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Brasil: Disputa Pelas Malvinas Abre Debate Sobre Perspectivas Econômicas

Categorias: América Latina, Europa Ocidental, Argentina, Brasil, Paraguai, Reino Unido, Uruguai, Economia e Negócios, Guerra & Conflito, História, Política, Relações Internacionais

O aniversário de 30 anos da guerra que levou aos campos de batalha argentinos e britânicos pelas Ilhas Malvinas e as recentes declarações da presidente [1] [en] argentina Cristina Kirchner fazem-nos voltar no tempo e avaliar aqueles acontecimentos sob uma nova perspectiva, e assim vislumbrar suas atuais implicações para o Brasil enquanto maior economia do Mercosul.

Nesta linha de raciocínio, o professor universitário de Relações Internacionais Gilberto Rodrigues, chama a atenção para o novo desenho geopolítico [2] no qual a disputa pelas Malvinas insere-se agora:

Passadas três décadas, a Argentina segue reivindicando com barulho a soberania sobre as Ilhas Malvinas (“Las Malvinas son Argentinas”) e os britânicos continuam fleumáticos e impassíveis nas Ilhas Falkland. Porém, fatos novos entram em cena e estão alterando o equilíbrio de forças políticas e diplomáticas nesse embate.

Mapa histórico de Johnston (1893), partilhado por Douglas Fernandes no Flickr (CC BY 2.0) [3]

Mapa histórico de Johnston (1893), partilhado por Douglas Fernandes no Flickr (CC BY 2.0)

De fato são novos tempos, de 1982 para cá muita coisa mudou: o Muro de Berlim caiu, levando consigo a cortina de ferro que separava capitalistas de marxistas, o mundo dividiu-se em blocos econômicos (UE, Mercosul, Nafta) e a vitória britânica na Guerra das Malvinas sedimentou a aliança do Reino Unido com os EUA, seu maior aliado.

No que se refere aos dois blocos aos quais pertencem os dois países, a União Europeia enfrenta sua maior crise desde sua criação e declarou que a disputa pelas Ilhas Malvinas é uma questão bilateral [4]. Internamente, o Reino Unido luta para conter o descontentamento de sua população com as políticas de cortes nos gastos públicos. Politicamente, Londres esforça-se para acalmar os ânimos dos escoceses, dispostos a ir em frente com o referendo que decidirá se a Escócia vai continuar ou não a ser um dos reinos que compõem esse “reino unido”.

Já o Mercosul vive um bom momento devido principalmente ao crescimento da economia brasileira (que conforme o Global Voices reportou [5] em finais de 2011, já ultrapassa a do Reino Unido), o que se refletiu nas trocas comerciais com os outros sócios do bloco. Foi dentro deste escopo que a Argentina conquistou o apoio dos seus vizinhos e logrou fazer com que esses países passassem a proibir a ancoragem de embarcações com bandeira das “Falklands” em seus portos, entre outras formas de boicote.

"Foram, são e serão Argentinas". Foto de Brian Allen no Flickr (CC BY 2.0) [6]

"Foram, são e serão Argentinas". Foto de Brian Allen no Flickr (CC BY 2.0)

Em seu discurso no último encontro de cúpula do Mercosul, a presidente argentina apelou ao aspecto global da causa das Malvinas. O prático Alexandre Rocha republicou [7] a notícia em seu blog:

“As Malvinas não são uma causa argentina, mas uma causa global, pois nas Malvinas estão tomando nosso petróleo e nossos recursos de pesca”, afirmou a presidente argentina, Cristina Kirchner, após o anúncio tomado na cúpula do Mercosul, nessa terça-feira. “Quero agradecer a todos a imensa solidariedade para com as Malvinas, e saibam que quando estão firmando algo sobre as Malvinas a favor da Argentina também o estão fazendo em defesa própria”.

