Discussão sobre o clima pode ser papo de elevador, mas faça sol ou faça chuva, não existe uma conversa completa sem uma referência ao tempo. Com as recentes secas na região Sul, inundações na região Sudeste e clima atípico no Nordeste, termos como El Nino, La Nina e Zona de Convergência passaram a fazer parte do vocabulário cotidiano e foco de muitas conversas.
Obviamente, a comunidade online não poderia estar fora dessa conversação. Ainda menos numa altura em que o Brasil prepara a Conferência das Nações Unidas em Desenvolvimento Sustentável, Rio+20, que acontecerá em junho no Rio do Janeiro, 20 anos depois da Cimeira da Terra que ali tomou lugar, e no qual foi consagrado o conceito de desenvolvimento sustentável.
Mas o que de fato pensam os usuários de internet sobre esses recorrentes desastres ecológicos e mudanças climáticas atípicas? Seriam apenas reflexões ao fato de termos acesso a acontecimentos em todo o mundo e estarmos cientes de desastres acontecendo a níveis micro e macro regionais, ou de fato estamos passando por uma mudança climática com conseqüências desastrosas?
Como relatado em um artigo publicado em 2009 aqui no Global Voices sobre os efeitos de uma forte chuva em Salvador que foram amenizados pela disseminação de informação através da comunidade online, enquanto alguns afirmavam que chuvas mais fortes eram decorrentes de mudanças climáticas, João Miguel Lima deixou um comentário afirmando que,
Para os climatólogos, ainda não quer dizer que o volume de chuvas seja mudança climática. Seria necessário um intervalo de tempo maior para se perceber um padrão novo para afirmar isso; até agora é uma instabilidade do clima.
Passados quase três anos, será que seria tempo suficiente para ter conclusões mais concretas? Alguns internautas acreditam que sim.
“O clima na sua cidade está doido?“
A pergunta foi lançada em um fórum criado no Yahoo! Respostas, por um usuário que replica assim na arena online as tais mundanas conversas de elevador:
Eu moro em Guarulhos-SP [São Paulo] e o tempo aqui cada vez está mais estranho, uma hora faz calor, outra o tempo fica nublado e friento, e outra chove e depois para de chover e faz bastante calor e depois frio. Tá uma doideira o tempo em Guarulhos, e na sua cidade?
A mesma pergunta repercute em diversas outras discussões online; e entre tantas perguntas, poucos oferecem a resposta. De acordo com alguns especialistas, a mudança climática vem realmente acontecendo. Um estudo publicado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) em junho de 2010, por exemplo, aponta que enchentes serão mais freqüentes na capital paulista.
As mudanças no clima (…) indicam aumento de dias com chuvas intensas e mais freqüentes e as projeções de crescimento da população na Região Metropolitana de São Paulo, que deverá dobrar de tamanho nos próximos 20 anos, especialmente nas periferias.
As mudanças climáticas, combinadas com o crescimento urbano e desenvolvimento rural sem um planejamento de proteção adequado, contribuem para conseqüências sociais e econômicas ainda maiores nas cidades e campos.
O site Mudanças Climáticas é inteiramente dedicado a compreensão e informação sobre este fenômeno. Em um artigo escrito para o site em 2009, o coordenador do Programa de Mudanças Climáticas e Energia do WWF-Brasil, Carlos Ritti, afirma que “as mudanças climáticas são o maior desafio ambiental e de desenvolvimento do século XXI”:
Uma série de eventos climáticos muito intensos ocorridos nesta última década já indicava que o clima do planeta está passando por uma transformação significativa.
Entretanto, entre nuvens e enxurradas, muitos acabam não sabendo a verdadeira distinção entre clima e tempo, e acabando sem entender a verdadeira dimensão do fenômeno. De acordo com Gabriel Cabral, em um artigo escrito para o site Mundo Educação,
O tempo refere-se ao estado momentâneo que ocorre em um determinado local a partir do ar atmosférico que pode ocorrer de maneira lenta ou rápida. Em diferença, o clima refere-se ao conjunto de condições atmosféricas que ocorrem em determinados locais de forma marcante.
