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Brasil: Orgulho Hétero ou Intolerância Homo?

Categorias: América Latina, Brasil, Direitos Humanos, Direitos LGBT, Lei, Liberdade de Expressão, Política

No dia  2 de agosto de 2011, a Assembléia Municipal de São Paulo instituiu o Dia do Orgulho Heterossexual, a ser comemorado anualmente no terceiro domingo de dezembro. O projeto, proposto pelo vereador evangélico e opositor dos direitos dos homossexuais [1] Carlos Apolinário do partido Democratas (DEM [2]), foi aprovado numa votação simbólica que presupõe aprovação automática independentemente do resultado, que no caso contou com 20 vereadores votando contra e 19 a favor.

Cartum de Carlos Latuff, com licença de uso livre [3]

Cartum de Carlos Latuff, com licença de uso livre

Momentos depois da divulgação da aprovação, revolta e ultraje tomaram conta da blogosfera e twittersfera. Gays e héteros se mostraram revoltados com a instituição de um dia que, para muitos, significa o reforço da crescente homofobia que assola o país [4].

Defesa dos direitos ou manifestação de intolerância?

De acordo com a compreensão de muitos, não faz sentido em se dedicar um dia para um grupo social majoritário que jamais sofreu qualquer tipo de preconceito. O professor Tulio Vianna considera [5]:

Quando os homossexuais fazem sua “parada do orgulho gay”, eles manifestam-se por respeito à sua orientação sexual. Quando os heterossexuais fazem uma “parada do orgulho hetero” eles manifestam sua intolerância por orientações sexuais diversas.

Na mesma linha, a ativista Juliana Freitas questiona [6] a necessidade da “afirmação hetero”, e chama ao dia de “Orgulho Hétero” o “Dia da Vergonha”, levando em conta que não há casos de violência contra heterossexuais praticadas  por desacordo com sua sexualidade. A professora e ativista feminista Lola Aronovich reflete [7] sobre esse conceito:

Pense nos privilégios que um hétero tem. Quando você sentiu vergonha de ser hétero? […] Quando você foi discriminado por ser hétero? […] ter orgulho de ser hétero é querer celebrar a sorte que você tem simplesmente por ter nascido hétero. […] Ninguém vai te expulsar do recinto, ninguém vai te bater ou matar, ninguém vai querer te transformar, ninguém vai dizer que se envergonha de ser seu pai/mãe, ninguém vai pensar que sua orientação sexual é depravada ou relacioná-la à pedofilia, ninguém vai te despedir do emprego por causa da sua heterossexualidade, ninguém vai dizer que o que você faz é pecado e que você vai arder no inferno por conta disso.

O ativista João Pedro considera que iniciativas como o dia do Orgulho Hétero “só reforçam e estimulam ataques homofóbicos, que causam agressões e mortes à milhares de Gays, Lésbicas, Travestis e Transsexuais” e aponta [8]:

A cada 2 dias morrem 3 homossexuais, simplesmente por serem gays no Brasil. Nenhum heterossexual perde sua vida ou é agredido moral ou fisicamente simplesmente por terem essa opção sexual.

[9]

Cartum feito pela jornalista Rosana Hermann (@Rosana) e postado no Twitpic

Uma questão de privilégios

A jornalista Liuca Yonaha, no blog O filtro, reproduz [10]a “justificativa” do vereador Apolinário para a proposição de tal lei que, basicamente, se pauta na criminalização do direito a demonstrar afeto em vias públicas e na TV:

Será que os homossexuais entende (sic) como direito à liberdade, (sic) dois bigodudos entrarem em um restaurante e ficarem se beijando sem respeitar os demais clientes daquele estabelecimento?

Eles deveriam ter um comportamento adequado a nossa sociedade e deixar os beijos e afetos para os lugares reservados ou suas casas.

Acontece que os homossexuais não se satisfazem com o anonimato e para chamarem atenção começam a exigir direitos que se quer (sic) os heteros têm; se comportam de forma inadequada e muitas vezes agridem verbalmente aqueles que não concordam com suas idéias e depois querem que a sociedade aceite este comportamento.

Sou casado há 32 anos, nem por isso me acho no direito de ficar beijando excessivamente minha esposa em público para com isso demonstrar o carinho que tenho por ela.

Acusado de homofobia, o vereador Carlos Apolinário se defendeu afirmando [11] ter um cabelereiro e um maquiador gays e que luta apenas contra “privilégios” buscados pelos gays que vão além dos direitos concedidos a todos e todas:

@Apolinario_SP [12]: Câmara SP aprovou meu projeto que cria o Dia do Hétero. Respeito os gays, mas sou contra excessos e privilégios.http://migre.me/5pq8l [13]

No Twitter, alguns usuários, como Shara Maia (@SharaMaia1 [14]) e João Pedro (@joaopedrocrf [15]) apoiaram o projeto, usando a hashtag #diadoorgulhobabaca [16]. A discussão gerada depois de um tweet enviado pela estudante Isabella de Amorim, acabou por levá-la a apagá-lo:

@isabellacbsa [17]: E se é pra ter direitos iguais, deveria SIM existir o dia do orgulho hétero, já que existe o dia do orgulho gay. #diadoorgulhobabaca [16]

Rosangela Basso, do blog Maria da Penha Neles sugere [18] com ironia:

[19]

Imagem de uso livre

Próximos dias de orgulho a serem criados:

- dia do orgulho branco
– dia do orgulho de não ser deficiente físico
– dia do orgulho racista
– dia do orgulho de ser rico
– dia do orgulho de ser homofóbico

No Twitter, o vlogger PC Siqueira (@pecesiqueira [20]), o produtor Otávio Ugá (@otaviouga [21]) e o jornalista Daniel Lélis (@danlelis [22]) usaram também do humor para criticar:

@pecesiqueira [23]: Porque é lógico que nós héteros que ao longo da história sofremos repressão e preconceito precisamos de um dia para afirmar nossa condição.

@otaviouga [24]: @pablovillaca [25] Homossexuais são muito egoístas. Vamos também lutar pela união civil entre heterossexuais do mesmo sexo! Orgulho Hétero.

@dannlelis [26]: Orgulho Hétero aprovado. Agora heterossexuais de SP poderão “enfim” andar de mãos dadas na rua e até beijar em público. Valeu, Apolinário!

No Youtube, um vídeo de izaiaspcjr [27] critica a criação do Dia do Orgulho Hétero:

http://www.youtube.com/user/izaiaspcjr [27]

Para virar lei, o projeto aprovado pelos vereadores deve ser sancionado pelo prefeito, Gilberto Kassab, comenta [28] Conceição Oliveira “[torcendo] para que reste um fio de dignidade em Kassab e ele vete uma data tão absurda como essa”. O vereador do PCdoB Jamil Murad publicou [29] texto em seu blog criticando a aprovação da lei e a homofobia.

O termo “Orgulho Hétero” e a hashtag #diadoorgulhobabaca passaram o dia no topo das trending topics do Brasil, condensando as milhares de críticas à lei. O deputado federal evangélico Eduardo Cunha (PMDB-RJ), conhecido por propor uma lei criminalizando a “heterofobia” [30] e por se opor aos direitos dos homossexuais, anunciou [31] que proporá um dia nacional do orgulho hétero.

Circula uma petição online [32] pedindo o veto do prefeito Kassab à lei aprovada pela Câmara Municipal e o deputado federal Jean Wyllys se mobilizou [33] para convencer o prefeito a vetar a lei.