Em 4 de janeiro de 2011, a jornalista Alice Pires publicou a notícia em seu mural do Facebook:
E quando os Guajajaras [elementos de um dos povos indígenas mais numerosos do Brasil] me ligaram ontem dizendo que o índio que os madeireiros jogaram álcool e tocaram fogo e ficaram assistindo ele queimar até morrer, tinha só uns 8 aninhos de idade não consegui mais dormir….O indiozinho era da etnia Awá-Gwajá, da reserva de Araribóia, município de Arame no Maranhão.
Foi o início de um movimento de revolta e protestos, muitos incrédulos, contra o assassinato cruel de uma criança indígena, queimada viva por madeireiros no estado nordestino do Maranhão e encontrada carbonizada em um acampamento indígena abandonado.
O Conselho Missionário Indigenista (CIMI) confirmou que “suspeitas dão conta de que um ataque tenha ocorrido entre setembro e outubro contra o acampamento dos indígenas isolados”, e agregou mais informações:
O corpo foi encontrado carbonizado em outubro do ano passado num acampamento abandonado pelos Awá isolados, a cerca de 20 quilômetros da aldeia Patizal do povo Tenetehara, região localizada no município de Arame (MA). A Fundação Nacional do Índio (Funai) foi informada do episódio em novembro e nenhuma investigação do caso está em curso.
De acordo com Rosimeire Diniz, coordenadora do Cimi no Maranhão, “a situação é denunciada há muito tempo. Tem se tornado frequente a presença desses grupos de madeireiros colocando em risco os indígenas isolados. Nenhuma medida concreta foi tomada para proteger esses povos”.
“É preciso que o mundo saiba”
O jornalista Eliano Jorge entrevistou um índio da etnia Guajajara que declarou:
[…] Os madeireiros estavam comprando madeira na mão dos índios (Guajajara) e acharam uma menininha Gwajá. E queimaram a criança. Só de maldade mesmo. Ela é de outra tribo, eles vivem dentro do mato, não têm contato com os brancos, são brabos.
O jornalista Luis Carlos Azenha, por outro lado, pediu cautela:
Renato Santana [assessor de imprensa do CIMI] negou a existência de alguma foto do corpo carbonizado. Só uma investigação oficial da Funai pode confirmar se de fato existe o corpo carbonizado e se de fato é de uma criança. Além disso, é preciso esperar o testemunho direto de alguém que presenciou o episódio para saber se houve crime e, se houve, para identificar os autores.
Ao passo que a jornalista Niara de Oliveira respondeu:
[…]. “Só uma investigação oficial da Funai pode confirmar se de fato existe o corpo carbonizado e se de fato é de uma criança”, mas na denúncia feita pelo jornalista Rogério Tomaz Jr. há o relato de que “os funcionários da Funai na região de Arame são aliados dos fazendeiros e madeireiros locais” e que “não surpreende, portanto, que não haja investigação em curso e que o caso só agora tenha vindo à tona”. Baseada no comportamento do governo federal para apurar o assassinato do cacique guarani em MS e na importância que dão aos povos indígenas quando se trata de beneficiar aliados (empreiteiros, ruralistas, desmatadores, madeireiros, etc) e baseada na importância que a imprensa governista dá aos mesmos povos indígenas, tendo a confiar na apuração do Rogério.
O antropólogo Uirá Garcia, citado pelo ISA (Instituto Socioambiental) em sua página no Facebook, disse:
De fato, há indícios de que uma criança Awá-Guajá do grupo que vive em isolamento na TI Araribóia, tenha sumido de seu pequeno grupo, desde um encontro que tiveram com um grupo de madeireiros, meses atrás. Os Guajajara que encontraram o corpo comunicaram o ocorrido à Funai, mas nada foi feito. Essa informação já era conhecida por algumas pessoas ligadas aos povos indígenas do MA, a pelo menos 2 meses, porém, pela falta de provas mais concretas, ainda não havia sido divulgada. E agora, me parece que a informação (que pode sim ser verdadeira) “vazou” para a internet.
