- Global Voices em Português - https://pt.globalvoices.org -

Brasil: Emigrantes Denunciam Irregularidades no Organismo que os Representa

Categorias: Brasil, Estados Unidos, Eleições, Lei, Mídia Cidadã, Migração e Imigração, Política, Relações Internacionais

O Conselho de Representantes de Brasileiros no Exterior (CRBE), organismo cujo objetivo é o de fazer o Brasil conhecer os brasileiros que vivem no exterior e assim ajudar na formulação de políticas públicas que os beneficiem através do aperfeiçoamento do serviço consular e do diálogo com as sociedades em que essas comunidades estão inseridas, tem provocado a indignação de cidadãos brasileiros emigrados devido a denúncias de irregularidades nas eleições para os seus representantes.

O regimento deste conselho foi aprovado [1] pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE) no fim de outubro de 2010, pelo então ministro Celso Amorim [2]. O MRE estimava a comunidade brasileira no exterior em 3 milhões de pessoas, mas agora, por causa do bom momento da economia brasileira, revisou este número para 2,5 milhões.

Eleitos para o CRBE (03.12.10). Foto de Liliam Chagas/MRE no Flickr (CC BY-NC-SA 2.0) [3]

Eleitos para o CRBE (03.12.10). Foto de Liliam Chagas/MRE no Flickr (CC BY-NC-SA 2.0)

Mesmo que sejam dados ainda incertos, trata-se de comunidades expressivas tanto no que se refere ao seu número quanto aos valores que enviam às suas famílias no Brasil.

Denúncias de Fraude

Alguns sinais [4] de que algo estava errado com os moldes em que o organismo é eleito já se viam durante as eleições para o conselho nos EUA no início de novembro de 2010, como aponta Rui Martins, jornalista e membro eleito do CRBE:

[Algumas pessoas] desejosas de votar para um candidato ao CRBE, descobriram com surpresa que alguém já votara por elas, utilizando o número de seu passaporte, CPF [Cadastro de Pessoas Físicas], RG [Registro Geral] e outros tipos de identificação que os emigrantes deixam ao se inscrever numa associação, fazer um requerimento, abrir um crédito ou enviar dinheiro para a família.

A denúncia [5] mais recente foi feita por Antônio José Cândido, ex-emigrante ilegal nos EUA e que agora vive no estado brasileiro de Goiás. Cândido teria presenciado a venda de um pacote de aproximadamente 1.500 nomes, com todas as informações cadastrais deixadas na empresa Pão de Queijo Brasileiro, em Marlboro, Massachusetts. O blog “Beto Moraes” publicou [6] a denúncia de Cândido na qual ele diz:

Já não aguentava mais ver tanta coisa errada. Mas como era ilegal nos EUA tinha que me calar. […] Eu me lembro que na ocasião do resultado da eleição alguém comentou sobre uma fraude. Eu sabia que era verdade e fui obrigado a ficar calado.

Luoghi Comuni (Lugares Comuns) - Pequenas histórias de migração: Gislaine D.M., brasileira em Itália. Foto de lettera27 no Flickr (CC BY-SA 2.0) [7]

Luoghi Comuni (Lugares Comuns) – Pequenas histórias de migração: Gislaine D.M., brasileira em Itália. Foto de lettera27 no Flickr (CC BY-SA 2.0)

Poderá ter sido o voto pela internet que abriu margem a este problema. A atual legislação eleitoral brasileira só permite que os expatriados votem nos consulados nas eleições presidenciais, e permitir que votassem pessoalmente nessas representações diplomáticas também para os membros do CRBE exigiria não só uma mudança na atual legislação como imporia um trabalho para o qual os consulados não estão preparados.

Mas o atual formato eleitoral para a eleição do CRBE enfrenta outras resistências, uma delas é a distribuição das vagas de conselheiros. Segundo a portaria [1] que o instituiu, o CRBE será composto por dezesseis membros titulares, mais seus respectivos suplentes, eleitos da seguinte maneira: quatro para as Américas do Sul e Central; quatro para a América do Norte e Caribe; quatro para a Europa; e quatro para a Ásia, África, Oriente Médio e Oceania. Assim, por exemplo, um candidato a conselheiro que reside na Síria pode pedir votos aos brasileiros da Austrália, o que gera total descompasso no principal objetivo da criação do CRBE: identificar essas comunidades e formular políticas que atendam as suas necessidades.

O autor do blog BrasilBest não se mostra muito otimista em relação ao CRBE, e lembrando as palavras do presidente francês Charles de Gaulle no título do post “O Brasil será um país sério um dia?”, estabelece uma comparação com a forma como estão a decorrer as obras na preparação para os grandes eventos desportivos previstos para o Brasil em 2014 e 2016, dizendo [8]:

Ao tomar conhecimento dos inúmeros problemas que afetam o recém-criado “Brasileiros no Mundo”, confesso que não fiquei surpreso. Para mim ficou bem claro que a “fórmula brasileira do fracasso” que provavelmente irá destruir o CRBE, é a mesma que já ameaça a realização da Copa 2014 e as Olimpíadas –uma combinação de incompetência, má-fé, corrupção e vaidade.

Luciano Sodré, d'A voz do Imigrante, perguntando-se [9]: “Afinal de contas, para que serve o CRBE?”, aponta o retrato feito pela mídia de “uma briga constante entre suplentes e titulares de uma forma vergonhosa e por motivos fúteis”, e complementa:

O CRBE até agora, no meu ponto de vista, não mostrou claramente para que veio. Se é para ficar realizando reuniões e um “disse-me-disse”, não era necessário criar o tal conselho, pois há anos acontecem os encontros e discussões sobre o futuro dos brasileiros que moram fora do Brasil. (…) Posso estar enganado, mas minha posição é que o verdadeiro CRBE somos nós e nós é que devemos agir para decidir o nosso futuro.

Estão previstas novas eleições para um novo mandato de dois anos do CRBE em finais de 2012.