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Rússia: Blog de Famoso Escritor de Ficção Científica Censurado por ‘Antissemitismo’

Categorias: Europa Oriental e Central, Rússia, Lei, Liberdade de Expressão, Literatura, Mídia Cidadã, Mídia e Jornalismo, Política, Primeira Mão, Tecnologia, RuNet Echo

Após um discurso do Presidente Medvedev sobre o extremismo na Internet russa, os serviços de segurança iniciaram uma campanha contra neo-nazistas online e os declarados nacionalistas russos.

Em 28 de maio de 2011, a campanha contra o extremismo racial e religioso encontrou um inimigo fora do comum – Leonid Kaganov, um dos blogueiros mais antigos da Rússia, poeta e escritor de ficção científica.

Campanha Antiextremismo

Em 23 de maio de 2011, cerca de um mês depois de seu encontro com blogueiros [1] [en] e de uma ambiciosa promessa de “não se meter com a Internet”, o Presidente Medvedev realizou um encontro sobre o tema extremismo. Durante o encontro, o ministro de Assuntos Internos, Rashid Nurgaliev informou [2] [ru] sobre 208 investigações de publicações extremistas online, 54 processos penais contra extremistas online e 47 casos de sites fechados.

Além disso, o Centro Sova relatou cinco casos de processos contra extremistas das regiões russas em maio de 2011. Estes envolviam filmes contra caucasianos do norte na rede social Vkontakte, em Chelyabinsk [3] [ru] e Nizhny Novgorod [4] [ru], filmes neo-nazistas em Tomsk [5] [ru], mensagens de status xenofóbicas em Lipetsk [6] [ru], e cartazes criminosos de ódio em Tula [7] [ru]. A maioria dos extremistas processados foi encontrada na rede social Vkontakte, o que mostra que esta rede é monitorada de perto pela polícia e pelo Gabinete da Promotoria.

Embora a proibição geral contra xenofobia, racismo e crimes de incitação ao ódio seja considerada por muitos governos como uma base legal válida para restringir certos conteúdos na Internet, as proibições da Rússia são complicadas pelas circunstâncias. A guerra contra o extremismo [8] [en] (travada ao longo da década de 2000) tem sido uma ferramenta conveniente para encarcerar políticos radicais em todo o país.

O controle estatal dos principais meios de comunicação, como o caso recente da pressão sobre a REN TV [9] [en], ou da emissão, pelo RosKomNadzor, de uma nota jurídica à Radio Liberty [10] [ru] em abril de 2011, e a proximidade das eleições significam que todas as campanhas novas, mesmo aquelas contra o ‘extremismo crescente’, merecem uma análise mais cuidadosa.

Comentando sobre a atitude ambivalente de Medvedev com relação à regulação da Internet e à recente conferência e-G8, uma conta falsa do Kremlin no Twitter @kermlinrussia fez um comentário ácido [11] [ru], a dizer:

Сегодня на #G8 обсуждали будущее Интернета. Сеть должна быть свободна, но некоторых ее пользователей лучше бы посадить.

Hoje no #G8 nós discutimos o futuro da Internet. A web deve ser livre, mas seria melhor se alguns de seus usuários fossem presos.
Roman Hozeev, na Corte Regional de Perm. Imagem do YouTube. [12]

Roman Hozeev, na Corte Regional de Perm. Imagem do YouTube.

Efeitos colaterais

Além destas suspeitas, a ação judicial contra extremistas online tem efeitos colaterais óbvios. Em fevereiro de 2011, iniciou-se um processo administrativo contra Roman Hozeev (também conhecido como horoxp [13] [ru] no LiveJournal). Hozeev saiu vitorioso no primeiro processo em abril; no entanto, o Gabinete da Promotoria apelou da decisão.

A polícia deu início ao processo por causa de um comentário escrito em 2005 em um fórum de discussão local, onde Hozeev comparou George W. Bush a Adolf Hitler. As citações do ‘Main Kampf’ feitas por Hozeev já estavam online antes de serem legalmente reconhecidas como extremistas (e, portanto, proibidas de serem até mesmo citadas online), o que permitiu que os promotores evadissem de forma criativa o princípio jurídico ‘lex retro non agit [14]‘ [en] e declarassem que Hozeev divulgara deliberadamente materiais proibidos durante quase seis anos.

