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Rússia: Antevendo a Utopia da “Democracia em Nuvem”

Categorias: Europa Oriental e Central, Rússia, Ativismo Digital, Governança, Ideias, Lei, Mídia Cidadã, Política, Tecnologia, RuNet Echo

Cloud Democracy [1] [ru] é o título do novo livro escrito por Leonid Volkov [2] [ru] e Fyodor Krasheninnikov [3] [ru], dois blogueiros políticos da região russa dos Urais. Cloud Democracy [Democracia em Nuvem, em inglês]  volta-se para um amplo contingente de leitores “que, apesar de tudo, acreditam em progresso e democracia” e revelam a visão dos autores de como um sistema de governança democrática ‘futura’ pode ser construída com a ajuda de ferramentas disponíveis on-line.

O prefácio do livro afirma [4] [ru]:

We believe, that we witness the new era in the history of mankind – the era of limitless direct communications, which would enable the existence of fair, transparent, and just political system.

Acreditamos ser testemunhas de uma nova era na história da humanidade – a era da comunicação direta e sem limites, que poderia propiciar o nascimento de um sistema político equilibrado, transparente e justo.

O primeiro capítulo discute temas correntes da democracia (e a democracia russa, em particular), o segundo capítulo se ocupa da tecnologia e soluções tecnológicas disponíveis para a ‘cloud democracy.’

A parte mais interessante – na qual os autores propõem a configuração da utopia de governança digital – contém várias ideia-chaves:

Global Voices [5] entrou com contato com um dos autores da Cloud Democracy, Leonid Volkov, e fez algumas perguntas a ele sobre a ideia que motivou o livro.

Leonid Volkov, Ph.D, é um político russo de  30 anos de idade, blogueiro, desenvolvedor e ativista. Desde 2009 Leonid é o representante (independente) da prefeitura de  Yekaterinburg [6]. Com 13 anos de experiência em desenvolvimento de TI (o que resultou no lançamento, em 2010, de uma firma incubadora digital), Volkov combina a visão técnica com a visão política.

Global Voices (GV): Como surgiu a ideia do livro?

Leonid Volkov (LV): Tudo começou com o jogo  virtual eRepublik disponível on-line. Eu e o Fyodor participamos do jogo durante um ano e meio, uns dois anos atrás. Um de nossos amigos havia nos atraído para o jogo. Era um período na Rússia quando um monte de gente estava aderindo ao jogo, e a Rússia havia se tornado uma das forças políticas de liderança – era o momento da “habraboom” [uma referência ao “efeito habra,” um análogo russo ao efeito digg, quando alguém posta um link na popular comunidade TI  habrahabr.ru].  A Rússia havia reivindicado os Urais da e-Hungria, uma guerra bem sucedida com os e-EUA começava…

A razão para o sucesso do jogo é óbvia: com a ausência de política real as pessoas se voltavam para qualquer canal de escape que conseguiam encontrar. E a vida era muito ativa neste jogo, também; Fyodor publicava um jornal bastante popular enquanto que eu era um jogador constante, um fazendeiro e um soldado, e não estava, na verdade, envolvido na vida política. Mas eu estava muito interessado na observação dos processos sócio-políticos na realidade virtual.

Sendo assim, nos lembramos do eRepublic (o qual abandonamos logo depois) claramente quando iniciamos a elaboração de nosso livro – tínhamos a certeza que se descrevêssemos o modelo da e-Democracia (e então implementássemos este modelo) – as pessoas iriam usá-lo. Não me lembro muito bem quando, exatamente, a ideia do livro apareceu, foi algo por volta do outono de  2010, logo após nossa campanha mal sucedida contra a retirada das eleições diretas do prefeito de Yekaterinburg. Aí então finalmente entendemos que todas as janelas possíveis de oportunidade na política real estavam fechadas.

GV: No debate sobre o papel da internet para a mudança social, de que lado você se sente mais próximo – do “ciberpessimista” ou do “ciberotimista”?

LV: Nenhum dos dois. Somos ciberrealistas. Internet – é, antes de tudo, um meio.

GV: No final de 2010, Alexey Chadaev, tecnólogo político do partido “Rússia Unida” propôs [7]uma “Democracia direta pela Internet [7].” Qual a diferença entre o seu projeto e a proposta de Chadaev?

LV: “Democracia direta pela Internet”  é algo sobre o qual não temos interesse em discutir. Isto é o extremo. O que propomos é um modelo de trabalho real, no qual a voz de todos pode ser levada a sério.

GV: As pessoas cada vez mais pensam em termos tecnológicos. “Gostar” de um político, votar on-line. Já testemunhamos algo semelhante  no Perm [8]. É uma tendência nacional? Ou é uma tendência somente da região dos Urais? Ou é a maneira de pensar dos especialistas em TI?

LV: Tudo é muito simples – as pessoas que trabalham com TI e que estão interessadas em política gostam de aplicar tecnologia à política. Gostam de pensar como seria a mescla de política com tecnologia. Percebemos que a política contemporânea está engasgada com as tecnologias do século  XVIII: todos estes boletins em papel, urnas de votação, cartas burocráticas, etc. Tudo isto está ultrapassado. E não vemos uma razão válida, a não ser algumas tradições estranhas, de não introduzir novos métodos neste processo. Não há nada especificamente regional. Talvez seja uma questão de mais liberdade de pensamento aqui. Mas, mais importante, é a forma TI de pensar.

GV: Você menciona  DalSlovo.ru [um portal de subcontratação voluntária – crowdsourcing, em inglês – feito para seguir as promessas dos políticos e monitorar se elas são cumpridas]. É projeto seu? Se a resposta for positiva, você poderia nos contar algumas histórias de sucesso deste projeto?

LV: Sou um dos criadores do projeto e seu investidor. O sucesso do DalSlovo.ru está na sua própria existência. Em vista do fato de que não há publicidade associada a ele, ou qualquer promoção especial, o projeto cresce e a base de dados com as promessas dos políticos cresce com ele. Esperamos poder criar um projeto ao qual as pessoas darão ouvidos.

GV: Muitos projetos crowdsourcing foram lançados ultimamente. Eles exercem uma influência ou simplesmente surgem e não tem qualquer impacto sobre a sociedade?

LV: Até o momento, a massa crítica não foi atingida [por tais projetos], mas logo os projetos crowdsourcing serão muito mais influentes. A presença de tais projetos (e as histórias de sucesso atreladas a eles) faz as pessoas acreditarem que podem mudar alguma coisa. E isto envolve as pessoas em ativismo. E não há caminho de volta (ou quase não há) para ativismo social.

GV: No sistema que você descreve no livro, todos os mecanismos internos e as regras são cuidadosamente elaboradas. Mas a quem compete controlar os criadores de tal sistema?

LV: Em primeiro lugar, o código do sistema será aberto – e isto é muito importante em termos de controle. Em segundo lugar, a arquitetura do sistema será flexível, estará em constante mudança. O sistema irá fornecer aos usuários a capacidade de optar por mudança das configurações padrão.

GV: Você tem planos de traduzir o livro para o inglês?

LV: Sim.

Thumbnail image ‘King Cloud’ by Flickr user akakumo [9] (CC BY-SA 2.0).