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Brasil: “Massacre do Pinheirinho” Causa Revolta e Comoção no País

Categorias: América Latina, Brasil, Ativismo Digital, Direitos Humanos, Economia e Negócios, Governança, Lei, Mídia Cidadã, Política

No dia 22 de janeiro, a Polícia Militar de São Paulo (PMSP) e a Guarda Civil Metropolitana (GCM) da cidade de São José dos Campos, no estado de São Paulo, invadiram a ocupação conhecida como Pinheirinho para cumprir uma ordem de reintegração de posse expedida pela justiça estadual. A violenta desocupação da comunidade ficou conhecida como “Massacre do Pinheirinho” após demonstração de violência e brutalidade por parte das forças policiais na expulsão e intimidação dos moradores despejados em meio a uma imensa confusão judicial.

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Mulheres com crianças no colo deixam suas casas com o fogo das barricadas atrás. Foto de RDTEIXEIRA para o blog Vírus Planetário, sob licença CC

O terreno do Pinheirinho, ocupado há 8 anos e onde vivem mais de 1500 famílias, ou algo entre 6 e 9 mil pessoas, pertence à massa falida do especulador libanês Naji Nahas [2] e de sua empresa, Selecta. Nahas, que já chegou a ser preso [3] pela Polícia Federal por crimes financeiros [4], passou a proprietário do terreno no início dos anos 80 embora não exista informação [5] sobre como foi feito o processo de aquisição após o assassinato [6] nunca solucionado dos antigos donos, em 1969.

O governo de São Paulo havia exigido a reintegração de posse em meados de janeiro e várias idas e vindas [7] na justiça transformaram o caso numa grande confusão com o governo federal disposto a comprar e regularizar [8] o terreno, mas com a prefeitura e o governo de São Paulo se recusando a cumprir o acordo.

Porém a ordem para a reintegração de posse do terreno foi suspensa [9] quando o governo estadual e federal entraram em acordo para abrir uma janela de negociação [10] de 15 dias para que a prefeitura local pudesse decidir se iria em frente com a reintegração ou transformava o terreno de mais de um milhão de metros quadrados em área de interesse social, passando então a titularidade para os moradores, em geral trabalhadores pobres e suas famílias.

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Tropa de choque em posição de ataque. Foto do perfil @PinheirinhoSJC. Uso livre

O acordo [12], porém, foi descumprido e, sem nenhum aviso, a PM chegou ao local [13] com um efetivo perto de 2 mil policiais [14] fortemente armados, além de um número ignorado de Guardas Civis para desocupar o terreno. Como era de se esperar, houve resistência.

Mesmo pegos de surpresa, os moradores tentaram armar barricadas, ateando fogo em carros, prédios públicos vizinhos e atirando pedras, demonstrando total desespero [15] frente à ação despreparada e violenta da polícia.

A prefeitura de São José dos Campos, que em alguns casos tem pago passagens para que alguns moradores retornem às suas cidades de origem, em especial no nordeste brasileiro, tem alojado as famílias expulsas de suas casas em abrigos precários [16]. Os moradores cadastrados receberam [17] pulseiras de cor azul para permitir sua entrada nos abrigos disponíveis.

A ativista Paloma Amorim, no Facebook, denunciou [18] a precariedade da estrutura para atender as famílias desalojadas:

As tendas armadas pela prefeitura e pelo governo, portanto, foram armadilhas para aglomerar e agredir famílias indefesas que estão há 7 anos ocupando o Pinheirinho, massa falida que só está neste momento sendo reivindicada em função da especulação imobiliária tão contundente nos últimos tempos no estado de São Paulo.

