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Brasil: Desocupação Fortalece Movimento Estudantil Contra Militarização da USP

Categorias: América Latina, Brasil, Educação, Juventude, Liberdade de Expressão, Mídia Cidadã, Protesto
[1]

Assembléia dos estudantes em 08/11, foto de Stefano Biagioni Wrobleski , no Facebook

Na manhã do dia 8 de novembro, a Polícia Militar (PM) desocupou à força o prédio da Reitoria da Universidade de São Paulo (USP), que tinha sido tomado por cerca de 70 estudantes desde o dia 27 de outubro, quando três estudantes foram presos por estarem fumando maconha nas imediações do prédio da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), conforme reportado [2] pelo Global Voices. A ação envolveu [3] cerca de 400 policiais da Tropa de Choque da PM, guarnições do Grupo de Operações Especiais (GOE) e a Cavalaria da PM.

A jornalista Shayene Metri, do Jornal do Campus, da USP, fez a cobertura [4]:

Muitos PMs chegaram, saindo de carros, motos, ônibus, caminhões. Apareceram helicópteros e cavalaria. Nem eu e, acredito, nem a maior parte dos presentes já tinham visto tanto policial em ação.
[…]
Os estudantes que enfrentavam de verdade os policiais que faziam a ‘corrente’ em torno da Reitoria eram levados para dentro. Em questões de segundos, um estudante sumia da minha frente e era levado pra dentro do cerco.

http://youtu.be/zP3iKI9uiWs [5]

O usuário do Youtube ArmasMenosLetais [6] dispnibilizou esse vídeo e outros mais.

Os 70 estudantes foram levados à 91a. delegacia da Polícia Civil de São Paulo para prestar depoimentos sobre a ocupação da reitoria da USP, e apenas liberados depois de pagar fiança (esta paga por um sindicato de trabalhadores da USP), informou [7] o jornalista Paulo Moreira Leite, e acrescentou:

Lá fora, muitos estudantes diziam — com convicção — que seu movimento expressa a alvorada de um levante popular, exemplo do que acontece com a insurreição estudantil no Chile, a revolta dos indignados na Espanha, a ocupação de Wall Street e tudo mais. Na sala com os delegados, ouvia-se argumentos típicos da polícia política do regime miltar.

Legitimidade do Movimento Estudantil

[3]

Batalhão de Choque da PM, com policiais sem identificação, reunido em frente à reitoria. Foto do Coletivo Passa Palavra, Copyleft

Num comunicado lançado após a desocupação, os estudantes da USP esclarecem [8] que “o incidente do dia 27/10/11, quando 3 alunos foram pegos portando maconha, não foi o ponto de partida das reivindicações estudantis. Aquele foi o estopim para insatisfações já existentes” com o modelo de segurança da USP e a falta de transparência da Reitoria. Mais sobre as reivindicações e protestos contra a presença da PM na USP pode ser lido no blog do jornalista Leonardo Sakamoto, que entrevistou [9] diretores do Directório Central de Estudantes da USP.

Os estudantes se tem organizado em assembleias, e no dia 7 de novembro eram cerca de mil que deliberavam sobre a continudade da ação ou uma mudança de tática. Apesar do voto pela desocupação ter vencido por estreita margem, alguns estudantes mais radicais resolveram manter a ocupação. Sabendo que a ocupação era considerada ilegal pela justiça, os estudantes em peso se recusavam aceitar uma intervenção policial violenta.

O blogueiro Eduardo Guimarães comenta [10]que não importa os métodos ou a legitimidade da ocupação:

Não dá para criticar os estudantes da USP. Pouco importa se o método que escolheram para protestar contra o aumento do efetivo da PM no campus foi equivocado. Quando o governo monta uma operação de guerra com um contingente policial desse tamanho enquanto a cidade pena nas mãos dos bandidos, tudo mais perde o sentido.

Universidade sob militarização

[11]

Cartoon by Carlos Latuff. Under CC>.

A presença da PM no campus resulta de um “convênio da USP com a PM, firmado após o assassinato [12] em maio do jovem Felipe Ramos de Paiva”, explica [13] Daniel Lopes, editor do blog Amálgama,  indicando que isso “fez com que a criminalidade no local caísse drasticamente [14]“. No entanto, os estudantes vem denunciando esta presença, que consideram uma provocação por parte do contestado reitor, João Grandino Rodas, considerado ilegítimo por não ter sido eleito [15], e sim indicado pelo então governador, José Serra. Para o jornalista Guilherme Scalzili com os últimos acontecimentos [16] “o modelo de gestão universitária [17]imposto pelo governo estadual perdeu os últimos resquícios de legitimidade”.

O cartunista Carlos Latuff explica [18]:

Dado o histórico autoritário do atual reitor da USP, não é dificil perceber que o real interesse de Rodas está longe de ser a segurança no campus e sim a instalação de um aparato de repressão para não só impor as políticas do governador Geraldo Alckmin, como também reprimir movimentos sociais, nesse caso em particular, a organização de estudantes, professores e funcionários da universidade.

O estudante e ativista Hugo Albuquerque critica [19]:

Quando falamos em militarização do campus, não estamos, de modo algum, exagerando. O que ocorre é o  contrário: estamos normalmente esquecidos que, embora o Brasil tenha se tornado uma democracia à moda ocidental – com todas as suas boas-intenções e bom-mocismos -, ainda temos como principal força de segurança policial um corpo militar com poder sobre a população civil em tempos de paz. Pior do que isso, só mesmo a decisão política de colocar tal força para dentro de uma instituição de ensino – ou, quem sabe, fazer isso e esperar que não ocorra nenhum incidente.

Estudantes, como Yacov Fidélis, em texto publicado [20] pela blogueira Conceição Oliveira, reclamaram da demonização de suas ações feita pela mídia e da reação de parte da sociedade, que:

passou a vender a imagem de que os estudantes rebeldes estavam dispostos a quebrar tudo e deixar a vida de seus colegas à mercê de bandidos só para poderem fumar maconha em paz.

O professor e blogueiro Chico Bicudo foi mais fundo, selecionando [21] uma série de frases contra estudantes que ouviu e criticando o uso de “adjetivos” e frases feitas contra os estudantes:

(…) os estudantes da USP são “maconheiros e mimados”. O adjetivo é o argumento de quem não tem argumentos. Reduz o mundo complexo a uma marca – repetida exaustivamente, transforma-se em rótulo, que não desgruda mais. Funciona para desqualificar, para agredir, para achincalhar, para impor falsas verdades. Jamais para debater. Porque, para tanto, é preciso estar disposto a ouvir, a descobrir, a mergulhar, a pensar – e não só a reproduzir qualidades ou defeitos colhidos aos quatro cantos.

[15]

Cartum de Carlos Latuff. Licença Creative commons.

E o jornalista Marcelo Rubens Paiva finaliza [22]:

Venceram a generalização, o debate político raso e o Estado maniqueísta.

Perderam a dialética e os movimentos sociais.

Perdeu a DEMOCRACIA [o diálogo].

Sim, a violência urbana pede a PM no campus universitário. A maioria estudantil, idem.

Mas não esta PM mal treinada, viciada em extorsão a maconheiros, pragmática.

Após todos este eventos, os estudantes da USP, reunidos em assembléia, resolveram convocar uma greve [23], que pode ser seguida por professores e funcionários da instituição. Estudantes e funcionários da UNICAMP  demonstraram [24] sua solidariedade ao movimento, assim como os estudantes [25] da UNESP e greves estudantis ameaçam se espalhar por outras universidades de São Paulo.