No dia 14 de janeiro, um protesto contra a privatização dos espaços públicos ocorreu em antecipação ao Carnaval de Salvador, uma das maiores festas de rua do mundo que irá começar no dia 18 de fevereiro. A manifestação foi claramente uma mensagem para o prefeito de Salvador (BA), João Henrique, e a empresa Premium retirarem um dos camarotes privados a ser utilizado durante a festa momesca. As estruturas de camarotes, de forma geral, ocupam uma grande área do espaço público na avenida principal do bairro de Ondina, onde o protesto ocorreu.
De acordo com Blog da Ilha, a Prefeitura concedeu permissão para a Premium erguer a infra-estrutura no local, chamada de Camarote Salvador, apesar da área pertencer ao Governo Federal. A Superintendência do Patrimônio da União (SPU), no entanto, multou a empresa Premium em R$ 374 mil. Mesmo assim, tudo indica que as obras do Camarote Salvador irão em frente. Blog da Ilha também informou que um dia de folia no Camarote Salvador pode custar de R$ 490,00 a R$ 990,00 e que o acesso ilimitado ao camarote durante todo o carnaval pode chega até R$ 4.890,00 mil.
O uso exagerado dos camarotes ao longo das calçadas não é um problema por si só. O crescimento do negócio dos blocos pagos de carnaval também restringe o direito das pessoas de curtirem a festa de rua de graça. Os blocos pagos de carnaval organizam grupos de música para tocarem em cima de trios elétricos (caminhões com sistema de som) e vendem camisas (abadá) para o público. Para separar consumidores de não-consumidores, seguranças (também conhecidos como ‘cordeiros) são colocados para segurar uma corda em torno de trios elétricos e daqueles que pagaram pela camisa. Quando a banda começa a tocar e o trio elétrico a se mover ao longo da rua, quem não é consumidor acaba sendo ‘espremido’ de um lado por blocos e de outro por camarotes.
Carnaval para todos
Um dos objetivos do movimento que teve início na internet com a criação de perfis no Twitter @OcupaSalvador e Facebook Ocupa Salvador é de reivindicar o espaço público para as pessoas brincarem o Carnaval de Salvador livremente. Os perfis on-line demonstram que os grupos, de alguma forma, foram influenciados pelos movimentos ‘Occupy’ que tem acontecido mundo afora.
Embora a juíza da 7° Vara da Fazenda Pública, Lisbete Maria Santos, tenha emitido uma liminar provisória proibindo o protesto no bairro de Ondina, manifestantes tomaram a avenida no dia 14 de janeiro. As mídias sociais têm sido usadas para manter a chama do movimento acesa, de modo que as pessoas de Salvador possam reivindicar o direito de ter um carnaval que também tenha um foco voltado para o ser humano e não apenas para o lucro. O ex-reitor da Universidade Federal da Bahia, Naomar Almeida Filho, (@ naomar_almeida) postou uma série de imagens e mensagens no Twitter, as quais ilustram o que ele denominou de ‘manifestação contra o fechamento da praça na praia de Ondina alugada para camarote privado ‘:
DESOCUPA foi um flash-mob convocado por redes sociais. Levou 1000 pessoas numa tarde chuvosa a Ondina. A imprensa noticiou timidamente
André Lemos (@ andrelemos), Professor Associado da Universidade Federal da Bahia e especialista em cibercultura tuitou:
Carro, desocupa a calçada; camarote, desocupa a praia; som alto, desocupa o ambiente; violência, desocupa os espíritos – #desocupa salvador.
No Youtube, um vídeo mostra pessoas de todas as idades se expressando através de um microfone comunitário e também um coro de vozes gritando a palavra “Desocupa”:
Integração apesar de todas as diferenças
Anos atrás, o Carnaval de Salvador costumava ser uma festa mais inclusiva e democrática. Era o momento em que pessoas de diferentes classes sociais e preferências culturais se misturavam no mesmo espaço público. No entanto, nos últimos vinte anos, o cenário mudou com a presença de camarotes e blocos pagos de carnaval. Além do lucro, outro forte argumento muitas vezes usado em favor da privatização do Carnaval de Salvador é a questão da segurança. De acordo com dados divulgados pela Confederação Nacional dos Municípios (CNN) ‘Salvador é a capital brasileira com o maior índice de mortes causadas por armas de fogo’, em período analisado de 1996 a 2008, divulgou o website da Rádio Metrópole.
Durante o carnaval, camarotes são erguidos ao longo dos passeios, reduzindo o espaço de livre acesso às ruas, o que aumenta a distância, pelo menos psicológica, entre ricos e pobres e gera ainda mais hostilidades entre classes. O site sobre dicas de viagem, Wikitravel, não ignora o problema e destaca o seguinte na seção Fique Seguro (Stay Safe, em inglês): ‘Devido à alta desigualdade social, Salvador é conhecida por crimes de rua’.
No Facebook, Ernesto Diniz comenta exatamente sobre quando o carnaval era um momento em que uma certa integração social acontecia:
Com a cara-de-pau de um turismo excludente e industrializado, a cidade, ano a ano, é loteada e paralisada para que o Carnaval possa passar. A festa foi descaracterizada há muito e pouco sobrou do Carnaval que celebra a suspensão de todas as diferenças.