Vídeo que mostra o momento em que, no fim do dia 22, a PM avança sobre a população com extrema violência:

Questão judicial

Uma ordem judicial estadual, expedida pela juíza Márcia Faria Mathey Loureiro manteve a desapropriação do terreno pese uma ordem da justiça federal desautorizá-la [19]. Na dúvida sobre a competência legal, coube à PM decidir continuar com a desocupação e ao Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, Rodrigo Capez – irmão de um deputado estadual [20] do PSDB, partido do governador e do prefeito envolvidos na desocupação do Pinheirinho – confimar a suposta legalidade da ação. O jornalista Marques Casara explica [21] no entanto que uma ordem do Tribunal Regional Federal enviada diretamente ao comando das operações no Pinheirinho não foi levada em conta:

Existia uma negociação avançada para resolver o problema sem o uso da força. Por conta disso, por duas vezes, o Tribunal Regional Federal (TRF) cassou a liminar que determinava a reintegração de posse: na sexta feira e no próprio dia da invasão, domingo.

Depois, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Ari Pargendler [22]decidiu que a ordem estadual prevaleceria frente à federal, apesar do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) nacional, Ophir Cavalcante, denunciar [23] como ilegal a desocupação. Em jogo a defesa da propriedade privada de um conhecido especulador versus o direito à moradia para a população carente no país e a função social da terra [24].

O Supremo Tribunal Federal foi acionado [25] para tentar resolver a questão.

O blogueiro Fabrício Cunha comenta [26]:

Quando esse tipo de interpretação do conceito de propriedade privada sobrepõe a dignidade humana, há algo de muito errado em nossa sociedade.

Quando uma prefeitura finge que não vê um número tão grande de pessoas e não as considera em sua gestão, há algo de muito errado com a política.

Quando um prefeito lava as mãos em silêncio diante de um fato que acontece debaixo de seus olhos, há algo de muito errado com um líder.

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Moradora chora a perda de sua casa. Foto de Mariana Parra, sob licença CC

A urbanista Raquel Rolnik explica [28]:

Milhares de homens, mulheres, crianças e idosos moradores da ocupação Pinheirinho são surpreendidos por um cerco formado por helicópteros, carros blindados e mais de 1.800 homens armados da Polícia Militar. Além de terem sido interditadas as saídas da ocupação, foram cortados água, luz e telefone, e a ordem era que famílias se recolhessem para dar início ao processo de retirada. Determinados a resistir — já que a reintegração de posse havia sido suspensa na sexta feira  – os moradores não aceitaram o comando, dando início a uma situação  dramaticamente violenta  que se prolongou durante todo o dia e que teve como resultado famílias desabrigadas, pessoas feridas, detenções e rumores, inclusive, sobre a existência de mortos.

As críticas aos motivos para a pressa na reintegração de posse e para a extrema violência contra a população se explicam [29] pela imensa [30] valorização [31] do terreno nos últimos 8 anos e pela proximidade entre o dono do terreno e líderes políticos poderosos.

Vídeo da ativista Mariana Parra que mostra o início do severo espancamento e prisão do militante do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) Guilherme Boulos que foi levado ensanguentado para a delegacia por Guardas Municipais e do desespero da população frente à violência:

Neste link [32]é possível assistir aos atos de violência contra o militante do MTST por outro ângulo e até o momento em que, ensanguentado, é levado à uma viatura. O famoso acadêmico português Boaventura Sousa Santos declarou [33], em vídeo, seu apoio à população do Pinheirinho, repudiando a ação violenta do Estado.

Mortos e Feridos

Não há confirmação oficial [34] sobre o número de mortos ou de feridos. Por um lado a Polícia Militar e a Secretaria de Comunicação da Prefeitura de São José dos Campos informa que são poucos os feridos e não há nenhum morto, mas as diversas imagens [35] comprovam que ao menos o número de feridos é elevado. A Agência de Notícias das Favelas apontou [36] em 7 o número de mortos, ao passo que a OAB da cidade fala [37] em vários mortos [38], inclusive crianças., e moradores chegaram a aventar entre 3 e 4 mortos ao longo do dia 22 de janeiro.

O Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos [39]compilou imagens do início da desapropriação do terreno:

De acordo com o ativista Pedro Rios Leão há denúncias [40] de que a polícia e a guarda civil da cidade estariam sequestrando feridos e mortos para evitar que entrassem nas estatísticas oficiais. O capitão Antero, da Polícia Militar havia informado [41] que não havia registro de mortos e tampouco de feridos graves no começo da noite do dia 22, porém os fatos começam a desmenti-lo, como por exemplo informou o Blog de Solidariedade à Ocupação Pinheirinho [42] que um morador pode ficar paraplégico depois de ser atingido por bala da polícia.

