Portugal: Comoção Nacional com Classificação da Moody's

A classificação de “lixo” dada, no início de Julho, pela empresa americana de notação financeira Moody's à capacidade de Portugal pagar a sua dívida pública “provocou uma estranha comoção nacional“. Esta tem vindo a reflectir-se em diversas manifestações online de indignação e revolta que vão desde a multiplicação de páginas e eventos no Facebook, à organização de acessos massivos ao site da instituição com o objectivo de desactivar o seu servidor (que recolheu perto de 80 mil intenções de participação), a ataques telefónicos e por correio electrónico, à criação de diversos vídeos, entre outros. Não faltou originalidade aos protestos, como pode verificar-se nas imagens que ilustram o presente artigo.

Instruções de envio de lixo para a Moodys no site LixoParaAMoodys.com

Instruções de envio de lixo para a Moodys no site LixoParaAMoodys.com

No entanto, a blogosfera portuguesa encheu-se também de análises críticas aos meandros de tal classificação, e muitos questionaram a aparente superficialidade das reacções mais emocionais à “saga dos ratings” face à crise económica que o país atravessa. O “resgate” financeiro internacional pela troika – formada pelo Fundo Monetário Europeu (FMI), Banco Central Europeu (BCE) e Comissão Europeia (CE) – está em curso e assenta num empréstimo no valor de 78 mil milhões de euros para equilibrar as contas públicas.

Para Carlos Mesquita, do blog O ClariNet:

Não há nada como uma campanha publicitária para adormecer o povinho, a partir de agora é só não fazer ondas e cumprir patrioticamente o que diz a troika.

Já o economista Vitor Bento, do blog da Associação para o Desenvolvimento Económico e Social, Sedes, considera que “desperdiçar tempo a dicutir” uma “decisão inconveniente” não traz “consequências”:

A decisão da Moody’s é inconveniente? É. Suscita uma sensação de injustiça, quando o governo – e não só – se mostra totalmente empenhado em cumprir e ultrapassar os objectivos acordados com a Troika, tendo já mostrado esse empenho através de decisões difíceis? Sim. Mas centrar a discussão nestes aspectos e maldizer as agências de rating por estas consequências é atirar ao alvo errado.

O jurista e professor de direito da Universidade de Coimbra Vital Moreira, concorda em parte e comenta com ironia “eis como, sem nada ter mudado, afinal tudo mudou”:

Antes, a crise da dívida pública portuguesa era só nossa e as agências de rating eram só mensageiras de más notícias de que o único responsável era o Governo português. (…)

Agora que o Governo é de direita, passámos subitamente a ser vítimas da situação grega e da falta de determinação da UE em responder à crise do euro, e as agências de rating são cavilosos agentes encartados do mal, apostados em aniquilar os virtuosos esforços de Portugal!

O grupo musical de intervenção social Homens da Luta criou um jogo online para "arrasar com a lixeira Moodys"

O grupo musical de intervenção social Homens da Luta criou um jogo online para "arrasar com a lixeira Moodys"

No blog O Albergue Espanhol, Luís Menezes Leitão aponta “as reacções dos mais altos responsáveis do Estado a esta decisão da Moody's [como] absolutamente despropositadas”, e cita o Primeiro-Ministro, Passos Coelho, eleito a 5 de Junho,  ao afirmar ter levado “um murro no estômago”, e o Chefe de Estado Português, Cavaco Silva, que considerou a classificação como “uma conspiração americana contra os países europeus, em óbvia contradição a anteriores declarações suas sobre o mesmo tema”. O jurista Tomás Vasques, do blog Hoje há conquilhas, Amanhã não sabemos, acrescenta que a crise política e queda do Governo em finais de Março “acelerou vertiginosamente o aumento dos juros dos agiotas protegidos dessas agências [de notação] e dificultou o acesso ao crédito de que precisamos como pão para a boca”:

Envoltos na espuma dos dias, já nem sequer nos lembramos que, em Março, os juros dos empréstimos a três anos estavam nos 6% e hoje estão nos 19%. Como, também, não nos interessa lembrar que uma outra dessas agências de notação nos desclassificou cinco níveis, em Abril passado, empurrando-nos, então, perigosamente para o que eles classificam como lixo. Nessa altura, ninguém tugiu nem mugiu, como se isso se encaixasse num plano de descrédito do anterior primeiro-ministro.

O business da Moody's

To Moodys: From Portugal, with Love. Video no Youtube por Cronicas dos Sabichoes

To Moodys: From Portugal, with Love. Video no Youtube por Cronicas dos Sabichoes

Com a missão de proporcionar uma classificação de risco dos devedores aos investidores, de forma a orientá-los nas melhores decisões de investimento, o “negócio” das agências de notação financeira é por vezes confundido a ideia de “agenda de rating“, como explica o professor de Economia da Universidade Nova de Lisboa, Pedro Pita Barros:

A vida (e sobrevivência) das agências de rating faz-se pela prestação de informação. As classificações atribuídas servem para que os investidores de todo o mundo não tenham que analisar em detalhe todas as emissões de dívida que ocorrem. Se cada investidor tivesse que olhar com minúcia todas as emissões de dívida, haveria uma duplicação de esforços e desperdício de recursos em comparação com uma análise única e depois facultada a todos os outros. O propósito último da agências de rating é fornecer informação aos investidores. E apenas enquanto fornecerem informação útil e credível aos investidores terão possibilidade de sobrevivência. Há investidores especulativos que aproveitam essa informação? Certamente. Mas também os investidores que não tenham objectivos de especular o fazem.

David Silva, do blog Criticamente Falando, alerta para o poder de influência que as agências de notação financeira – a quem classifica como uma “Máfia Perigosa” – detêm sobre os investidores:

"Um hacker terá supostamente conseguido entrar no site da Moody's, e inserido uma página com o conteúdo que pode ser visto na imagem acima." Imagem retirada do blog de André Benjamim

"Um hacker terá supostamente conseguido entrar no site da Moody's, e inserido uma página com o conteúdo que pode ser visto na imagem acima." Imagem retirada do blog de André Benjamim

Uma das maiores críticas dirigidas às agências de rating resulta do potencial conflito de interesses nas suas atividades: são pagas pelos investidores para avaliar terceiros. O mercado da avaliação de risco de crédito é dominado (95%) por três agências norte-americanas: a Fitch, a Moody’s e a Standard & Poor’s. Não existe uma agência de rating europeia, o que impede com que a europa tenha alguma arma de ataque face às gigantes dos outros países.

Por fim, Vitor Bento, relembra a impunidade dos “investidores irresponsáveis do passado” :

seria de toda a justiça que os credores fossem chamados a pagar parte da factura, já que a sua irresponsabilidade creditícia também contribuiu para a presente situação”. Mas as agências de rating não se pronunciam sobre justiça (moral). Pronunciam-se sobre riscos de investimento e é um facto que o risco de perda destes investimentos aumentou (o que não quer dizer que esse risco se materialize necessariamente).

A imagem de destaque do artigo foi retirada do vídeo Uprising to Downrating de IamFromLx no Vimeo.
Este artigo foi escrito em conjunto com Ana Vasquez.

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