Polônia: Iniciativa Cidadã para Proibição Completa do Aborto

Cerca de 600.000 pessoas já assinaram um abaixo-assinado em apoio ao projeto de emenda [pl, pdf] da lei do aborto na Polônia. A intenção é de proibir o aborto na Polônia sem exceções – mesmo quando a vida da mãe estiver ameaçada. Em 1º de julho de 2011, contrário ao requerimento do partido Aliança da Esquerda Democrática [en] para repudiar a proposta após a primeira leitura, o Parlamento Polonês (o Sejm) votou a favor do projeto e repassou-o ao comitê parlamentar para uma discussão mais aprofundada.

Atualmente, a Polônia tem uma das mais restritivas leis de aborto [en] na Europa, resultado de um compromisso entre os partidos políticos. De acordo com a legislação em vigor, o aborto é proibido, exceto nas três seguintes circunstâncias: quando a vida da mulher ou a saúde está em perigo, quando a gravidez é resultado de um ato criminoso, ou quando o feto está gravemente malformado. As mulheres grávidas não estão sujeitas à pena, mas todo mundo que está envolvido sim: pode ser o médico que realizou o aborto, ou uma pessoa que convenceu a mulher a abortar.

O projeto de emenda foi apresentado pelo Comitê Legislativo Cidadão, criado pela Fundação PRÓ-Direito à Vida (ou em inglês, PRO–Right to Life Foundation) [pl]. Ele é oficialmente apoiado pelo clero [pl] e tem causado muitos protestos. De acordo com um levantamento [pl] encomendado pela Fundação PRÓ-Direito à Vida, 65% dos poloneses apoiam a ideia de proteger a vida desde o momento da concepção.

No Facebook [pl], a página da Fundação PRÓ-Direito à Vida declara:

We believe that abortion is a murder committed on an innocent person. We believe that at this moment the phenomenon takes features of a genocide. We believe that abortion in a civilised world is a scandal. That it why we take action.

Acreditamos que o aborto é um assassinato cometido a uma pessoa inocente. Acreditamos que, neste momento, o fenômeno tem características de um genocídio. Acreditamos que o aborto em um mundo civilizado é um escândalo. Por isso que tomamos medidas.

Cerca de 600.000 poloneses assinaram um abaixo-assinado em apoio ao projeto de alteração para proibir o aborto, sem exceções. Foto do usuário bartheq do Flickr (CC BY-NC-SA 2.0).

A proposta criou uma série de controvérsias entre os internautas poloneses. Um blogueiro do sexo masculino, que escreve sob o pseudônimo de Feminista007 está indignado [pl]:

What is scandalous about this debate is that one totally omits women and nobody from the “defenders” [of life] speaks a word about their lives. Many women in Poland died only because of bad medical treatment (or not being treated at all), because the doctors had a sensible conscience. This conscience often doesn't work in a private consulting room. The only thing that works there are market rules. The draft amendment won't protect life, it may only cause death of many women and strengthen the underground abortion business. […] One of the arguments of the initiative's supporters is that the project has indeed been signed by many people, around 500,000. But I would say that even if they had collected 25 million citizens’ signatures, non of these persons would have had a moral right to tell a woman whose life is in danger what she is supposed to do, regardless of whether he wears a cassock, trousers or a skirt.

O que é escandaloso sobre este debate é que se omite totalmente as mulheres e ninguém dos “defensores” [da vida] fala uma palavra sobre as vidas delas. Muitas mulheres morreram na Polônia só por causa de um tratamento médico ruim (ou simplesmente não sendo tratada mesmo), porque os médicos tinham uma consciência sensata. Essa consciência, muitas vezes não funciona em uma sala privada de consultas. A única coisa que funciona lá são as regras de mercado. O projeto de alteração não irá proteger a vida, só vai causar a morte de muitas mulheres e fortalecer o negócio do aborto no subsolo. […] Um dos argumentos dos adeptos da iniciativa é que o projeto foi de fato assinado por muitas pessoas, cerca de 500.000. Mas eu diria que, mesmo que eles tivessem coletado 25 milhões de assinaturas dos cidadãos, nenhuma dessas pessoas teria o direito moral de dizer a uma mulher cuja vida está em perigo o que é que devem fazer, independente se essa pessoa veste uma batina, calças ou uma saia.