A PM alegou não usar armas de fogo, apenas balas de borracha, mas as imagens tanto em foto quanto em vídeo mostram [43] que a GCM usou pistolas com munição real [44] contra a população.

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Cartum de Carlos Latuff, sob licença CC

A doutoranda em Psicologia Camila Pavanelli criticou [46] as ações recentes da polícia de São Paulo no caso Pinheirinhos e em outros:

Além da guerra contra as drogas – que, particularmente na cidade de São Paulo, assume contornos específicos de guerra contra os dependentes químicos -, o estado de São Paulo vem sediando também guerras contra estudantes e contra manifestantes que usam o espaço público para advogar por uma causa qualquer. A recente guerra contra os moradores (que amanhã serão sem-teto) do Pinheirinho não foge a esta lógica de transformação da polícia em exército de ocupação.

Vídeo do usuário DanPerseguim [47] mostra momento em que a PM atira bombas e balas de borracha contra população desarmada dentro da área onde as famílias deveriam ser cadastradas para receber ajuda:

Um assessor da Secretaria-Geral da Presidência foi atingido por uma bala de borracha da PM e chegou a dizer [48] que a Polícia Rodoviária Federal foi forçada a se esconder das balas atiradas pela PM. Está sendo compilada uma lista [49] colaborativa com todas as denúncias de mortos encontradas.

A blogueira Cylene Dworzak resume [50] o sentimento geral:

Acima de qualquer ideologia, este é um momento de muita dor pra muita gente.

E o blogueiro Gilson Junior completou [51]:

São Paulo foi longe demais, São Paulo ultrapassou os limites da decência, legalidade e democracia.

O blog Diário Liberdade fez um apanhado de diversos vídeos e fotos [52], além de um resumo da situação do Pinheirinho, assim como [53] o blogueiro Giambatista Brito. No Twitter, a tag #Pinheirinho tem sido muito usada para disseminar informações, assim como o perfil @PinheirinhoSJC é fonte recorrente de informações do local. Fotos e vídeos podem ser encontradas aqui [11], aqui [54], aqui [27] e aqui [55].

Os jornalistas Felipe Milanez e Maíra Kubik Mano coletaram [56] diversos depoimentos de moradores durante o despejo violento, enquanto o escritor e ativista Celso Lungaretti se perguntou [57] o que faltava para o governo federal entrar na questão e tomar uma atitude frente aos desaparecidos [58], presos e desabrigados, ao passo que o blogueiro Gilson Sampaio afirmou [59] que o governo e justiça de São Paulo precisam ser denunciados à OEA e ONU. Em entrevista [60] à BBC Brasil, o coordenador do programa das Nações Unidas para o Direito à Habitação, Cláudio Acioly, afirmou que está havendo uma violação drástica de direitos no processo de desalojamento forçado no Pinheirinho.

O professor Chico Bicudo desabafa [61]:

O Pinheirinho é agora um bairro-fantasma. As quase mil casas serão em breve demolidas. Com elas, cairão também os sonhos e histórias de vida de quase nove mil pessoas. A terra arrasada ficará por lá. Sem as casas, sem os moradores, mas finalmente de volta para seu “dono”.

No entanto, fala-se de possível responsabilização legal [62] do prefeito de São José dos Campos, Eduardo Cury (PSDB) e do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), pela extrema violência [63] e possíveis mortes.

Foram ainda realizados atos de apoio [64] ao Pinheirinho por todo o país, e neste álbum [65], de Thiago Moreira é possível ter acesso a dezenas de fotos do ato em São Paulo [66] e no site do Coletivo Catarse um vídeo [67] do ato.

A situação no Pinheirinho ainda é crítica. São milhares de desabrigados vivendo em tendas improvisadas, abrigos e igrejas, mas sujeitos à todo tipo de violação e abusos por parte da polícia.