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Brasil: A História de uma Imigrante Síria de 93 Anos

Categorias: América Latina, Brasil, Síria, História, Mídia Cidadã, Migração e Imigração

‘Sito Badia’ – ‘Avó Badia’ em árabe, como seus netos gostam de chamá-la – nasceu na cidade de Hwash [1] [en], oeste da Síria, no estado do Homs. Ela imigrou ao Brasil com sua família há 80 anos, quando tinha apenas 13 anos de idade. A história de sua vida recorda os primeiros dias dos imigrantes árabes no Brasil e na América latina.

Badia, aged 93 years, and brother Michael, aged 91 years, holding a family photo taken in Christmas 2011. Used with permission. [2]

Badia, 93 anos, e o irmão Michael, 91 anos, com a foto da família no Natal de 2011. Usada com permissão.

Em 1932, o pai de Badia, Habib, decidiu residir no Brasil depois que os seus dois irmão mais velhos se mudaram para São Carlos [3], no estado de São Paulo:

Meu avô Farah estava na Argentina com meus tios, com idade de 10 e 12 anos. Quando ele soube que seu irmão havia se estabelecido em São Carlos, Brasil, ele decidiu deixar os meninos com ele e voltou para a Síria, onde viveu até sua morte. Meu pai veio sozinho ao Brasil para ver seus irmãos mais velhos; ele ficou um ano e voltou à Síria. Ele comparou a vida no Brasil com a vida na Síria e decidiu estabelecer-se no Brasil, pedindo que nos juntássemos a ele. Eu estava com minha mãe e meus dois irmãos mais novos, Michael, 11 anos, e Adib, 9. Quando deixamos o porto de Beirute [4], no Líbano, rumo ao Porto de Santos [5], foram 40 dias de viagem de cruzeiro ao Brasil. Eu me senti enjoo no mar; paramos em Gênova, Itália [6], onde me lembro do cemitério, e ficamos cinco dias dentro do navio em Marselha, França [7].

The first generation of the family. Used with permission. [8]

A primeira geração da família. Usada com permissão.

Todos os primos estavam esperando a família em São Carlos, onde o pai de Sito Badia alugara uma casa. Ela ajudou sua mãe a cuidar dos dois irmãos e não freqüentou a escola (ela não sabe escrever), mas tem memória de antigas músicas, como عتابا ودلعونا (Ataba e Delona) e a Dabke [9] da Síria, que ela cantava para sua mãe:

لابدا شعيطة ولابدا بعيطة، الأمر المقدر ياأمي لبسنا البرنيطة. من مدة سبع سنين كنا فلاحين، واليوم مرتاحين بلبس البرنيطة

Durante sete anos, fomos agricultores, éramos simples, e estávamos confortáveis​​ enquanto que agora, somos modernos, e mais confortáveis. Minha mãe costumava rir e me dizia que eu era uma garota levada.

A maioria dos Sírios que imigraram para o Brasil tem histórias parecidas – moraram com os primos e abriram seus próprios negócios. Conforme estatísticas de 1962, 9% dos donos de indústrias em São Paulo [10] [.pdf] eram sírios e libaneses.

Meu pai começou a vender roupas e abriu uma loja depois em Descalvado [11], onde Michael Shamas, um libanês, ajudou a nós e ao meu irmão Badi. Depois de alguns anos, um amigo falou para ele sobre uma cidade nova que estava sendo construída, Novo Horizonte [12]. Eu casei com Mossa, nosso primo sírio, quando eu tinha 28 anos de idade.

Sito Badia tem quatro filhas, oito netos e em dois meses vai chegar o primeiro bisneto, Gabriel. Com as famílias dos seus irmãos e primos, juntam-se até 90 pessoas. Cada Natal é uma festa para apresentar os jovens ramos da árvore genealógica e nutrir as relações com as suas raízes árabes.

Big family, Arabian roots. Used with permission. [13]

Família grande, raízes árabes. Foto usada com permissão.

Sito Badia ainda mantém uma forte relação com a família no Brasil e na Síria através de suas filhas: Maria, Najat, Marta e Esmeralda (já falecida); graças a ela que a língua árabe sobreviveu na família:

Só eu, meu irmão Michael e meus primos Elias e Jamile somos os sírios que ainda falam árabe na família. A família só sabe nomes de comida em árabe [risos]. Visitei a Síria três vezes, mas está mais difícil agora para viajar. Falamos ao telefone todo Natal e Páscoa. Em 2009 foi a última vez que Marta e Najat visitaram a Síria, e a minha primeira neta se casou com um sírio.

Badia agora vive em Novo Horizonte [12], São Paulo, onde planeja, daqui a sete anos, comemorar seu 100º aniversário.

O artigo foi publicado originalmente no blog pessoal de Rami Alhames [14].