Os últimos meses reviveram o tema da emigração, que parece estar sempre presente no ciberespaço russo. Em blogs, várias postagens vigorosas, escritas por pessoas de diferentes grupos sociais, tornaram-se uma plataforma para expressar visões sobre o presente e o futuro do país e o lugar das pessoas nele.
A questão da massiva emigração russa tem mais de um século de idade. No passado, várias ondas de emigração [en] privaram o país de milhões de trabalhadores qualificados, cientistas e escritores. A emigração nunca parou desde então. Mesmo com a melhora da situação econômica nos últimos anos, um bom número de russos ainda sonha em deixar o país.
O jornal Novaya Gazeta informou [ru] que, numa pesquisa recente, 22% dos adultos (principalmente executivos e estudantes) expressaram seu desejo em deixar a Rússia permanentemente. O periódico também cita um “número oficial” de 1,3 milhão de cientistas e engenheiros que deixaram o país nos “últimos anos”.
“A Rússia é o mau”
“A Rússia é o mau em sua forma mais pura e acabada”, começa o post do conhecido escritor e agora emigrante Yuri Nesterenko, que conseguiu asilo político nos Estados Unidos. Escrito no final de 2010, o artigo famoso [ru] de Nesterenko, chamado “Êxodo”, atingiu o coração de muitos blogueiros russos.
Tendo rapidamente se tornado uma leitura obrigatória para facções pró e contra emigração, o post de Nesterenko é o grito de frustração de alguém que tentou viver na Rússia, mas nunca pôde suportar sua realidade.
Nesterenko dá importância significativa à mentalidade russa e argumenta que ela impediu, impede e impedirá o país de se tornar próspero.
Nesterenko critica seus conterrâneos por historicamente terem produzido governantes corruptos: “Eles não vieram de Marte”, escreveu ele, chamando de “incorrigíveis” a Rússia e sua população. Ele dispensou quaisquer argumentos apoiando o patriotismo russo e convocou para uma emigração em massa:
Россия – это не то, ЧТО следует спасать, а то, ОТ ЧЕГО следует спасать. Спасать всех, кого можно спасти, начиная с самих себя. Таким образом, эмиграция является единственным разумным выходом. Хватит уже гробить свои жизни на то, чтобы стать удобрением для российской грязи, на которой все равно не вырастет ничего, кроме чертополоха.
Para sustentar seus argumentos de que nunca acontecerá nada bom à Rússia, Nesterenko escreveu sobre a indiferença dos russos diante da relativa liberdade que o país desfruta atualmente:
Доступ к интернету имеет не менее трети россиян […]. И как они этот доступ используют? Заполняют политизированные форумы своей ненавистью к Западу, Грузии, Украине, “демшизе”, ну и “жидам”, само собой […], ностальгией по Совку и славословиями Сталину. Западные радиостанции никто не глушит – но кто их слушает? Ведь по ним вещают “враги, которые всегда против России”[…].
“Só sei uma coisa”, Nesterenko conclui, “não vou voltar à Rússia. E estou feliz que agora pra mim não é nem ‘nosso país’ […], nem mesmo ‘esse país’. Agora e sempre é ‘aquele país’.”
Razões para emigrar
A blogueira Viktoria se descreve como “uma jovem de 25 anos que quer deixar esse país”. Ela escreveu o post Nove razões por que estou deixando a Rússia [ru], que recebeu 9 mil “curti” no Facebook, 8 mil leituras na rede social mais popular da Rússia, a Vkontakte.ru, 1.400 retuítes no Twitter e mais de 2 mil comentários.
Como o título promete, Victoria esboça as coisas que a fizeram deixar a Rússia: pouca segurança, sistema de saúde medíocre, educação fraca, falta de profissionalismo, altos preços de imóveis, corrupção disseminada, baixa qualidade de produtos manufaturados no país, desrespeito dos direitos e liberdades das pessoas e – o fator mais importante para Victoria – a mentalidade de “desrespeito pela outra pessoa e intolerância beirando o fascismo”.
Представьте себе на секунду, что вот так случилось и всё правительство, все чиновники трагически погибли в один день. Что будет через неделю, через месяц? Будут те же самые рожи и на тех же самых местах. Почему? Потому что люди не меняются, потому что по каким-то не вполне понятным мне причинам у нас такие люди.
“Você pode dizer que eu preciso lutar pela minha felicidade, lutar pelo meu futuro brilhante”, escreveu Victoria. “Desculpem, amigos, eu não sou uma guerreira, eu sou uma tímida administradora de sistema. Eu não quero um futuro brilhante, eu quero um presente estável”.
Você não deve ir embora
Durante a onda de discussões na Internet russa, o blogueiro armyan-capitan escreveu um post cético [ru] sobre por que muitas pessoas nunca deveriam emigrar. A principal razão, escreve armyan-capitain, é a mentalidade:
Не смешите. Ваши дедушки по 10 лет ждали, когда их арестовывать придут и не дернулись уехать даже в соседний город. А когда их везли на Колыму, ждали амнистию и собирали шелуху у лагерной помойки. И это не «быдло», офицеры, чиновники, интеллегенция… Быдлом стали их внуки. Жирные менты, офисная шваль, путинская гвардия спиногрызов. Никуда вы не уедете. И не потому что у вас денежек нету.
O blogueiro continua com outras duas razões por que as pessoas que querem emigrar nunca farão: dificuldades em obter o estatuto de emigrante e inabilidade em se adaptar a novas culturas:
Вам не выжить там, где правит закон, а не ваше любимое БАБЛО. Вам это не понять. Уже на генетическом уровне. Вам не выжить с вашей вселенской злостью среди нормальных людей. Они вас не поймут и не примут. Вы это почувствуете сразу, как приедете жить, а не в отель пожрать включенного халявного пива.
A enorme popularidade dessas postagens na internet russa mostra como muitas pessoas não conseguem ficar indiferentes diante do assunto. É também um bom indicador de quantos internautas estão insatisfeitos com a situação atual na Rússia.
Um popular serviço de pesquisa, o Levada-Center, informou [ru] que cada vez menos russos acham que seu país está indo na direção certa. O número de cidadãos que aprova o trabalho do governo tem também caído constantemente.
A mentalidade pode ser um alvo fácil a culpar por muitos problemas no país, e a emigração pode parecer uma solução rápida para muitos jovens. Mas admitir “problemas de mentalidade” para a realidade russa pode ser também um pequeno passo para mudar os séculos de obediência silenciosa em face de reis opressores e governos corruptos.