Em 28 de maio de 2011, surgiram notícias sobre outro ‘extremista’. Leonid Kaganov [15] [ru], 39 anos, um dos primeiros e mais influentes blogueiros da RuNet. O Yandex classifica [16] [ru] seu blog, lleo.aha.ru [17] [ru], na 27ª posição entre os blogs mais influentes. [nota de tradução: RuNet é o nome que os falantes do idioma russo dão ao conteúdo de Internet publicado nesta língua.]

Além de ser escritor de ficção científica e roteirista de comédia, Kaganov participou do início da RuNet, moderou comunidades lendárias da FidoNet [18] [en], como a OBEC.PACTET (‘aveias estão crescendo’) e a SU.KASHENKO.LOCAL. Seu blog nunca teve um caráter político. Na verdade, Kaganov muitas vezes zombou da evidente politização de outros blogs. O fato de Kaganov ser de origem judaica torna as acusações contra ele ainda mais estranhas.

Em uma postagem no blog recentemente criado lleo.me, registrado em 27 de maio de 2011, Kagavov conta a história de seu ‘antissemitismo’. Em 2009, Kaganov citou [19] [ru] um poema antissemita que estava incluído na lista de materiais extremistas do Ministério da Justiça. Zombando do poema e de seu autor, Kaganov perguntou a seus leitores se a prática de proibir poemas existia em outros países, se os blogueiros podiam fazer citações de tais poemas, e o que um autor teria que fazer para ter seus poemas proibidos pelo Ministério da Justiça.

Emigração Virtual

Leonid Kaganov, foto por Alexey Yushenkov. Imagem disponível em Wikimedia Commons. [20]

Leonid Kaganov, foto por Alexey Yushenkov. Imagem disponível em Wikimedia Commons.

Após a publicação do post, Kaganov recebeu uma mensagem de seu provedor de hospedagem, Zenon N.S.P., dizendo que o Serviço Federal de Segurança (FSB) estava preocupado com sua publicação do poema proibido. Logo após isso, ele retirou o poema e escreveu [21] [ru] uma paródia (as primeiras letras de cada verso do novo poema formavam as frases: “Qual é o problema? Este é um outro poema”).

Entretanto, a publicação de uma paródia no lugar do verdadeiro poema ‘proibido’ não resolveu o problema. Vários meses após a substituição, representantes do Zenon entraram novamente em contato com Kaganov e disseram que o FSB emitira uma ordem para retirar a página do ar (embora nenhum documento que comprove esta exigência esteja disponível ao público). Não querendo entrar em conflito com o FSB, o provedor de hospedagem salvou os dados e os entregou a Kaganov, para evitar que fossem perdidos. Kaganov então criou o lleo.me, hospedando o novo site no provedor alemão Hetzner Online A.G.. Em 28 de maio de 2011, o site antigo, lleo.aha.ru passou apenas a redirecionar os acessos para o lleo.me.

A emigração virtual para um provedor e um domínio de fora da Rússia, como no caso de Kaganov, é uma solução importante para garantir o direito à voz na Internet, mesmo para blogueiros não-politizados. Porém, tal solução só é possível se a Internet permanecer internacional e interconectada. Se a ideia de uma ‘Internet soberana’ [22] [en] – uma projeção online da soberania do estado, com suas fronteiras e controle estatal – se tornar real, emigrantes virtuais como Kaganov serão separados de seus leitores para sempre.

Em uma nota final, Kaganov escreveu que nunca se interessou por política ou negócios, e que sempre foi um patriota da Rússia. “Só me interessam os elfos e Sirius [estrela mencionada com frequência em piadas de ficção científica]”.

injuria_realis comentou [23] [ru] com tristeza:

Почему-то для меня это служит отличной иллюстрацией поговорки “Если ты не интересуешься политикой, то политика заинтересуется тобой”.

Por alguma razão, isso me parece uma ótima ilustração de um ditado que diz “Se você não se interessa por política, a política se interessará por você”.