Ao passo que Rogério Tomaz Jr, natural do Maranhão, e primeiro a denunciar na blogosfera o caso, ironizou, em um post, as diversas hipóteses surgidas sobre o caso, em especial as que acusam os indígenas e organizações sociais de mentir ou fabricar uma história. Criticando o esperado silêncio da mídia sobre o caso, afirma com desgosto:
Entretanto, se amanhã ou depois um índio der um tapa na cara de um fazendeiro ou madeireiro, em Arame ou em qualquer lugar do Brasil, não faltarão editoriais – em jornais, revistas, rádios, TVs e portais – para falar da “selvageria” e das tribos “não civilizadas” e da ameaça que elas representam para as pessoas de bem e para a democracia.
Em outro post, o blogueiro ainda acrescentou a informação de que os funcionários da Funai (Fundação Nacional do Índio) na região do crime são “aliados dos fazendeiros e madeireiros locais. Não surpreende, portanto, que não haja investigação em curso e que o caso só agora tenha vindo à tona.”
A médica Diana Serra demonstrou revolta:
Vejam a que ponto está chegando a violência no nosso estado do Maranhão. E o governo nada faz, Os representantes da Justiça nada fazem. Os representantes do povo nada fazem.
[…]
É preciso que o mundo saiba o que acontece no Maranhão. Terra sem lei para os detentores de dinheiro e poder. Alguns, verdadeiros marginais, onde ainda resiste o coronelismo.
Perseguição aos povos indígenas
Segundo a organização Survival International, os “Awá são um dos últimos povos nômades de caçadores-coletores no Brasil. Mais de 60 Awá não têm qualquer contato com não-índios.”. E acrescenta:
Embora a maioria dos Awá viva em reservas reconhecidas legalmente, o povo Awá está encurralado em espaços cada vez menores, à medida em que madeireiros, pecuaristas e colonos invadem suas terras e derrubam suas florestas.
O fotógrafo Hugo Macedo explica:
um certo número de Guajá vive na floresta, sem contato permanente com a nossa sociedade. Eles se autodenominam Awá, termo que significa “homem” ou “pessoa”. Os Awá-Guajá em contato permanente vivem no noroeste do estado do Maranhão, nas Terras Indígenas Alto Turiaçu e Caru, ambas já demarcadas e homologadas, estabelecendo um terreno contínuo, em tese menos sujeito às invasões.
As ameaças ao povo Awá por madeireiros, garimpeiros e agricultores interessados em tomar suas terras não são novidade, assim como contra outras etnias do Maranhão, como os Canela e os Krikati. As comunidades convivem há muito tempo com ameaças de morte e com o medo. Em 2008 uma criança Guajajara de 7 anos de idade foi assassinada com um tiro por um motoqueiro na cidade de Arame, e indígenas de outras etnias foram também vítimas de violência semelhante, além de estupros, na região.
A violência contra a população indígena, no Brasil, tem se espalhado e tomado proporções alarmantes. O genocídio em curso contra os Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, vem recebendo crescente atenção na mídia alternativa, notadamente na blogosfera, mas ainda é um assunto proibido na grande mídia. O governo federal brasileiro tampouco tem tomado medidas para dar publicidade aos crimes e, especialmente, para evitar novas mortes.
Outras populações tradicionais também são vítimas de violência, em grande parte cometida pelo próprio governo federal, que usa as forças armadas para intimidar Quilombolas – populações negras tradicionais – e expulsá-los de suas terras. A construção da Usina de Belo Monte é outra grave ameaça à sobrevivência de comunidades indígenas inteiras na região amazônica.
Outro perigo que se apresenta para as populações indígenas e tradicionais do Brasil é a possível aprovação do novo Código Florestal, apresentado pelo político comunista Aldo Rebelo em conjunto com a ruralista Kátia Abreu, e que é objeto de contestação por parte de ambientalistas e ativistas das mais diferentes áreas.
