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Brasil: Aquário Polêmico Desperta Debate Sobre a Cidade

Categorias: América Latina, Brasil, Desenvolvimento, Governança, Ideias, Meio Ambiente, Política, Protesto

Em Fortaleza [1], quinta maior capital do Brasil, o início das obras de construção de um aquário tem motivado discussões sobre verbas públicas, as prioridades do Governo do Estado e o futuro da cidade, além de protestos criativos.

Orçado em 250 milhões de reais, o projeto traz a promessa de ser o terceiro maior aquário do mundo. No dia 30 de janeiro, a Secretaria de Turismo do Estado do Ceará (Setur) antecipou, em vídeo, o que o público encontraria no Acquario Ceará, uma vez concluída a construção.

Por mais promissor que o projeto pareça, seu custo elevado tem sido alvo de críticas [2], principalmente daqueles que entendem que a verba deveria ser investida em áreas como educação, segurança e saúde, nas quais o Ceará apresenta muitas deficiências.

Foi com questionamentos como esses que, no dia 5 de fevereiro, o artista Enrico Rocha postou no Facebook uma foto [3] do terreno onde a construção se localizaria, já preparado para o início das obras, desencadeando um debate que se estendeu por 150 comentários.

"Enquanto o Acquário for uma maquete, ainda haverá tempo". Ilustração de Yuri Leonardo, reproduzida com permissão.

"Enquanto o Acquário for uma maquete, ainda haverá tempo". Ilustração de Yuri Leonardo, reproduzida com permissão.

Dez dias depois da foto postada por Enrico Rocha, surgia a página do movimento Quem dera ser um peixe [4] no Facebook, batizado assim em referência à música Borbulhas de amor [5], do compositor cearense Fagner, cujos versos “Quem dera ser um peixe/Para em teu límpido/Aquário mergulhar” caíram como uma luva à crítica proposta pelo movimento.

Na página Por que questionamos [6], o coletivo expõe os motivos para se opor ao Acquario, apontando a falta de transparência que permeia o processo.

Entre as contestações é apontada a ausência de prova de concurso público para contratação das empresas Imagic [7] para projetar a obra, e da ICM Reynolds, norte-americana que ficou a cargo da construção. É questionada a irregularidade na licença de instalação do projeto, devido a não terem sido feitos “estudos arqueológicos obrigatórios, que devem ser necessariamente analisados e aprovados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional”.

E, claro, as contas de um empreendimento que “além da dívida, vai ter custo mensal estimado em R$ 1,5 milhão”, e cujo plano de negócios é desconhecido:

Não foi apresentado um plano de negócios que mostre, detalhadamente, como iremos saldar a dívida que teremos com o banco norte-americano Ex Im Bank of United States, com quem o Governo do Estado está negociando empréstimo de aproximadamente US$ 105 milhões.  O restante dos gastos sairia diretamente dos cofres públicos no valor de US$ 45 milhões.

Bloco de Carnaval e encontros semanais

Durante o último Carnaval, no dia 22 de fevereiro, foliões críticos à obra se reuniram no bloco Unidos Contra o Acquario, que percorreu as ruas do bairro Benfica junto ao tradicional bloco Sanatório Geral. Os brincantes se vestiram de peixe, sob um longo pano azul que simulava o mar.

Bloco Unidos do Acquário. Foto postada com permissão do movimento Quem dera ser um peixe.

Nos anos anteriores, o bloco Sanatório Geral já havia tocado a marchinha carnavalesca Fortaleza Aquática [8] satirizando o projeto e mencionando polêmicas passadas da gestão do governador Cid Gomes.

Outra forma de mobilização presencial é a Inundação, como são chamados os encontros organizados aos sábados, sob as hashtags #OcupePI (Ocupe Praia de Iracema) e #DesocupeAcquario [9], pelo movimento Quem dera ser um Peixe, no bairro Praia de Iracema, área da cidade que deverá receber a obra. O primeiro encontro ocorreu no dia 10 de março e aproximou os críticos aos moradores do Poço da Draga, comunidade centenária que terá de sofrer desapropriações para dar lugar a um estacionamento para os visitantes do Acquario.