Rio+20 pela mudança?
O Rio+20, Conferência das Nações Unidas em Desenvolvimento Sustentável já tem em sua agenda discussões sobre mudanças climáticas e seus efeitos em todo mundo. A própria ONU tem uma Convenção em Mudanças Climáticas [en], sendo que sua última edição aconteceu em Durban, nos meses de Novembro e Dezembro de 2011.
De acordo com a organização, “a Convenção em Mudança Climática estabelece normas gerais para esforços intra-governamentais para controlar o desafio lançado por mudanças climáticas. Ela reconhece que o sistema climático é um recurso compartilhado, e sua estabilidade pode ser afetada por emissões de dióxido de carbono industrial e outros gases de efeito estufa.”
Apesar da Rio+20 ter entre seus objetivos,
um comprometimento político renovado com o desenvolvimento sustentável, avaliar o progresso feito até o momento e as lacunas que ainda existem na implementação dos resultados dos principais encontros sobre desenvolvimento sustentável, além de abordar os novos desafios emergentes,
alguns especialistas notaram que a conferência não tem uma agenda clara e específica. Marina Silva, ex-candidata a presidência de República, notou em uma entrevista para a Folha de São Paulo e publicado no site O Eco, que o rascunho publicado pela organização, contendo a versão zero da proposta de resolução da Rio+20,
é insuficiente. Genérico, não faz uma crítica ao modelo de desenvolvimento atual e dos padrões de produção e consumo. (…) Tudo parece apontar para aquele conhecido roteiro: decepção e paralisia dos governos, enquanto a crise socioambiental só se agrava -foi assim na COP 15, 16, 17…
Não precisa ser especialista para saber que algo está mudando e que a repercussão saiu do confino de um elevador. Não mais somente um fator isolado afetando apenas uma cidade mas sim uma combinação de diversos elementos que relevam o impacto dessas mudanças climáticas. Ao invés de perguntas entretanto, precisamos focar nas respostas.
1 comentário
Sou um observador de pássaros. Moro em Itaquera, próximo a uma APA (APA do Carmo). Tenho observado que a natureza tem dado sinais claros de uma mudança climática há muito tempo. Se considerarmos a fauna e a flora de um local, acredito ser possível definir que padrões estão mantendo tais espécies numa área, a partir das exigências que estes organismos tem para sobrevivência. Aves que nunca vi em São Paulo, desde minha infância (tenho 39 anos), estão surgindo e são frequentes na cidade. Colhereiros no Pq. do Tietê, papagaios verdadeiros se multiplicam em minha região às centenas, aves típicas do bioma pantaneiro, do cerrado e amazônico em geral têm migrado para a região de São Paulo. Hoje, posso ter um pé de siriguela em minha casa e vê-lo crescer saudável. O frio e a garoa antigamente não permitiam certas espécies por aqui. Parece-me que a temperatura e a umidade realmente estão contribuindo para estas migrações. Se não houvesse um padrão novo climático, creio que estas espécies não se fixariam por aqui. O que me preocupa não é o fato de o clima estar mudando. Tudo indica que o homem não terá como reverter o processo e não há provas de que tais mudanças tenham sido deflagradas apenas por ação humana. As demandas causadas por estas mudanças não estão sendo levadas a sério. Não estamos nos adaptando e, isso sim, é um grande problema. É justamente o padrão de produção e consumo ao qual a Marina Silva se refere que vai entrar em colapso e levar junto toda a humanidade. O imediatismo inerente ao sistema se alimenta da predação pura e simples e necessita de uma certa estabilidade ambiental. Quem aguenta? Nos preocupamos em resolver questões como o efeito estufa e o buraco na camada de Ozônio. Tudo bem, é correto e necessário. Mas, sem considerar as consequências das mudanças já deflagradas (pela mão humana ou não), fica tudo muito demagógico, propagandístico. A Amazônia está secando, as chuvas estão mudando de lugar, o solo instável da Mata Atlântica, está derretendo, a seca acaba com a região Sul… Enfim, padrões novos estão surgindo. É preciso adaptar-se. Não tem volta.