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Cuba: O Que Estava na Agenda da Presidente Rousseff?

Categorias: Caribe, Brasil, Cuba, Direitos Humanos, Economia e Negócios, História, Liberdade de Expressão, Mídia Cidadã, Mídia e Jornalismo, Mulheres e Gênero, Política, Relações Internacionais

A primeira presidente mulher do Brasil [1] esteve em Cuba [no começo de fevereiro de 2012] para uma visita com o objetivo de “fortalecer os laços bilaterais” [2], especialmente nas esferas econômicas e comerciais, de acordo com a imprensa cubana. Os blogueiros estavam muito interessados em sua agenda.

O blog The Cuban Triangle [3] [en], que acredita que o foco da viagem se manterá no econômico, levanta a questão do projeto de desenvolvimento do Porto de Mariel [4] [en] e comenta a possibilidade de empresas brasileiras investirem na produção de etanol em Cuba:

Let’s hope that’s the case. Brazilian investment in Cuban ethanol production would bring world-class technology and know-how to Cuba, generate jobs, enable Cuba to cut oil imports and foreign exchange expenditures, and provide sorely needed revival to an economically and culturally important sector of the Cuban countryside.

Vamos esperar que seja este o caso. O investimento do Brasil na produção de etanol em Cuba traria tecnologia de nível global e “know-how” [experiência] à Cuba, geraria empregos, possibilitaria que o país diminuísse os gastos com importações de petróleo e transações para o exterior, e providenciaria um muito necessário redespertar a um setor econômica e culturalmente importante da área rural cubana.

O blog babalu [5] [en] está mais interessado na afirmação do assessor especial da Presidência para assuntos internacionais, o qual sugeriu que a política externa “irá enfatizar os direitos humanos”. O post continua, enfatizando uma afirmação contraditória do Ministro de Relações Exteriores, o qual disse “não parece haver uma emergência [com relação aos direitos humanos] em Cuba” – e o blog brinca:

Absolutely-Un-‘Freakin-Real

Absolutamente inacreditável

Enquanto isso, o Capitol Hill Cubans [6] [en] posta sobre o que ele chama das “convenientes faltas de memória” da Presidente:

In 1970, now Brazilian President Dilma Rousseff was arrested and tried for her armed opposition to that country's military dictatorship (1964-1985).

Yet, today, she's unwilling to meet or show solidarity with peaceful opponents of Cuba's military dictatorship during her visit to Havana.

Em 1970, a agora Presidente do Brasil, Dilma Rousseff, foi presa e acusada pela sua oposição armada contra a ditadura militar no país (1974-1985).

Entretanto, hoje, ela está relutante em se encontrar ou mostrar solidariedade aos oponentes pacíficos da ditadura militar cubana durante sua visita à Havana.

Em resposta à afirmação do Ministro, o blog escreve:

We'd like to remind the Rousseff Administration that the International Committee of the Red Cross and the U.N.'s Special Rapporteur on Torture have unfettered access to the U.S. Naval Base in Guantanamo.

Meanwhile, the Castro regime has not allowed either of these international observers into Cuban prisons in its 52-year rule.

Moreover, it's fascinating how Rousseff sensed the emergency regarding human rights in Brazil during its military junta, which inexcusably imprisoned, executed and exiled tens of thousands of Brazilians — numbers stymied by the brutal Castro dictatorship in Cuba.

Nós gostaríamos de lembrar a Administração Rousseff de que o Comitê Internacional da Cruz Vermelha e o Relatório Especial das Nações Unidas sobre Tortura têm acesso irrestrito à Base Naval dos EUA em Guantánamo.
Enquanto isso, o regime Castro não autorizou nenhum desses observadores internacionais a visitar prisões cubanas durante seu governo de 52 anos.
Ademais, é fascinante como Rousseff pressentiu a emergência relativa aos direitos humanos no Brasil durante seu regime militar, o qual indesculpavelmente aprisionou, executou e exilou dezenas de milhares de brasileiros — números bloqueados pela ditadura brutal de Castro em Cuba.

Finalmente, Yoani Sanchez [7] [en] (que, aliás, ainda espera autorização das autoridades cubanas para viajar ao Brasil para a apresentação do “Cuba-Honduras Connection” [“Conexão Cuba-Honduras”], um documentário no qual ela aparece) pondera, dizendo sobre a visita presidencial:

Everything seemed neatly tied up: a fast timeframe, efficient, protocol, focused on economic themes, ending with her boarding her flight to Haiti. But something complicated it.

Several days before the Brazilian economist and politician landed at Jose Marti Airport, a young Cuban died after a prolonged hunger strike. The official media threw itself into presenting him as a common criminal…the radicalized discourse of power and the political temperature reached those levels where our rulers perform so well. In that context, the recently concluded Conference of the Cuban Communist Party became more an act of reaffirmation than of change, a statement of unity rather than an opening. Many who were waiting for an announcement of political transformations of great significance, realized that the event was, instead, the ultimate lost opportunity for the generation in power. One day after its closure, Raul Castro — General Secretary of the only permitted party — received Dilma Rousseff, the former guerrilla who today leads a country with diverse political forces and a highly critical press.

Brazil is our second largest trading partner in Latin America, but it’s not just a question of resources. The Raul regime also has the urge, at this time, to be legitimized by other presidents in the region. So there will be smiles, handshakes, commitments to ‘eternal friendship’ and photos, lots of photos. The civic activists, for their part, will attempt a meeting with the woman who was tortured and imprisoned during a military government, though there is little chance that she will receive them. Dilma Rousseff will converse with Raul Castro, she will be very close to him at exactly this delicate juncture in which chance has placed her. We hope she will not miss the opportunity and will comport herself consistent with the clamor for democracy, instead of opting for a complicit silence before a dictatorship.

Tudo parecia impecavelmente planejado: uma visita rápida, eficiente, protocolada, focada nos temas econômicos e que terminaria com ela pegando seu voo para o Haiti. Mas algo complicou esta visita:

Alguns dias antes dos economistas e políticos brasileiros aterrisarem no Aeroporto José Marti, um jovem cubano morreu depois de uma prolongada greve de fome. A mídia oficial logo o apresentou como um criminoso comum… O discurso radicalizado sobre o poder e a temperatura política atingiram aqueles níveis os quais nossos governantes efetuam tão bem. Neste contexto, a recém concluída Conferência do Partido Comunista Cubano se tornou mais um ato de reafirmação do que de mudança, uma constatação da unidade mais do que de uma abertura. Muitos dos que esperavam por um anúncio de transformações políticas de grande significação, perceberam que o evento foi, ao contrário, a última oportunidade perdida para a geração no poder. Um dia após seu encerramento, Raul Castro – Secretário Geral do único partido permitido – recebeu Dilma Rousseff, ex-guerrilheira que hoje lidera um país com forças políticas diversas e uma imprensa altamente crítica.

O Brasil é nosso segundo maior parceiro comercial da América Latina, mas não é somente uma questão de recursos. O regime Raul também tem a necessidade, neste momento, de ser legitimado por outros presidentes da região. Então haverá sorrisos, apertos de mão, comprometimentos para uma ‘amizade eterna’ e fotos, muitas fotos. Os ativistas civis, por sua vez, tentarão uma reunião com uma mulher que foi torturada e aprisionada durante um governo militar, embora haja pouca chance de que ela irá recebê-los. Dilma Rousseff conversará com Raul Castro, ela ficará muito próxima dele exatamente neste delicado momento em que o acaso a colocou. Nós esperamos que ela não perca a oportunidade e que seja consistente com o clamor por democracia, ao invés de optar por um silêncio conivente frente uma ditadura.