- Global Voices em Português - https://pt.globalvoices.org -

Brasil: Polícia Reprime Estudantes na Universidade de São Paulo

Categorias: América Latina, Brasil, Juventude, Lei, Mídia Cidadã, Protesto

A polícia militar empreendeu uma operação de choque na Universidade de São Paulo (USP) após abordar três estudantes que fumavam maconha na noite desta quinta-feira (27/10/2011), na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH). Dezenas de viaturas policiais cercaram um dos prédios da instituição pública de ensino, onde centenas de pessoas protestavam contra a prisão dos alunos pegos em flagrante consumindo a droga, considerada ilegal [1] no país.

De acordo com o tenente Luiz Henrique Salles, os alunos não permitiram a condução dos três indivíduos ao distrito policial, onde seria registrada a ocorrência. A diretora da faculdade, Profa. Sandra Nitrini, tentou mediar a situação, propondo acompanhar os estudantes à delegacia, mas foi repreendida pelos manifestantes, que temiam medidas administrativas contra os alunos envolvidos com a posse de droga.

Alunos da USP solicitam a saída da polícia militar do campus. Foto do autor [2]

Alunos da USP solicitam a saída da polícia militar do campus. Foto do autor

Mais segurança, menos repressão

A atuação da polícia no campus da universidade pública, que envolveu o uso de bombas [3] de efeito moral e cassetetes, divide a comunidade acadêmica. Poucas horas após o início da confusão na FFLCH, muitas pessoas se manifestavam contra e a favor da ação policial na USP.

No Twitter, o internauta Samuel Gerez (@samuelgerez) apoiou [4] a atuação da polícia militar (PM):

Hj a PM esta na historia usp. 15 viaturas e 8 motos. Querem prender maconheiros. Eu acho certo.

A estudante de jornalismo Andrea Wirkus (@andrea_wk) preferiu questionar [5] a segurança pública oferecida pela polícia militar na universidade, intensificada após o assassinato do estudante Felipe Ramos de Paiva, de 24 anos, no estacionamento de uma das faculdades da USP, em maio de 2011.

Não que eu seja contra ou a favor da PM na USP, mas os policiais perdem mais tempo revistando alunos do que protegendo…

O aumento da violência no interior do campus da USP, localizado no bairro do Butantã, preocupa a comunidade acadêmica, mas não é um fato isolado. Antes da morte de Felipe, a polícia militar tinha uma atuação limitada no campus, especialmente por conta da resistência por parte de muitos alunos, professores e funcionários, que temem justamente a repressão que acaba de ocorrer.

O diretor da Faculdade de Geografia da USP, Prof. André Martin, é um dos docentes que não acredita na eficácia da polícia para oferecer segurança no interior da universidade. Martin diz que “a polícia militar não está compreendendo a natureza do protocolo” estabelecido com a USP:

O meu ponto de vista é a tragédia anunciada, porque, a partir do momento que se decidiu isso [presença da polícia no campus], esse episódio já estava previsto, porque a polícia militar vai imaginar que deve ter um comportamento, na cidade universitária, idêntico ao que tem na cidade como um todo.

Há um protocolo que coloca a polícia militar no campus para proteger a comunidade universitária contra assaltos, contra crimes. Segundo esse protocolo, não está prevista a abordagem para a repressão à droga. Este é o ponto do tumulto. Os policiais alegam que, no caso de flagrado o uso de entorpecentes, eles não podem se omitir, porque isso seria crime de prevaricação.

No Twitter, o professor, sociólogo e jornalista Laurindo Leal (@Lalolealfilho) questiona [6] a atuação da polícia na USP, referindo-se à repressão policial no caso do flagrante do consumo de maconha para denunciar a suposta intenção da presença da PM no campus.

Alguém tinha dúvida de que a volta da PM ao campus da USP era para reprimir estudantes? Anotem: os próximos serão funcionários e professores

Muitos professores participaram ao lado dos alunos na manifestação contra a atuação da polícia no caso do flagrante do consumo de maconha. A Profa. Marlene Suano, do Departamento de História, foi uma das docentes que procuravam acalmar policiais e estudantes no meio do empurra-empurra. Acabou agredida por um policial, que reagiu a uma provocação de um aluno.

O aluno estava agredindo o policial, que levantou o cassetete para se defender e eu me coloquei na frente. Ele (o aluno) queria sangue. O que fazer com um policial desses?

A presença ostensiva da polícia militar na USP faz lembrar os anos de chumbo, época em que o Brasil sofreu um golpe militar [7] restringindo o exercício da cidadania e reprimindo com violência todos os movimentos de oposição, inclusive os que ocorriam nas universidades. Devido também a esse motivo, a atuação militar no campus encontra forte oposição de parte da comunidade acadêmica, como ilustra o cientista social Stênio Soares no blog Cálice [8]:

Se por um lado ainda temos fresca a memória da atuação dos militares nas universidades brasileiras durante o regime autoritário (1964-1985), temos um presente pleno de desigualdade socio-econômica. Alguém poderia me citar qual a atuação da excelentíssima Universidade de São Paulo diante desse problema? Não vale falar qual é o compromisso, afinal sabemos bem. Mas quais são as relações que a USP estabelece, por exemplo, com as comunidades pobres que lhe margeia? Não poupem as repostas, vamos tocar direto na ferida. Se a criminalidade associada a má distribuição de renda chega ao berço da classe média paulistana, também temos uma quantidade relativa de estudantes que lutam pela liberdade de comportamento e questionamento (afinal, são acadêmicos que ali frequentam). Se a universidade prioriza soluções racionais para resolver seus problemas, porque a necessidade de buscar uma força autoritária, cuja educação profissional e histórica está atrelada à violência e à opressão?

A academia é o espaço do diálogo e da construção do conhecimento, princípios que não combinam em nada com a ideia de segurança pública baseada no uso exclusivo da força, que tem orientado as ações policiais dentro e fora da universidade.

No meio do tumulto entre alunos e policiais, a Profa. Ana Fani, da Geografia, fez um pedido, que, na verdade, deveria ser o motivo da presença de todos naquele espaço acadêmico.  “Eu estou pedindo para que a polícia se retire e nos deixe continuar a nossa atividade de trabalho, levar os alunos lá para dentro para que possamos continuar as nossas tarefas, de forma calma e tranquila. Não aconteceu nada trágico, não tem nenhum terrorista aqui, nós só queremos ter aula”.

Este artigo foi escrito com a colaboração de Amanda Previdelli [9].