Brasil: Pedágio, Constitucional ou Exagero?

Após a aprovação da Lei de Mobilidade Urbana no começo deste ano, uma discussão em torno dos pedágios cobrados em todo território nacional voltaram à tona. De acordo com a lei, os municípios poderão cobrar um chamado “pedágio urbano,” com a intenção de diminuir o trânsito de automóveis e melhorar a circulação nas cidades. Entretanto, a possível criação de mais um pedágio torna inviável para parte da população a mobilidade interna, visto que várias importantes rodovias federais e estaduais já foram privatizadas.

De acordo com dados da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), formado por 55 empresas,

Essas concessionárias operam 15.365 quilômetros de rodovias, o que corresponde a aproximadamente 7% da malha rodoviária nacional pavimentada.

Praça de Pedágio - Itirapina. Foto de Mariana Braga. (CC BY-NC-ND 2.0)

Praça de Pedágio – Itirapina. Foto de Mariana Braga. (CC BY-NC-ND 2.0)

Os valores cobrados variam entre R$ 1,40 (BR-101 trecho Curitiba à Santa Catarina) e R$ 11,20 (BR-116 trecho Rio de Janeiro à Além Paraíba). Pode até parecer pouco dentro de um total de mais de 180.000 km de rodovias pavimentadas em todo país; porém, além de corresponderem as principais rodovias nacionais e estaduais, os pedágios estão instalados a uma distância de aproximadamente 80 km entre cada um, dependendo dos trechos.

Desde 2007, um email circula pela internet, descrevendo o trabalho de conclusão de curso da estudante de direito Márcia dos Santos Silva no estado do Rio Grande do Sul. Nele, a estudante defende que:

o direito de ir e vir é cláusula pétrea na Constituição Federal, o que significa dizer que não é possível violar esse direito. E ainda que todo o brasileiro tem livre acesso em todo o território nacional. O que também quer dizer que o pedágio vai contra a constituição.

Apesar de apresentar algumas informações falsas, como a constitucionalidade do livre arbítrio no não pagamento de pedágios (todas apontadas no blog do consultor de negócios Marcelo Galvani), Márcia concedeu uma entrevista para a Radio CBN, na qual continuou defendendo sua posição contrária ao pedágio. Um ponto válido de seu argumento corresponde ao fato de os cidadãos já pagarem impostos (taxados sobre o combustível) específicos para a construção e manutenção das estradas.

Abaixo de sua entrevista postada no site Youtube, uma discussão entre os que defendem a posição da estudante e os que são contra sua iniciativa, refletem uma discussão maior em torno dos pedágios. Seria constitucionalmente correta a sua aplicação sendo que existem impostos especificamente destinados às rodovias?

Obras na rodovia BR 158, no Mato Grosso. Foto por minpanplac. (CC BY-NC-SA 2.0)

Obras na rodovia BR 158, no Mato Grosso. Foto por minpanplac. (CC BY-NC-SA 2.0)

Em um comentário deixado pelo internauta sucrilhos, ele argumenta que,

O direito de um termina onde o do outro começa (…) O direito de ir e vir não diz que você pode ir pra onde quiser… se pensar desse jeito eu teria direito constitucional de entrar na sua casa quando quisesse… e você sabe que não posso, porque você tem o direito da propriedade privada e por ele você pode deixar entrar só quem você quiser, a menos que seja emitida uma ordem judicial….A mesma lógica se aplica aos pedágios, as estradas são privadas. Eles podem cobrar se quiserem.

Alehage, referindo-se ao art. 150, I, V, da Constituição, que autoriza o pedágio, defende que,

As leis se anulam umas às outras e não defendem aos nossos. Fácil saber que existam leis autorizando o pedágio, mas essas leis entram em conflito com a lei que Márcia citou. Ela não está espalhando desinformação, só defendeu uma tese sobre o assunto em uma faculdade, e é incompreensível tanta agressividade de vocês. Se criarem leis taxando o ar, a respiração… vamos apoiar, ou ser fora-da-lei?

Segundo a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT),

O processo de implantação [da concessão de rodovias] iniciou em 1995 (…) Esta parceria entre o governo federal e os governos estaduais deu continuidade ao processo de descentralização das atividades do Estado na área de transporte, transferindo à iniciativa privada a prestação de determinados serviços que, apesar de serem essenciais à sociedade, não precisariam, necessariamente, ser oferecidos pelo poder público. Essa transferência de responsabilidade vem possibilitando ao Estado, a alocação de maiores verbas para as atividades sociais, estas indelegáveis.