O jornalista Lucão, relembrando caso recente em que dois ativistas do estado do Pará, José Claudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva, foram mortos “covardemente por madeireiros”, conforme reportado pelo Global Voices em maio, é outro a se revoltar com mais a atrocidade cometida contra os Awá:
Como se não bastasse a brutal agressão que os madereiros promovem constantemente no norte do Brasil contra nossa flora e fauna, -pois derrubando árvores, pássaros e animais são agredidos diretamente-, a coisa agora descambou para a covardia tosca de atrozes bandidos que atrelados à cifras ignoram a vida da floresta e a vida humana.
O jornalista Carlos Hermes, atônito, se pergunta até quando tais atrocidades serão toleradas:
[…] imagine quantas atrocidades são comendidas [sic] por esses monstros em meio à disputa por mata virgem a ser desmatada e vendida por eles?O índio é um impecílio [sic] histórico a estes sertanistas fascínoras [sic] que destróem a maior riqueza do Brasil. Vivemos isso há mais de quinhentos anos e o Estado inoperante e conivente assiste como se fora algo banal. Até quando? Será que vai ficar impune?
1 comentário
Que história terrível, meu Deus! De todos os agravantes desta monstruosidade, o fato de tratar-se de uma criança, cuja vida fora atropelada por verdadeiros alienígenas em seu território é o que mais me aterroriza. Imaginem vocês, depararem-se com um ser com quem nunca ou muito pouco tivera contato e ser trucidado sem sequer esperar por algum ato desta natureza. A inocência infinita desta pessoa não só me comove e me desconcerta. É algo mais. É a possibilidade de um sofrimento pelo qual possivelmente ela passou e que nenhum de nós, inseridos neste inferno que é a sociedade em que vivemos, anestesiados pela banalização e acostumados com a postura defensiva, podemos mensurar. A ausência total de defesa diante do inesperado, do inusitado. Talvez, a incapacidade de encontrar em suas referências algum conceito capaz de definir aquelas pessoas ou a atitude delas. Um nível a mais no grau de perversidade a que nós, brasileiros, podemos chegar. Eu mesmo não encontro a palavra certa. Quanto à inoperância do Estado e das instituições, bem como a omissão da grande mídia em relação a tudo isto que foi dito na matéria acima, são posturas previsíveis. Mas, nem por isso, mesmo com a impotência gerada pela omissão e truculência, pode-se ficar parado. Já vi que reclamar na mídia alternativa, na prática não vai além de aumentar o exército de indignados. O que não é pouco, obviamente. Parabenizo este espaço por isso. Mas, não resolve. Organizar-se, cobrar, nada disso parece superar a omissão, o escapismo e o cinismo de quem deveria incomodar-se. São estratégias de outros tempos, melhores e mais idealistas. Talvez o calcanhar de aquiles deste sistema maldito seja exatamente isto: a soberba, a certeza de que não haverá resistência eficaz. Gulosos morrem entupidos, sovinas morrem de fome, soberbos morrem também! Pelo excesso de confiança. Uma confiança na submissão, um desleixo causado pela impressão de que patrimonializaram a malandragem e criaram um discurso inibidor da reação perfeito. O passado ensina: Roma caiu por traição dos descontentes. Quem manda botar os latros pra defender a fronteira? Tá chegando a hora de romper com o pudor do discurso pela ordem, pela ética e pela retidão. Tudo isso é importante, sim. Mas, a favor do coletivo que nos protege e conforta. E não dá pra ser certinho com gente safada que espera o melhor de nós sem devolver na mesma moeda. Tá chegando o momento das escolhas. Não teremos nossa primavera, como os árabes. Não é nosso feitio. Somos bárbaros, tribais, amantes, afetivos, malandros e traíras. Somos latros em algum nível. Basta usar isto a favor de nossa indignação. E sem medo de baixar ao nível deles. Isso é impossível, podem crer!