Em 29 de junho, um professor de ética polonês e a feminista Anna Środa escreveram isso [pl] no serviço de microblogging polonês Blip:

I’m glad that this anti-feminine trash landed in the Parliament. It will start a debate about liberalization of the abortion law.

Fico feliz que esse lixo anti-feminino desembarcou no Parlamento. Com isso, vai se começar um debate sobre a liberalização da lei do aborto.

Środa também adicionou um link de uma entrevista dela a um jornal [pl], na qual ela afirma que muitas pessoas que assinaram a petição não eram realmente conscientes do que estavam fazendo:

I think that if they found themselves in a situation of rape, unwanted pregnancy or a choice between their own health and the life of their child or if it was their child who was pregnant, they would decide to abort.

Eu acho que se essas pessoas se encontrassem em uma situação de estupro, gravidez indesejada ou uma escolha entre a sua própria saúde e a vida de seus filhos, ou ainda se fosse sua filha que estevisse grávida, elas seriam favoráveis ao aborto.

Tomasz Terlikowski, um jornalista conservador e filósofo polonês, defende [pl] a iniciativa em seu blog:

There can be no compromise that leads to killing people. In 2009, it was 549 persons, and from one year to another the amount of the killed is rising. We have to ask ourselves what is more important – human life or compromise? The killed ones or peace and quiet?

Não pode haver um acordo que leve a matar pessoas. Em 2009, foram 549 pessoas, e de um ano para outro a quantidade de mortos está subindo. Temos que nos perguntar o que é mais importante – a vida humana ou um acordo? Os mortos ou paz e sossego?

Muitos blogueiros, assim como a grande mídia, discutiram a questão como uma evidente parte da próxima campanha eleitoral de 2011 [en].

Feminista007 criticou [pl] o partido do governo Platforma Obywatelska (ou, em tradução livre, Plataforma Cívica), do qual muitos dos membros não apareceram para votar, e aqueles que o fizeram – surpreendentemente muitos – votaram a favor do projeto:

A huge, huge mistake! Not so long ago PM Donald Tusk declared that the Civic Platform would not kneel before a priest. You can't kneel if you're lying with your face on the ground! It is a pathological situation indeed when members of the parliament quail before the episcopate. Somehow it is understandable, because the election is coming up and, as always, the apolitical church will not point to the candidates but will pronounce for values. A question emerges: who is governing Poland?

Um erro enorme, enorme! Não muito tempo atrás, o primeiro-ministro Donald Tusk declarou que o partido não iria se ajoelhar diante de um sacerdote. Você não pode ajoelhar-se, se você está deitado com sua cara no chão! É uma situação patológica de fato quando os membros do parlamento se intimidam perante o episcopado. De alguma forma, é compreensível, porque a eleição está chegando e, como sempre, a apolítica igreja não irá apontar candidatos, mas vai pronunciar valores. Uma pergunta emerge: quem está governando a Polônia?

Enquanto muitas vozes se concentram sobre a influência excessiva da Igreja no debate, reakcjonistka argumenta [pl] em seu blog:

Today nobody wants to have discussions with abortion opponents. It is enough to associate their beliefs with Catholic religion and here you go, you can reject their demands without any problems. […] Even if at the source of the opposition to abortion there is the Catholic worldview, that doesn't mean that there are no arguments behind it.

Hoje ninguém quer ter discussões com os oponentes do aborto. É suficiente associar crenças com a religião católica e aí vai estar tudo certo, você pode rejeitar exigências sem quaisquer problemas. […] Mesmo que na origem dessa oposição ao aborto exista a visão de mundo católica, isso não significa que não há mais argumentos por trás disso.