Uma vez passada ao setor privado, as concessionárias podem reajustar o valor inicial do pedágio de acordo com dados da inflação de gastos. Em um caso recente entretanto, publicado no site Bom Dia Feira, a Justiça mostrou-se contra a concessionária Via Bahia, a qual queria reajustar o pedágio para um valor médio de 9,33%, pelo motivo de não terem concluído as obras de melhorias prometidas na rodovia BR-116, no estado da Bahia.

O jornalista Adamo Bazani por sua vez, escreve em seu blog Ponto de Ônibus, que

desde quando foi criado [o CIDE – Imposto sobre combustíveis], em 2002, o tributo arrecadou R$ 68,8 bilhões. Mas deste total, apenas R$ 35,6 bilhões foram investidos em melhorias nos transportes, um dos principais objetivos deste tributo, mais um, dos muitos impostos que o brasileiro paga.

Independentemente da posição judiciária ou ideológica, vários motoristas desafiam a lei e preferem “fugir” dos pedágios. Alguns vídeos circulam pela internet mostrando como passar pelas catracas sem efetuar o pagamento.

Inconstitucional ou não, em um país como o Brasil, altamente dependente do transporte rodoviário, a discussão em torno da cobrança do pedágio levanta certas considerações indispensáveis para o crescimento sustentável do pais. Enquanto novas alternativas de transporte não forem pesadamente investidas, o pagamento de impostos e pedágios mostra-se, mais uma vez, contraditório ao que se paga e o que se recebe.

6 comentários

  • Charles

    Isso ainda vai dar o que falar, mas só uma correção: o pedágio mais caro do Brasil fica em São paulo, e é o do Sistema Anchieta-Imigrantes e que custa R$ 20,10.

  • Helton

    Matéria muito boa, realmente é um absurdo a cobrança desses pedágios.

  • Euclides F. Vale junior

    Fernando mais uma vez quero parabenizá-lo por sua matéria.
    Infelizmente muitos tem um preço, fazendo assim com que percam seu caráter de cidadãos por estarem no poder, para beneficio próprio. Se pelo menos este dinheiro que o governo deixa de gastar com a construção e manutenção das estradas fosse aplicado em educação e saúde principalmente, eu seria a favor dos mesmos. Mas da forma como estão fazendo sou contra.
    VALE u

  • Mônica K. Vale

    O sistema de transporte rodoviário do Brasil por ser precário (quando comparado aos sistemas de outros países) abre espaço para discussões como esta. Não sou conhecedora das leis que tratam do tema, porém, pelo pouco que sei, vejo que muitas lacunas ainda estão abertas em nossa constituição. Defendo a ideia de que o pedágio até pode ser cobrado, desde que todo o dinheiro arrecadado seja efetivamente utilizado para que as nossas estradas sejam bem construídas, seguras e definitivamente tenham o valor que cada pedágio cobrado vale. Percebo que a questão de valores também deve ser analisada, pois como já citado anteriormente, pagamos tributos com esta fimalidade. Sendo assim, apenas bom senso, seriedade e principalmente justiça farão que paguemos o valor correto e tenhamos em troca o merecido. (Parabéns pelo tema Fernando! Abraços!)

  • vagner correia de mello

    Pela lei 11638, nova lei de padronização da contabilidade, um de seus artigos elenca que a tarifa ou preço público deve ser alterado em casos de comprovação de investimentos nas vias concessionadas, ou seja, não basta maquiar (pintar, roçar e passar batom no asfalto) tem de duplicar, construir etc… tudo com gasto maciços pra justificar aumentos no preço da tarifa.
    fonte: http://cesartiburcio.wordpress.com/category/lei-11638/

    “No caso das concessionárias, as revisões tarifárias avaliam parte do ativo imobilizado -como estado de estradas, linhas de transmissão, canos de água e esgoto. Para Luiz Nelson Porto Araújo, da Trevisan, se esses ativos não recebem investimento -ou forem depreciados pela ação do tempo-, os custos da concessionária diminuem, devendo ser repassados ao consumidor como tarifa menor. A Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) afirmou que estuda o impacto das novas regras nas tarifas do setor.”

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