#OcupePI. Foto postada com permissão do movimento Quem dera ser um peixe.

A reação do Governo do Estado veio em seguida ao primeiro encontro. Então recém-criado, o perfil institucional @acquario_ceara [10] respondia [11] às críticas não com dados, mas com acusações:

@acquario_ceara [10]: Quem está contra o #AcquarioCeara trabalha contra o desenvolvimento do Ceará. Parece que são pessoas a serviço de outros estados.

Também no Twitter, a estudante Débora Vaz repercute [12] o vídeo [13] gravado pela historiadora Andréa Saraiva, do blog Chafurdo Mental [14], denunciando o início das obras antes da concessão do alvará:

Enquanto isso, aqui em Fortaleza, a estúpida obra do Acquário começa sem alvará, além de ter sido contestada pelo Iphan http://youtu.be/PUtNBHg27FQ [15]

Falta de transparência

O movimento Quem dera ser um peixe publicou [16] em 11 de abril documentos que denunciam irregularidades na licitação da obra:

Dentre os nossos pedidos está o de cancelar imediatamente o processo de contratos já efetuados. Veremos que na surdina o governo tem contratado e licitado ao arrepio da lei e que já está superando o numero milionário de R$ 250 milhoes iniciais.

Veremos também que já foi pago R$ 876 mil reais que ninguém sabe pra quem e nem pra quê, pois o governo não publicou os termos como seria de sua obrigação.

O usuário Alexandre Ruoso repercutiu a notícia, comentando [17]:

‎#AquarioIlegal #GovernoFazdeconta
Se isso acontece em obras como esta, que tem toda a visibilidade, imagina nas obras menos importantes.

O Ataque dos Homens Acquario. Ilustração de Yuri Leonardo, reproduzida com permissão.

Diante da falta de transparência demonstrada pelo Governo ao empregar 250 milhões de reais na construção do Acquario, muitos têm questionado os argumentos utilizados pelo governador Cid Gomes para recusar-se a cumprir as exigências de trabalhadores das áreas de educação e segurança durante greves recentes [18].

Além de Fortaleza, outras cidades do Ceará têm sido palco de protestos, como relata [19] o professor Tiago Coutinho:

Neste momento estudantes da Urca ocupam as ruas do Crato e cantam “é ou não é piada de salão, tem dinheiro pro aquário mas não tem pra educação?”.

Andréa Saraiva questiona [20] o modelo de turismo reforçado pelo Acquario, que ignora alternativas mais baratas e benéficas para as comunidades:

O turismo é uma atividade econômica como outra qualquer, portanto ela não é neutra. Aqui no Ceará várias comunidades sofrem pelo turismo predatório, grande aliado da especulação imobiliária, das empreiteiras e do turismo sexual que vem sendo aplicado em sucessivos governos que investem em modelos que só favorecem a industria do turismo. A concepção Tasso-Cidista [referência ao ex-governador Tasso e o governador Cid] de desenvolvimento no Ceará baseado na industrialização se mostrou fracassada e só melhorou a vida de grandes empresários, o número de miseráveis só aumentou. Há outros modelos de turismo exitosos no mundo e até aqui no Ceará que é referência internacional em turismo comunitário. Mas não há investimento porque estes não financiam campanha, esse tipo de turismo não é ‘montado no cimento’.

A sustentabilidade do projeto também provoca indagações [21], principalmente diante de notícias de degradação de outros grandes aparelhos culturais da cidade, como o Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura [22].

A cobertura da grande mídia local tem se mostrado bastante ambígua, porém um artigo [23] publicado pela jornalista Adísia Sá ressalta a necessidade de uma consulta popular sobre o projeto:

Volto a insistir: a população tem o direito de ser não só informada como consultada. E não venham me dizer que deputados e vereadores sabem de tudo e que eles, sim, são a opinião pública. Todos foram eleitos com os nossos votos, sim, mas não lhes foi dada carta de alforria para falar, agir e decidir por nós – em qualquer assunto. Há limite na representação popular. E, pelo visto, isto não está sendo considerado.

Este post contou com a colaboração de João Miguel Lima [24].