No contexto do debate, uma série de portais feministas online, tais como www.seksulanosc-kobiet.pl, chamaram a atenção [pl] para um documentário de 2009, chamado ‘Underground Women's State’, (ou, em tradução livre, “O Estado das Mulheres Clandestinas”)[pl]. No site [pl] e no documentário, os autores estão tentando mostrar a impotência do movimento pró-escolha polonês em face de barganhas políticas. O filme apresenta os ativistas do movimento de diferentes gerações, além de oito mulheres que tiveram abortos ilegais e estavam falando sobre suas experiências pela primeira vez.

De acordo com a descrição no YouTube, nenhum distribuidor arriscou comprar e introduzir o documentário nos cinemas, e nenhuma emissora de televisão pública ou comercial levou isso ao ar. Abaixo você pode assistir a um teaser, divulgado no YouTube por EntuzjastkiGF [pl] em 17 de setembro de 2009, com as legendas em inglês. (Você também pode assistir ao filme inteiro, em polonês, no YouTube, aqui.)

O partido Aliança da Esquerda Democrática decidiu usar o debate para enfatizar a sua própria perspectiva. Em 4 de julho, eles apresentaram [pl] um projeto de lei para liberalizar a lei do aborto. O partido quer introduzir o aborto legal reembolsável até a 12ª semana de gravidez, o financiamento de contraceptivos e educação sexual nas escolas. Rbik53 concluiu [pl]:

…What a pity that the election campaign passes so quickly…

… Que pena que a campanha eleitoral passa tão rápido …

 

1 comentário

  • Sempre me surpreendeu muito a radicalidade dos católicos romanos (que contam) nesta matéria… Sobretudo por assentarem na sua própria prática os terrores de que fogem (sobretudo na “Europa católica”) as mulheres que abortam. Exemplos: 1º a bastardia, 2º a “desonra” e marginalização da mãe solteira (sobretudo da classe média para baixo, que a estratificação social resolve muitas coisas, nestes planos e sobretudo nos níveis mais elevados); 3º a recusa de baptismo à criança nascida “fora do matrimónio” e sobretudo de mãe solteira; 4º a desonra dos pais e inteira família da “mãe solteira” (sempre da classe média para baixo, bem entendido, que daí para cima pode haver um aborrecimento, mas não há terrores destes)… isto, num apanhado muito rápido (há mais inconvenientes seguramente).
    Neste enquadramento a criminalização e penalização do aborto, parecem-me realmente o desfecho de um percurso armadilhado. Aliás incompatível com o valor socialmente eminente da maternidade. Se uma rapariga escolher ter um filho sem casar (e mais ainda sem pedir o reconhecimento da filiação ao pai) é uma heroína. Mas essa heroína não sobrevive, em contexto católico romano, na classe média ou abaixo da classe média. Se não for uma heroína (vitimada pelo ferrete “moral”, por não ter cedido ao terror), terá de ser uma vítima martirizada (pelo ferrete criminal)? Por ter cedido ao terror? Há para isto, na igreja católica romana, alguma resposta que não seja o terror? É que não a vemos. (E não estou a falar da sociedade de há cinquenta anos na Europa do Sul, porque então as coisas seriam inenarráveis). A separação da igreja e do estado aqui -visivelmente- poupa vidas. Porque já é deplorável que a vida do feto seja posta em risco. Mas pôr em risco duas vidas pela intrusão do Direito Criminal é completamente estúpido e quanto mais vidas se puserem em risco (pelo processo e pela pena) mais estúpido isso parece. A punir alguma coisa (e talvez haja coisas a punir, sim) deveria talvez punir-se a injuria e discriminação contra a mãe solteira em razão das circunstâncias da maternidade (e a primeira entidade a chamar ao tribunal criminal qual seria?)… Isto é o que poderia pedir-se ao Estado. Quanto à igreja romana, ela que excomungue. Em última análise, há sempre o Patriarca da Nova Roma para cujo clero não há crianças de vida “ilegítima” diante do baptistério. (A vida humana não pode ser conveniente ou inconveniente. Com isso eu estou de acordo. Os católicos romanos é que parece que não estão).

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