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Brasil: Quilombo Rio dos Macacos Resiste a Cerco Policial

Categorias: América Latina, Brasil, Ativismo Digital, Direitos Humanos, Etnia e Raça, Governança, Lei

O Quilombo Rio dos Macacos, uma das comunidades mais antigas de descendentes de escravos no Brasil, despertou na manhã de domingo, dia 4 de março, sob ameaça de despejo e cercada pela polícia militar. A ordem de reintegração de posse das suas terras, no estado da Bahia, onde vivem mais de 50 famílias, está a ser feita pela Marinha do Brasil e tinha data marcada para este domingo, conforme o Global Voices reportou [1] a 21 de fevereiro.

No entanto, numa audiência realizada a 27 de fevereiro com o Governo Federal, ficou garantido em nota oficial [2] que o despejo seria suspenso por cinco meses, até a conclusão do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

“O Artigo 68 da Constituição de 1988 e o Decreto 4887/2003, garantem os direitos da ocupação secular da Comunidade”, explica a socióloga e Presidente do Conselho de Desenvolvimento da Comunidade Negra na Bahia, Vilma Reis, uma das primeiras a reagir [3] publicamente na manhã de dia 4 para anunciar o cerco policial:

Marcada para a hoje, 04.03.2012, e suspensa por ação da Presidência da Republica (Secretaria Geral, SEPPIR [Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial] e FCP [Fundação Cultural Palmares]), a tomada do Território do Quilombo Rio dos Macacos está neste momento vivendo uma grande tensão, pois neste momento já tem mais de 03 caminhões de fuzilheiros dentro da Comunidade, cada um com cerca de 80 homens, do lado de fora tem os militares da Bahia (que não podem entrar) e 01 trator posicionado no portão da Vila Naval, área tomada da comunidade há 42 anos atrás.

O acampamento de Ondina do movimento Ocupa Salvador, após recepção de pedido de ajuda enviado por dois ativistas que se encontravam no local,  rapidamente criou um evento [4] no Facebook com uma chamada à ocupação solidária do Quilombo. Na plataforma foi partilhado um mapa que indica como chegar à comunidade, e foram sendo actualizadas informações ao longo do dia.

Ocupa Quilombo Rio dos Macacos. Mapa de acessibilidade. [4]

Ocupa Quilombo Rio dos Macacos. Mapa de acessibilidade.

“A presença de pessoas solidárias ao Quilombo do Rio dos Macacos foi fundamental para que a Marinha recuasse e retirasse de cena os três caminhões com fuzileiros navais e um trator da área do quilombo”, anunciou [5] o blog Bahia na Rede, republicando depois o testemunho de uma das ativistas que respondeu à chamada e passou o dia na comunidade, juntamente com cerca de 300 outras pessoas de várias entidades e militantes do movimento negro, estudantes universitários e secundaristas, Poliana Rebouças, que resume os acontecimentos:

Plenária no Quilombo Rio dos Macacos. Foto partilhada por de Poliana Rebouças no Facebook. [6]

Plenária no Quilombo Rio dos Macacos. Foto partilhada por de Poliana Rebouças no Facebook.

A mobilização começou com uma visita solidária feita por alguns grupos para levar alimentos para a comunidade, que esteve impedida pela marinha de pescar e plantar no local durante o período de ameaça de desocupação anteriormente. Ao chegar lá, este grupo encontrou tratores, policiais militares armados, além de camburões, o que indicava mais uma ameaça de desocupação. Os moradores relataram que foram ameaçados durante a madrugada e houve tiros e intimidações, através de pressão psicológica. A marinha impediu todo o grupo de entrar no quilombo, o que fez com que a maioria tivesse de entrar pelos fundos e depois tirar uma comissão para entrar no quilombo e levar a alimentação e checar a situação dos moradores. No início da tarde, a situação estava sob controle, contatos foram feitos com representantes do ministério da defesa que garantiram que não haverá desocupação em 5 meses, prazo dado aos moradores para que comprovem que são remanescentes de quilombo originário naquela região.

O mesmo blog indica que um testemunho não identificado da Marinha “disse que a presença das tropas ali era coincidência e manobra de rotina”. A jornalista Daniela Novais, do Câmara em Pauta, frisando a garantia dada pelo Governo Federal “que os direitos da comunidade serão preservados”, acrescenta [7]:

A corporação [Marinha do Brasil] ainda não se pronunciou e se limitou a informar que enviaria nota através da assessoria de comunicação da corporação militar, quando tiver autorização para tal. Nós do Câmara em Pauta esperamos que o governo da Bahia interfira energicamente a fim de não repetir o episódio de violação de direitos humanos na reintegração de posse de Pinheirinho, em São José dos Campos, São Paulo.

Juntamente com a jornalista – para quem o “Quilombo Rio dos Macacos [viveu] dia de Pinheirinho [7]” – vários outros internautas fizeram menção [8] à reintegração de posse do Pinheirinho [9], no estado de São Paulo, que tomou lugar a 22 de janeiro sob forte repressão policial, conforme reportado [10] pelo Global Voices.

Sobre o que aguarda agora a comunidade, uma nota republicada [11] por Sandra Martuscelli (@PersonalEscrito) no Twitter reflete o receio partilhado por muitos:

ninguém sabe o que pode acontecer depois que esse coletivo for desmobilizado, não há segurança em relação ao que vai acontecer hoje à noite, amanhã, durante a semana…

Está em circulação um abaixo-assinado pela manutenção da posse e titulação do Quilombo do Rio dos Macacos [12], que relembra os direitos das comunidades quilombolas consagrados na constituição, reforçando a reivindicação pela “demarcação, titulação e posse das terras ocupadas por remanescentes quilombolas, possibilitando a continuidade destas comunidades, que devem ser consideradas como a prova maior do símbolo de luta contra a escravidão, no passado, e o racismo, no presente”.

Raphael Tsavkko Garcia [13] contribuiu para este post.