O anúncio da candidatura de Manuel de Araújo para as eleições intercalares do passado 7 de Dezembro [en] em Quelimane, Moçambique, foi objecto de um leque variado de opiniões. Depois da renúncia dos presidentes dos municípios de Cumba, Pemba e Quelimane ninguém esperava que um ex-membro da Renamo, partido histórico da oposição, e um académico de créditos firmados fosse “lutar” por dois anos de mandato.
A primeira reacção foi lavrada pelo historiador e analista político Egídio Guilherme Vaz Raposo:
Manuel de Araújo é de facto um novo penteado na política Moçambicana. Activista nato, político e académico com créditos firmados, surpreendeu-me e acredito a outros também, ao ter anunciado a sua candidatura pelo MDM [Movimento Democrático de Moçambique, partido formado em 2009, a partir de um ramo da Renamo]. A novidade em mim não é necessariamente da sua candidatura e sim do partido com o qual alinha.
A minha opinião sobre o MDM é publicamente conhecida. Pela forma como conheço o Manuel, dificilmente pensei que pudesse um dia aliar-se ao MDM seja para que missão fosse. Isso, prova mais uma vez que (1) em política vale tudo; (2) nós conhecemos muito pouco os nossos amigos e (3) motivos conjunturais devem ter “empurrado” Manuel Araujo a candidatar-se ao município, avaliadas as condições e possibilidades para a vitória…
E justifica:
Manuel Araújo é muito grande e importante para uma eleição intercalar, com um mandatinho de dois anos e meio, a avaliar pelo seu plano ambicioso de devolver à dignidade, os quelimanenses que tanto ama. Neste contexto, julgo os seus cálculos enviesados pela pressa e análise imprudente do ambiente político. Na verdade, quem ganha com essa candidatura é o MDM, que usa a imagem do Manuel Araújo para testar a sua popularidade em Quelimane. Assim, as possibilidades de ele maximizar o seu capital político individual – que é enorme, diga-se, serão muito limitadas na medida em que dependerá muito do MDM.
Egídio defendeu no seu texto que uma candidatura independente reuniria mais apoio, mas fez saber que o facto de Araújo aliar-se ao MDM não era, de todo, inocente:
Porém, a sua decisão não é tão inocente quanto parece, do meu ponto de vista. É que concorrer como independente implica muitos recursos financeiros, humanos, etc, coisas que, a avaliar pela “urgência”, seriam difíceis de mobilizar em tão pouco tempo. Pelos meus cálculos, ele precisaria mais ou menos de US$ 3000 000, 00 (três milhões de dólares) para organizar uma campanha de 15 dias; e um movimento cívico suficientemente vibrante que num espaço muito reduzido de tempo, nascer e consolidar-se muito antes da data. Assim, concorrer pelo MDM conferiu a ele o acesso à toda infraestrutura já montada para o efeito…
Depois do debate gerado no Facebook , que teve 111 comentários, o assunto foi parar aos blogues.
No blogue Moçambique para todos o debate foi aceso. Na caixa de comentários Amisse Américo Jamal escreveu:
Egídio Vaz fez um vaticínio enviesado, obviamente propositado. Calculo surreal e estranho; também inoportuno. Ao agir assim e confunde-se com inimigo de gente esquecida do “banquete” mas recordada na “lavoura” cujo celeiro foi transferido para auspícios dos Egídios no clube vermelho, expropriado pelas barriguinhas da descendência vátua, tribalista…
O debate depois passou para assuntos diferentes dos que eventualmente terão levado Araújo a candidatar-se:
Ninguém mais vai entrar nestas eleições intercalares além de Frelimo e MDM. Porquê?
Porque já ninguém acredita na Comissão Nacional de Eleições e respectivas Comissões Provinciais e Distritais de Eleições. Ninguém acredita no STAE, Serviço Técnico da Administração Eleitoral.
Estes são órgãos especializados para realizarem as eleições, mas completamente viciados para sempre dar a vitória à Frelimo ou a quem a Frelimo quiser que vença…
O processo eleitoral, em Quelimane, teve como tónica dominante o desequilíbrio de forças entre as duas formações políticas que suportavam Manuel de Araújo e Abubacar Bico, o candidato da Frelimo.
O sociólogo Carlos Serra constatou que Quelimane, como Araújo previu, passou a ser a capital política do país:
A velha cidade de Quelimane parece ter-se tornado na placa giratória das eleições locais, mesmo ao nível da internet. Por ela têm passado figuras séniores da Frelimo, mas também do Estado, numa frente estratégica enorme para fazer face a Manuel de Araújo do MDM, com a sua corte de jovens a pé e em táxis-bicicletas. É uma autêntica luta entre duas concepções de mobilização: a do desfile motorizado/comício e a da porta-a-porta pedestre e bicicleteira…
Nunca um processo eleitoral foi seguido na Internet como o de Quelimane. Os assessores de Lourenço Abubacar [candidato pela Frelimo, partido no poder] criaram um conta no Facebook para fazer face à popularidade de Manuel de Araújo que tinha como apoiantes líderes de opinião nas redes sociais como Edgar Barroso, Palmeirim Chongo.
O primeiro, como o Global Voices reportou [en], escreveu uma carta ao povo de Quelimane e o segundo foi um autêntico repórter ao serviço da mudança e da cidadania.
Palmeirim andou pelas mesas a contabilizar os votos. Recebeu ameaças, mas nunca desistiu. Foi através da sua conta de Facebook que muitas pessoas fora de Quelimane ficaram informadas:
Hoje por duas vezes fui “aconselhado” pela policia a estar longe dos postos de votacao, primeiro no benfica e depois namuinho, tenho 2 criancas para cuidar…vou acatar o conselho…estou a trabalhar com fontes alternativas
No final do processo, Palmeirim anunciou a vitória de Araújo e reportou a festa. Edgar Barroso também manifestou o seu contentamento e escreveu no seu Facebook:
Bom dia! Viram as imagens passando na TVM, mostrando o povo de Quelimane a proclamar e a festejar efusivamente a sua vitória nas eleiçoes intercalares de ontem?
É só o início. Deus que nos dê inteligência, saúde e determinação para PROSSEGUIR COM A LUTA DE LIBERTAÇÃO DE MOÇAMBIQUE! Sem armas nem pedras ou paus, apenas votando e protegendo o voto. Chega de dormir.