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Brasil: Escândalo Sexual no Big Brother Desperta Debate sobre Machismo

Categorias: América Latina, Brasil, Lei, Mídia Cidadã, Mídia e Jornalismo, Mulheres e Gênero

Aconteceu na madrugada do passado dia 14 de janeiro, no programa com maior audiência do Brasil, o Big Brother (BBB): “um estupro transmitido ao vivo, sem que nada fosse feito”. O relato [1] é de Alê, uma blogueira feminista, que se revoltou com a inoperância da maior rede do País, TV Globo, enquanto assistia o acontecimento. Com ela, milhares de outros internautas manifestaram a sua indignação.

Após participar da festa de sábado à noite, a concorrente do BBB Monique Amin, estudante de 23 anos, se dirigiu a seu quarto. Como havia consumido bebidas alcóolicas – cujo consumo é estimulado [2] pela “própria Globo (…) em doses cavalares” -, Monique se deitou na cama, evidentemente mostrando embriaguez. O modelo Daniel Echaniz, de 31 anos, acompanhou Monique e deitou-se com ela na cama. Momentos depois, ele aparece fazendo movimentos sexuais com ela. Contudo, como o próprio programa admitiu, Monique estava desacordada – estando, assim, impossibilitada de consentir qualquer ato sexual.

A blogueira Leticia Fernandez compartilhou a tela de Notícias que a versão paga do BBB exibiu [3] no momento:

Está rolando o clima entre Daniel e Monique debaixo do edredom. Ele se mexe, parece acariciar a sister, mas a loira não se move.

O vídeo do fato, como esperado, ficou disponível na internet por pouco tempo. Os vídeos no YouTube foram removidos [4] “por violar a política do YouTube sobre conteúdo de nudez ou sexo” (sic).

“O amor é lindo”, o machismo não

O caso não teve repercussão imediata  na televisão, com exceção do comentário do apresentador Pedro Bial, que disse [5] – após exibição de um vídeo apontado como manipulado por diversos usuários do twitter para diminuir o impacto da situaçãoque “o amor é lindo”. A repercussão do caso na internet foi no entanto inversalmente proporcional à da TV. Em blogs, portais jornalísticos, twitter e facebook, o assunto era o mesmo.

No Twitter muitos diziam que “teria sido uma armação para aumentar a audiência”, conforme comentou [6] a blogueira Rosangela Basso.

Ana Marques, conhecida como Morango, ex-participante do programa criticou [7] a manipulação  do caso afirmando que se sentia, ela própria, estuprada:

Esperei ouvir de Bial, jornalista e pai de uma filha que tem a idade de Monique, um manifesto de repúdio à atitude de Daniel que servisse de exemplo. Também esperei do “BBB” uma edição minimamente transparente e depois, um posicionamento. Mas foi o contrário.

Se a opinião sobre o abuso sexual no BBB foi quase unânime nas redes sociais, também houve internautas que viram o caso num outro prisma.

"Machismo Mata", Marcha das Vadias, Brasilia 2011. Foto de Bianca Cardoso no Flickr (CC BY-NC-ND 2.0) [8]

"Machismo Mata", Marcha das Vadias, Brasilia 2011. Foto de Bianca Cardoso no Flickr (CC BY-NC-ND 2.0)

A jornalista Sara Martinez (@sarafcmartinez) lamentou [9] a multiplicação de comentários como “tava bêbada / mereceu / é vadia / o cara é preto, só podia dar nisso”. Enquanto vários internautas partilhavam fotos de Marchas das Vadias [10] no Brasil, a jornalista e escritora Nina Lemos, chocada [11] com a declaração de Pedro Bial, resumiu o dia a “cinismo e machismo”:

Chocante é (…) também o machismo que correu solto na internet o dia inteiro ao se falar do caso.  “Quem bebe além da conta não tem do que reclamar no dia seguinte. Se quer respeito, aprende a beber”, escreveu um blogueiro com milhares de seguidores.

Mais do que um acontecimento em um reality show, o fato ocorrido entre Daniel e Monique levanta importantes questões relacionadas com comportamento e educação sexual no Brasil.

