

  • Meninah

    Ola pessoas eu tenho 19 anos e apesar da minha pouca idade passei por coisas semelhantes a essas. Aos meus 9 anos fui vitima de abuso sexual, também me senti culpada e envergonhada mas não tinha a quem recorrer. So que ja vivenciou algo assim tem a noção do que isso trás para nós pois isso fez com que eu me isolasse muito, que eu evitasse contato com qualquer pessoa do sexo oposto. Nunca falei disso a ninguem, sempre aguentei calada. Sou uma mulher bonita, inteligente mas me sinto como nada quando lembro disso. 

    • Meninah, obrigada por compartilhar a tua história. Acho que ela se repete para muito mais pessoas do que imaginamos. Espero que consiga superar esse sentimento de culpa e e vergonha – aconselho, se for o caso, conversar sobre isso com alguém de sua confiança, ou com um terapeuta. Ou escrever, para si mesma, para começar a colocar para fora, o que faz um bem imenso e ajuda na nossa recuperação! Fica em paz.

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