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Moçambique: Por Trás da Detenção do Rapper Azagaia

Categorias: África Subsaariana, Moçambique, Arte e Cultura, Lei, Liberdade de Expressão, Música, Saúde

“Vocês podem até me matar mas não podem calar a Verdade”

Azagaia in As Mentiras da Verdade [1] [vídeo]

Azagaia, nome de artístico de Edson da Luz, um dos mais brilhantes músicos de hip hop – e o mais polémico [2] [en] – em Moçambique está, desde que enveredou pela intervenção social nas suas músicas, na mira das autoridades. No sábado, 30 de Julho, foi detido pela [3] Polícia de Investigação Criminal (PIC)  por “posse” de umas poucas gramas de soruma – droga cientificamente identificada como cannabis sativa, cuja posse e consumo é considerado ilegal no país [4] [pdf].

Naquela noite Azagaia iria apresentar ao público de Maputo o seu mais recente trabalho, sobre a propalada “geração da viragem [5]” que, segundo o músico, é geração jovem que “representava e representa o centro do tabuleiro deste jogo político que será ganho por quem souber ocupá-lo e explorá-lo. O blog Fobloga anunciou [6]:

A prisão aconteceu algumas horas antes do início do concerto que ele faria no bar Gil Vicente, onde lançaria um novo clipe chamado “A Minha Geração”, contendo, como sempre, duras criticas ao governo. Azagaia é um forte crítico da política e da sociedade moçambicana.

Substâncias ilícitas enquanto álibi

Muitos moçambicanos que acompanharam pelos media a detenção de Azagaia falavam na possibilidade de uma armadilha, ou como dizem os brasileiros, uma “arapuca”, como escrevia [7] no Facebook o docente Yussuf Adam:

se for por posse e uso de canabis sativa tinham que prender uma boa parte dos camponeses moçambicanos e muita gente nas cidades

Um outro facebooker, Sérgio Bila partilhou [8] no seu mural:

Não quero entrar para o debate, nem especular sobre o sucedido com o Azagaia, mas a nossa Lei penaliza tanto o consumo como a posse de “cannabis Indica” (a variedade “sativa” não ocorre em África). Mas achei algo muito interessante no meu velhinho e amigo Dicionário do Estudante [Porto Editora, 1980]: “Soruma, (s. f.) planta africana cuja folha os Negros fumam em vez de tabaco.”

A relação de muitos moçambicanos em relação a suruma é de certa forma resumida pelas palavras [9] de Tony Manna no Facebook:

suruma é a droga do povo desde [há] séculos, e que eu saiba nunca ouvi dizer que aconteceu um acidente de viação, porque o motorista tinha fumado um charro…enquanto que o álcool é consumido duma forma boçaloide, provoca as mais diversas problemáticas, desde a violência de todos os tipos, acidentes, etc, mas é legal!

Alguns meses depois do Departamento de Estado norte-americano haver colocado um dos mais influentes empresários moçambicanos, com fortes ligação ao partido no poder desde 1975, na lista dos mais perigosos barões de droga a nível mundial [10], e quando o assunto já nem nos cafés era abordado na pérola do índico, Azagaia insistia em cantar alto e bom som queo país “funciona a cocaína”. Em “Arrriii” o músico “rapou” sobre as cachimbas e os negócios do tio patinhas sentenciando que se “os grandes” são corruptos, “os pequenos também começam a meter- se” e “fica um Estado corrupto”.

Com estas música que batem de frente contra o poder do dia muitos os moçambicanos tem a percepção que Azagaia corre perigo, no Facebook, Norberto Gravata, escreveu [7] que:

Já era sabido que algum dia ele seria preso ou mesmo morto. Muitos são os consumidores e portadores de drogas e muitos jamais foram presos.

Algemem-se as palavras

Um artigo [11] de Setembro de 2010 republicado no website Buala, indicava que Azagaia “de 26 anos [à data], filho de pai cabo-verdiano e mãe moçambicana… não se limita a denunciar a corrupção das esferas do poder económico e político, mas também as medidas que directamente atingem as condições de vida da população.”

A sua voz tem incomodado o governo que já tentou censurar as suas músicas na Televisão e Rádios Públicas, e mesmo em alguns medias privados com fortes ligações ao partido no poder em Moçambique, e até já foi intimado pela a Procuradoria Geral da República, suspeito de “atentar contra a segurança do Estado [11]” com a música Povo no Poder, onde canta sobre a morte do primeiro Presidente de Moçambique, Samora Machel.

Sobre a apreensão do músico, na @Verdade Online internautas como Muendhane interrogavam-se se “será este o fim da liberdade de expressão? Ou o heroísmo exacerbado por parte da policia?”, onde um outro internauta que preferiu o anonimato escreveu [3]:

Esta para mim, foi uma tentativa frustrada de denegrir a imagem do rapaz, orquestrada por um punhado de gente que se sente atingida pelas letras do músico da maioria (o povo). Estes “polícias” querem mais é se vangloriar perante seus chefes, pois os mesmos são corrompidos por quantias muito abaixo do valor das duas bolinhas de “passa” que Azagaia trazia com sigo para o consumo próprio.

Cartaz de reposição da apresentação do novo álbum de Azagaia [12]

Cartaz de reposição da apresentação do novo álbum de Azagaia

Ivo Faiela comentou: [13]

Mais uma vez podemos ver a COBARDIA deste governo, sabendo que a quantidade de suruma que “ele” tinha era insuficiente para ser preso porquê o mesmo aconteceu? Se foi a PIC que aprendeu e encontrou-lhe com a dita soruma porquê foi a esquadra? Está aí claro que isso foi mais uma deste nosso governo, que diz haver liberdade de expressão enquanto, liberdade tem ele de fazerem e desfazerem sem que alguém possa algo fazer.

Um internauta que não se quis identificar desabafou [14]:

No tempo colonial os poetas Mocambicanos que gritavam liberdade eram banidos, e escondiam-se em pseudónimos. Qual a diferenca entre o que Azagaia esta a ser sujeito e o que Kalungano e outros poetas do periodo de repressao colonial em Mocambique sofreram. Azagaia canta liberdade ensinada a geração de 75, quem o ensinou essa palavra e porque o querem amordaçar?

O docente Andre Dimas rematou [15] no Facebook:

como está difícil pôr algemas nas palavras… algema-se o dono da palavra…

Sem deixar-se intimidar, o músico entretanto foi solto e vai aguardar o decurso do processo criminal em liberdade. Esta quinta-feira, 4 de Agosto, apresenta a partir das 21 horas, no café bar Gil Vicente, localizado na zona baixa da Cidade de Maputo, em reposição o seu mais recente trabalho musical intitulado Aza-leaks.