Alex Castro, do blog Papo de Homem escreveu [12] um artigo com base na “seguinte regra: em caso de dúvida, não estupre”:

Estamos há séculos ensinando as meninas como se vestir e como agir – para a segurança delas, claro! Mas talvez fosse a hora de ensinar os meninos como não-estuprar. (…) entre esses pais que controlam as saias das filhas com tanta ênfase e afico, quantos já usaram a MESMA ênfase e o mesmo afinco para controlar os hormônios e os impulsos dos filhos? Para ter uma conversa franca e aberta sobre estupro e escolha?

Em poucas horas seu artigo reuniu [13] “3 mil likes no FB, 850 RTs (retweets), 160 comentários, e foi lido 80 mil vezes”.

Na mesma linha de que “não são as mulheres que precisam aprender a evitar e se prevenir contra estupros, são os homens que precisam aprender que não podem estuprar”, o blog coletivo Biscate Social Club ampliou o debate sobre o estupro afirmando [14]:

Estupro não é sexo. Estupro não é uma vontade incontrolável de dar prazer à outra pessoa mesmo que ela não saiba que quer muito isso. Estupro não é um favor, não é um acidente, não é uma empolgação. Estupro é uma violência que decorre de uma relação de poder. No estupro, aproveita-se da vulnerabilidade do outro.

Aplicando a lei a um «reality show»

Conforme escreveu [15] a jornalista Natalia Mendes, num especial para o blog Nota de Rodapé, só “depois da mobilização nas redes sociais e a hashtag #DanielExpulso chegar em primeiro lugar dos Trending Topics do Twitter” é que a direção do programa tomou ação.

Foi só na edição de segunda-feira, 16 de janeiro, que a Rede Globo resolveu se pronunciar. Pedro Bial, não citando especificamente o que aconteceu, disse que o participante Daniel havia infringido as regras do programa e, por isso, tinha sido expulso. Já o Defensor Público Federal Francisco tinha afirmado [16] no Twitter que era o dever da Globo fazê-lo, reforçando o uso do artigo 215 do Código Penal que tratado estupro de vulnerável explicando [17] “que não depende da vítima o início da ação”, pois a ação seria presumida [18].

Maíra Mano em seu blog explica [19] porque o ato pode ser considerado crime:

Segundo o artigo 213 da lei 12.015, de 2009, é estupro “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. (…) também é preciso mencionar o artigo 215, que fala sobre violação sexual mediante fraude e estupro de vulnerável na modalidade em que a vítima está impossibilitada, por outro meio, de oferecer resistência.

"Você não pode tocar sem o meu consentimento". Foto de Bianca Cardoso no Flickr (CC BY-NC-ND 2.0) [20]

"Você não pode tocar sem o meu consentimento". Foto de Bianca Cardoso no Flickr (CC BY-NC-ND 2.0)

Já na terça-feira, 17 de janeiro, o apresentador mais uma vez falou sobre o caso no programa, e ratificou a versão da TV Globo de que ambos – Daniel e Monique – estavam conscientes na noite de sábado, mesmo apesar de Monique “possivelmente sofrendo de amnésia alcoólica”, ter afirmado [21] antes não se lembrar do ocorrido. A própria Globo noticiou [22] no dia 17 que ambos os “brothers” negaram o estupro em declarações à polícia.

Não seria a primeira vez que um caso de abuso sexual aconteceria no reality show Big Brother. O portal Operamundi nos conta [23] sobre um caso semelhante na África do Sul, no qual embora “muitas pessoas exigiam que o estudante respondesse legalmente por seus atos”:

os dois seguiram no programa até o final. Após votação popular, Richard ganhou o BB da África do Sul e faturou o grande prêmio — Ofunneka ficou em segundo.

Ana flávia Ramos, do blog Tab na Rede deixa a pergunta [24] no ar:

O histórico de barbaridades no BBB já não é novo, mas quais serão os limites do programa após um suposto estupro em cadeia nacional? Como será interpretada pelas autoridades públicas e pelos telespectadores a omissão da Globo diante do caso?

Colaborou neste post Raphael Tsavkko Garcia [25]