Ao que parece, Cristina Kirshner contou com a importância que tem seu país dentro do bloco sul-americano, sobretudo para o Brasil, país com quem tem fortíssimos laços comerciais. Ironicamente, quando se põe em perspectiva a evolução das relações argentino-brasileiras vê-se que a Guerra das Malvinas foi a força motriz que incentivou a aproximação entre os dois países e a consequente criação do Mercosul. O doutorando em Ciência Política, Lucas Kerr de Oliveira explica [8]:

XL Cúpula do Mercosul. Foto do Ministério das Relações Exteriores do Brasil no Flickr (CC BY-NC-SA 2.0) [9]

XL Cúpula do Mercosul. Foto do Ministério das Relações Exteriores do Brasil no Flickr (CC BY-NC-SA 2.0)

Com o embargo europeu aos produtos argentinos, o Brasil passou a comprar grandes quantidades de carne, trigo e outros produtos produzidos por aquele país. O processo de aproximação resultou em um acordo nuclear bilateral, para fins pacíficos; passo fundamental para acabar com as desconfianças mútuas no plano político-militar. Este tratado foi seguido de uma série de tratados bilaterais no período dos Presidentes Sarney e Alfonsín, que resultaram na criação do Mercosul.

Não só o apoio do Brasil à Argentina no pós-Guerra das Malvinas gerou dividendos através do comércio, como transformou um antigo rival num forte aliado, possibilitando uma expressiva redução nos gastos com a defesa. Uma vez que os brasileiros não mais temiam uma “invasão argentina”, puderam direcionar esses recursos à região amazônica.

Já dentro do Mercosul, a aproximação deu-se também na venda de material bélico à Argentina, principalmente de aviões produzidos pela brasileira Embraer, que recentemente vieram a incluir peças argentinas, conforme aponta [10] Michel Medeiros d'O Informante:

A Embraer Segurança e Defesa assinou nesta quarta-feira contrato de parceria com a empresa argentina FAdeA, que será responsável pela produção de spoilers –superfícies móveis de controle de sustentação na asa– e portas do trem de pouso, entre outras peças do KC-390.

O alinhamento brasileiro à posição argentina pôs um problema à estratégia do governo de David Cameron de aumentar sua presença nesse país emergente. A este respeito o blog Ronaldo-Livreiro cita uma entrevista dada por Peter Lee [11], especialista em temas de defesa do Kings College de Londres, para quem a recente visita do chaceler britânico William Hague ao Brasil “é uma outra face dessa estratégia”. Quanto à posição britânica a respeito das ilhas Peter Lee acredita ainda que:

Bandeira das Ilhas Falklands. Foto de Liam Quinn no Flickr (CC BY-SA 2.0) [12]

Bandeira das Ilhas Falklands. Foto de Liam Quinn no Flickr (CC BY-SA 2.0)

[…] para que tenhamos uma mudança na posição britânica necessitaríamos uma ação econômica coordenada do Mercosul e da Unasul. Nisto o Brasil terá que fazer seu próprio cálculo de custo-benefício na relação com a Argentina, o Mercosul e o Reino Unido. Mas, ainda que houvesse uma política coordenada, não acho que teria êxito e, além disso, em nível comercial e econômico, todos perderiam. O que o Mercosul fez até agora foi a parte mais fácil porque na verdade o acordo de não permitir barcos de bandeira das Malvinas só afeta poucos barcos que também podem navegar com a bandeira inglesa, de modo que foi uma decisão mais simbólica que substantiva.

O certo é que o atual interesse pelas Malvinas segue alguns aspectos interessantes como a credibilidade nacional –pois que já houve guerras por elas–, a proximidade com a Antártida e a existência de jazidas petrolíferas. Neste sentido, argentinos, britânicos –e brasileiros– preveem um período de crescimento econômico para as ilhas com a exploração de petróleo, como indica [13] o professor de Ciência Política, Israel Aparecido Gonçalves, no seu blog Real Política Brasileira:

[…] há uma perspectiva de forte impacto na economia local. Claro, o governo argentino está preocupado com a escassez do petróleo no mar do norte. A descoberta e exploração de petróleo na região, trará (novamente) relevância às esquecidas ilhas, que por um longo período da história só gerou gastos e produziu lã.

A integração da Argentina ao Mercosul e do Reino Unido à UE pode ter reduzido a possibilidade de um novo confronto militar, mas não o econômico. O apoio do Brasil à causa argentina mostra-se vantajoso, mas não sem riscos. Se por um lado interessa ver descartados competidores britânicos pela exploração de petróleo na costa sul-americana, o país parece ter conquistado espaço privilegiado entre os investidores do Reino Unido. Cabe agora à diplomacia brasileira estudar atentamente os próximos desdobramentos da questão, até porque esta nova etapa da disputa está apenas começando.