- Global Voices em Português - https://pt.globalvoices.org -

Brasil: Pedágio, Constitucional ou Exagero?

Categorias: América Latina, Brasil, Desenvolvimento, Economia e Negócios, Governança, Lei, Mídia Cidadã

Após a aprovação da Lei de Mobilidade Urbana [1] no começo deste ano, uma discussão em torno dos pedágios cobrados em todo território nacional voltaram à tona. De acordo com a lei, os municípios poderão cobrar um chamado “pedágio urbano,” com a intenção de diminuir o trânsito de automóveis e melhorar a circulação nas cidades. Entretanto, a possível criação de mais um pedágio torna inviável para parte da população a mobilidade interna, visto que várias importantes rodovias federais e estaduais já foram privatizadas.

De acordo com dados da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias [2] (ABCR), formado por 55 empresas,

Essas concessionárias operam 15.365 quilômetros de rodovias, o que corresponde a aproximadamente 7% da malha rodoviária nacional pavimentada.

Praça de Pedágio - Itirapina. Foto de Mariana Braga. (CC BY-NC-ND 2.0) [3]

Praça de Pedágio – Itirapina. Foto de Mariana Braga. (CC BY-NC-ND 2.0)

Os valores cobrados variam entre R$ 1,40 (BR-101 trecho Curitiba à Santa Catarina) e R$ 11,20 (BR-116 trecho Rio de Janeiro à Além Paraíba). Pode até parecer pouco dentro de um total de mais de 180.000 km de rodovias pavimentadas em todo país; porém, além de corresponderem as principais rodovias nacionais e estaduais, os pedágios estão instalados a uma distância de aproximadamente 80 km entre cada um, dependendo dos trechos.

Desde 2007, um email [4] circula pela internet, descrevendo o trabalho de conclusão de curso da estudante de direito Márcia dos Santos Silva no estado do Rio Grande do Sul. Nele, a estudante defende que:

o direito de ir e vir é cláusula pétrea na Constituição Federal, o que significa dizer que não é possível violar esse direito. E ainda que todo o brasileiro tem livre acesso em todo o território nacional. O que também quer dizer que o pedágio vai contra a constituição.

Apesar de apresentar algumas informações falsas, como a constitucionalidade do livre arbítrio no não pagamento de pedágios (todas apontadas no blog [5] do consultor de negócios Marcelo Galvani), Márcia concedeu uma entrevista [6] para a Radio CBN, na qual continuou defendendo sua posição contrária ao pedágio. Um ponto válido de seu argumento corresponde ao fato de os cidadãos já pagarem impostos (taxados sobre o combustível) específicos para a construção e manutenção das estradas.

Abaixo de sua entrevista postada no site Youtube, uma discussão entre os que defendem a posição da estudante e os que são contra sua iniciativa, refletem uma discussão maior em torno dos pedágios. Seria constitucionalmente correta a sua aplicação sendo que existem impostos especificamente destinados às rodovias?

Obras na rodovia BR 158, no Mato Grosso. Foto por minpanplac. (CC BY-NC-SA 2.0) [7]

Obras na rodovia BR 158, no Mato Grosso. Foto por minpanplac. (CC BY-NC-SA 2.0)

Em um comentário deixado pelo internauta sucrilhos [8], ele argumenta que,

O direito de um termina onde o do outro começa (…) O direito de ir e vir não diz que você pode ir pra onde quiser… se pensar desse jeito eu teria direito constitucional de entrar na sua casa quando quisesse… e você sabe que não posso, porque você tem o direito da propriedade privada e por ele você pode deixar entrar só quem você quiser, a menos que seja emitida uma ordem judicial….A mesma lógica se aplica aos pedágios, as estradas são privadas. Eles podem cobrar se quiserem.

Alehage [9], referindo-se ao art. 150, I, V, da Constituição, que autoriza o pedágio, defende que,

As leis se anulam umas às outras e não defendem aos nossos. Fácil saber que existam leis autorizando o pedágio, mas essas leis entram em conflito com a lei que Márcia citou. Ela não está espalhando desinformação, só defendeu uma tese sobre o assunto em uma faculdade, e é incompreensível tanta agressividade de vocês. Se criarem leis taxando o ar, a respiração… vamos apoiar, ou ser fora-da-lei?

Segundo a Agência Nacional de Transportes Terrestres [10] (ANTT),

O processo de implantação [da concessão de rodovias] iniciou em 1995 (…) Esta parceria entre o governo federal e os governos estaduais deu continuidade ao processo de descentralização das atividades do Estado na área de transporte, transferindo à iniciativa privada a prestação de determinados serviços que, apesar de serem essenciais à sociedade, não precisariam, necessariamente, ser oferecidos pelo poder público. Essa transferência de responsabilidade vem possibilitando ao Estado, a alocação de maiores verbas para as atividades sociais, estas indelegáveis.

Uma vez passada ao setor privado, as concessionárias podem reajustar o valor inicial do pedágio de acordo com dados da inflação de gastos. Em um caso recente entretanto, publicado no site Bom Dia Feira [11], a Justiça mostrou-se contra a concessionária Via Bahia, a qual queria reajustar o pedágio para um valor médio de 9,33%, pelo motivo de não terem concluído as obras de melhorias prometidas na rodovia BR-116, no estado da Bahia.

O jornalista Adamo Bazani por sua vez, escreve em seu blog Ponto de Ônibus [12], que

desde quando foi criado [o CIDE – Imposto sobre combustíveis], em 2002, o tributo arrecadou R$ 68,8 bilhões. Mas deste total, apenas R$ 35,6 bilhões foram investidos em melhorias nos transportes, um dos principais objetivos deste tributo, mais um, dos muitos impostos que o brasileiro paga.

Independentemente da posição judiciária ou ideológica, vários motoristas desafiam a lei e preferem “fugir” dos pedágios. Alguns vídeos circulam pela internet mostrando como passar pelas catracas sem efetuar o pagamento.

Inconstitucional ou não, em um país como o Brasil, altamente dependente do transporte rodoviário, a discussão em torno da cobrança do pedágio levanta certas considerações indispensáveis para o crescimento sustentável do pais. Enquanto novas alternativas de transporte não forem pesadamente investidas, o pagamento de impostos e pedágios mostra-se, mais uma vez, contraditório ao que se paga e o que se recebe.