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Portugal: “Não Podes Despejar uma Ideia” Sem Fronteiras

Categorias: Europa Ocidental, Portugal, Ativismo Digital, Governança, Mídia Cidadã, Política, Protesto

Este post faz parte da nossa cobertura especial Europa em Crise [1].

O despejo violento [2] pela polícia, de um centro comunitário autogestionário no Porto, no dia 19 de Abril de 2012, despoletou uma onde de solidariedade que vai para além das fronteiras do antigo bairro operário da Fontinha, deixado ao esquecimento durante anos.

Depois da chegada de 15 carros da polícia, que transportavam agentes anti-motim armados e de cara tapada para proceder ao despejo do projecto (que resultou na detenção de três membros do movimento e em cinco apoiantes feridos), veio a destruição de todo o material que havia no edifício (livros, computadores e mobília incluídos). O edifício acabou com portas e janelas entaipadas. Em resposta, cerca de 300 pessoas manifestaram-se nas ruas do Porto e várias dezenas em Lisboa.

A destruição de material educativo e mobília no pátio da escola antes da chegada da carrinha do lixo. As portas e janelas foram depois emparedadas. Fotografia partilhada por António Serginho no Facebook. [3]

A destruição de material educativo e mobília no pátio da escola antes da chegada da carrinha do lixo. As portas e janelas foram depois emparedadas. Fotografia partilhada por António Serginho no Facebook.

Os acontecimentos abriram as notícias na TV e as redes sociais fervilharam com as reacções; as hashtags #Fontinha [4] e #ocupai [5] estiveram no topo da lista das mais utilizadas no Twitter em Portugal.

Edificando uma ideia

O movimento Es.Col.A [6] [acrónimo de “Espaço Colectivo Auto-Gestionado”] teve início [7] [en] em Abril de 2011, com um grupo de cidadãos que ocuparam uma escola pública abandonada pelo Executivo camarário do Porto em 2006. O jornalista Nuno Ramos de Almeida escreveu [8], no dia 20 de Abril, que há mais de 25.000 edifícios devolutos na cidade (cerca de um em cada cinco, o que pode ser visto nesta foto-reportagem [9]) – muitos deles propriedade da Câmara Municipal do Porto.

Com a máxima “Libertar espaços, criar alternativas”, o colectivo propôs-se a devolver a vida a um edifício inutilizado, com actividades extra-curriculares em horário pós-lectivo, refeições comunitárias e actividades recreativas [10] (desde yoga, música e capoeira, a sessões de filmes e debates). Tudo isto baseado nos princípios da auto-gestão, liberdade de acesso, não-discriminação e práticas de democracia directa e consenso através de Assembleias Populares semanais.

Escadaria da Es.Col.A. Foto do Grupo de Estudos Artísticos. [11]

Escadaria da Es.Col.A. Foto do Grupo de Estudos Artísticos.

Viva Filmes, um colectivo de video-activismo do Porto, publicou uma curta-documental [12] na qual os membros da comunidade contam a história do Es.Col.A até às vésperas do despejo.

Poster by Gui Castro Felga [13]

Poster de Gui Castro Felga

No início de Fevereiro, a Câmara Municipal do Porto [CMP] enviou uma ordem de despejo ao Es.Col.A, ordenando a saída do movimento até ao fim de Março. A mesmo tempo que o Es.Col.A divulgou uma carta aberta [14] rejeitando o despejo, teve início a mobilização sob o mote “Não se pode despejar uma ideia” (que talvez tenha sido inspirado por um post do Global Voices [15] com esse mesmo título, sobre o Bank of Ideas em Londres, UK, em Janeiro de 2012).

Pressionada, a CMP enviou uma proposta de contrato, que foi igualmente rejeitada [16], uma vez que implicava a legitimação de uma data para o despejo do colectivo – o fim de Junho.

As ordens da CMP eram claras: se o contrato não fosse assinado até 12 de Abril, a partir de 13 do mesmo mês o Es.Col.A seria despejado a qualquer momento. Nesse dia, o grupo Anonymous Portugal divulgou um vídeo [17] de apoio ao movimento.

A expulsão acabaria por acontecer na manhã de 19 de Abril, quando cerca de 120 elementos da polícia anti-motim [18] entraram no edifício [outro vídeo [19]] de um elemento no terreno], e puseram um fim ao trabalho de um ano da comunidade.

A CMP divulgou um comunicado [20] que defendia a necessidade de apertar as leis e apelidava a ocupação da escola pelo colectivo de “abusiva” e “selvagem”, justificando assim a intervenção “coerciva” das autoridades. A declaração mencionava o vídeo acima publicado, classificando-o de “ameaçador” e acusando-o de “provocar distúrbios e desafiar as instituições [do governo]”.

Enquanto isso, um vídeoclip de uma música hiphop criada por jovens da Fontinha resume bem as actividades que tinham lugar na Es.Col.A, os acontecimentos de 19 de Abril e a reacção popular que se seguiu.

A solidariedade atravessa fronteiras

O apoio chegou de várias cidades em Portugal [21], onde os cidadãos organizaram manifestações [22] através do Facebook, tal como a que se realizou em Lisboa, no final da tarde de 19 de Abril e que pode ver-se no vídeo seguinte:

Foi feito um apelo no Facebook [23], para fazer com que a causa atravessasse fronteiras, pelo M31 (31 de Março), um colectivo anti-capitalista Europeu, que reúne grupos de 12 países. Mensagens de apoio, e em alguns casos traduções, foram transmitidas de Espanha (através do colectivo de media independente La Haine [24] [es]), Suécia (o colectivo Anonymous @AnonOpsSweden [25]), Reino Unido (Partido Socialista dos Trabalhadores via @tedsplitter [26]), Austrália (@OccupySydney [27]), Grécia [28] [el], Polónia [29] [pl] e Alemanha, em cujo site da Indymedia [30] foi publicada uma carta aberta ao Presidente da CMP e ao Governo Civil do Porto:

Assembleia da Es.Col.A, 20 de Abril. Foto de Renato Roque no Facebook. [31]

Assembleia da Es.Col.A, 20 de Abril. Foto de Renato Roque no Facebook.

You should know that the project and its activities are followed and supported with sympathy of many people outside Portugal. (…)
We ask that you reverse the eviction and repair the damage. Negotiate immediately with Es.col.a.-collective to reach peaceful and socially just solutions!

Saiba que o projecto e as suas actividades são seguidas e apoiadas com solidariedade por muitas pessoas fora de Portugal (…) Pedimos que reverta o despejo e repare os danos. Negoceie imediatamente com o colectivo Es.Col.A para chegar a soluções pacificas e socialmente justas!

Neste momento, circula uma petição [32]. A Assembleia do Es.Col.A reuniu-se na noite de 20 de Abril, com cerca de 200 participantes, e decidiu reocupar o edifício a 25 de Abril [33], um feriado nacional que representa o fim da ditadura em Portugal, em 1974.

Este post faz parte da nossa cobertura especial Europa em Crise [1].

Janet Gunter [34] colaborou neste post e traduziu as legendas do documentário [12] para inglês.