Brasil: Ativistas Protestam em Memória da Ditadura Militar

Em um espaço de poucos dias uma série de eventos relacionados à memória sobre a Ditadura Militar brasileira (1964-1985) teve lugar em diversas cidades do país, tanto online quanto offline.

Foi aprovada este ano a constituição da Comissão da Verdade, que tem por objetivo abrir os arquivos secretos da Ditadura (sobre os quais o Global Voices reportou em março de 2011) e apontar onde estão os corpos de dezenas de presos políticos e guerrilheiros, além de jogar uma luz sobre o passado sombrio do país.

"impunidade". Cartum no twitpic de Carlos Latuff

A Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA) pressionou recentemente o Brasil a revisar a Lei da Anistia – lei criada pelo então regime militar a fim de anistiar seus diversos crimes, como tortura, sequestro, ocultação de cadáveres e assassinatos de opositores.

Em meio à polêmica envolvendo a revisão da Anistia e a Comissão da Verdade, ativistas decidiram se manifestar e deixar clara sua opinião sobre a necessidade de se punir os criminosos de ontem e de se abrir completamente os arquivos ainda secretos.

Protesto no Rio e Cordão da Mentira

Projeção de imagem do jornalista Vladimir Herzog, morto pela Ditadura em 1975, na fachada do Clube Militar. Foto de Moana Maywall em ação organizada por Beatriz Seigner, Moana Mayall, Thiago Dezan, Luis Felipe e coletivo Fora do Eixo. Foto usada com permissão.

Projeção de imagem do jornalista Vladimir Herzog, morto pela Ditadura em 1975, na fachada do Clube Militar. Foto de Moana Maywall em ação organizada por Beatriz Seigner, Moana Mayall, Thiago Dezan, Luis Felipe e coletivo Fora do Eixo. Foto usada com permissão.

Em 29 de março um grupo de pelo menos 300 manifestantes se reuniu na frente do Clube Militar, no centro do Rio de Janeiro, onde naquele dia, militares da reserva e políticos saudosos dos chamados “anos de Chumbo” se reuniriam para “comemorar” o Golpe Militar de 1964. A verdadeira data do golpe foi no primeiro de Abril, apesar dos militares terem subvertido a história comemorando um dia antes, pois o dia primeiro é conhecido no Brasil como o “dia da mentira”.

O cartunista Carlos Latuff explica e posta um vídeo mostrando a violência policial contra os manifestantes em defesa de militares que praticaram e comandaram torturas e assassinatos por duas décadas:

A polícia militar, como de costume, fez farta distribuição de gás lacrimogêneo, spray de pimenta e muita truculência. Ex-militares como o tenente-coronel Lício Maciel, que participou de operações no Araguaia, e o general Nilton Cerqueira, responsável pela execução de Carlos Lamarca, foram escorraçados pelos manifestantes

Os jovens que protestavam foram espancados e feridos pela polícia e muitos estão sendo ameaçados de morte por militares, como denunciou Felipe Garcez em post reproduzido pela revista Vírus Planetário, no Facebook.

No primeiro de abril, cerca de 400 manifestantes protestavam contra a comemoração do golpe :

O Cordão da Mentiravem por meio desta repudiar o evento de celebração do golpe militar de 1964, realizado no Círculo Militar do RJ, e a ação violenta da Polícia Militar do RJ contra os manifestantes no dia 29/3/12. O Cordão classifica tais acontecimentos como, no mínimo, lamentáveis.

O professor Chico Bicudo, em seu blog, resumiu as razões para o protesto:

Comemorar o golpe e a ditadura militar significa também comemorar a censura, as prisões, os assassinatos, os desaparecimentos, a tortura, a barbárie.

Foto da manifestação. Em destaque as Mães de Maio que participaram do protesto e o encabeçaram. Foto do autor, uso livre.

A marcha durou toda a tarde de domingo e passou por diversos símbolos e marcos relacionados à Ditadura Militar, como explicao professor Pádua Fernandes em seu blog:

A multidão desceu a Rua da Consolação, entrou na Maria Antônia, onde foi feita uma homenagem ao estudante José Guimarães, morto pelo CCC (Comando de Caça aos Comunistas) em 1968; desceu até a imagem da Nossa Senhora que a TFP [Tradição, Família e Propriedade, grupo de extrema-direita católico e base ideológica para o golpe – Nota GV]  preserva na Rua Martim Francisco. Em seguida, na Rua Fortunato, outra homenagem, ao militante da ALN Marco Antonio Braz (…).
Depois de parar na frente de um jornal paulista [Folha de São Paulo – Nota GV], (…), a multidão seguiu e chegou ao prédio do antigo DOPS, hoje Estação Pinacoteca (que abriga o Memorial da Resistência), quase às dezoito horas.

Escracho

No dia 26 de março, um grupo composto por militantes de diversos movimentos sociais, Levante Popular da Juventude, realizou protesto em várias cidades do país contra ex-militares ligados à tortura, desaparecimentos e assassinatos durante a Ditadura Militar brasileira. O objetivo do movimento é denunciar aonde vivem ex-militares acusados de crimes contra a humanidade e que permanecem impunes devido à Lei da Anistia.

O jornalista e blogueiro Rodrigo Vianna acompanhou, em São Paulo, a mobilização em frente à empresa de Davi dos Santos Araújo, conhecido como “Capitão Lisboa”:

Foto do ato em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Uso livre.

Davi, na verdade,  nunca foi capitão. Era  delegado de polícia, trabalhou no DOI-CODI em São Paulo e é acusado de torturas, assassinatos e abusos sexuais durante a ditadura.

No sábado, dia 7 de abril, comemorou-se o Dia do Médico Legista, e a casa do médico legista e ex-diretor do Instituto Médico Legal, Harry Shibata, na Vila Madalena, bairro da zona oeste de São Paulo, foi escolhida para uma manifestação que reuniu cerca de 100 pessoas, como explica o blogueiro e professor Leonardo Sakamoto:

Ele é acusado de ser responsável por falsos atestados de óbito usados para acobertar assassinatos de opositores pela ditadura militar, ignorando marcas deixadas por sessões de tortura e produzindo laudos de acordo com as necessidades dos militares.

Pixações e protesto em frente a casa de Shibata. Foto de Leonardo Sakamoto, uso livre

Foram ainda colados cartazes por toda a região denunciando o médico-legista por seus crimes. Membros do Levante Popular tem sido ameaçados e circula um abaixo-assinado em solidariedade ao movimento e também centenas de pessoas postaram nas mais diversas redes sociaisfotos com cartazes em apoio.

Vídeo gravado pelo jornal alternativo Brasil de Fato:

Decorreu ainda a 5ª blogagem coletiva #DesarquivandoBR, com um total de 52 posts de diversos blogueiros que “tiveram como tema principal a indignação com a tortura, desaparecimentos e impunidade”, e que culminou nos tuitaços do #desarquivandoBR, nas noites de 31 de março e primeiro de abril.

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