Moçambique: A Controversa Cesta Contra a Pobreza

A vida está cada vez mais cara um pouco por todo mundo. Os preços dos produtos alimentares de base estão altos, e o petróleo não pára de aumentar. Em Moçambique, uma das medidas propostas pelo Governo para atenuar o impacto da subida de preços na vida dos moçambicanos gerou polémica aos olhos dos cidadãos – o Subsídio à Cesta Básica, com o objectivo de:

a) Assegurar o acesso do agregado familiar a alimentos básicos;
b) Contribuir para manutenção de uma alimentação saudável e equilibrada;
c) Proteger a capacidade de compra do indivíduo e agregado familiar contra eventuais aumentos de preços dos alimentos;
d) Contribuir para estabilidade económica do agregado familiar de baixa renda;
e) Contribuir para estabilidade social do país.

Familia só come batata doce. (ONDE? QUANDO?) Foto por Miguel Mangueze, usada com permissão

"Familia só come batata doce". Foto por Miguel Mangueze, usada com permissão

A proposta do Governo do Presidente Armando Guebuza, tinha data de início prevista para o mês de Junho, mas apesar de todas expectativas o seu “aborto” foi sentenciado no passado dia 16 de Junho. Citando o Primeiro Ministro Aires Aly, o bloguista Carlos Serra escreveu “o país está estável por isso não precisa da cesta. Só falta saber por que em Março o governo a introduziu”.

Muitos descrentes e alguns crédulos vinham a manifestar-se desde as últimas semanas na blogosfera e redes sociais sobre a proposta.

Cesta básica e igualitária?

Numa série de vídeos vox-pop no Youtube, eram postos em causa os critérios de eligibilidade da “Cesta Básica”, que levava alguns a crer que o seu carácter seria discriminatório, já que o seu Manual de Procedimento apontava que esta se dirigia às:

Camadas Sociais de Baixa Renda (que vivem nos municípios de Pemba, Lichinga, Nampula, Quelimane, Tete, Chimoio, Beira, Inhambane, Xai-Xai, Matola e Maputo e tem rendimento individual igual ou inferior a 2.500,00Mts (cerca de 83 USD) por mês ou o rendimento per-capita do agregado familiar inferior ou igual a 840,00Mts(cerca de 28 USD))

A falta de clareza e de informação sobre a abrangência social da iniciativa foi muito criticada. Cremildo Maculuve, jornalista, céptico em relação ao “critério de elegibilidade dos beneficiários”, escreveu no seu mural da rede social Facebook sobre a quem presumia que a cesta básica iria beneficiar:

a cesta básica só poderá ser dada (…) aos que têm um emprego formal. Cenário mais sombrio, mas não descartável é que esta cinja-se aos funcionários públicos, o que, à partida – se olharmos para o número de funcionários públicos e multiplicarmos pelo número dos que beneficiam directamente dos seus rendimentos – excluirá perto de 90 por cento da população moçambicana.

Noutra nota no Facebook, o jornalista Matias de Jesus Júnior também se questionou sobre os destinatários da medidas proposta para aliviar a escalada de custo de vida:

acredito que aqui estão a abrir um fosso imaginável, isto porque a mesma é socialmente injusta ou descriminatória. Afinal quem é o povo moçambicano, é somente o funcionário público ou também aquele desempregado, privado e o informal

Vários cidadãos recordaram grupos específicos que não têm direito à Cesta Básica em vídeos vox-pop, como Moisés, funcionário público da educação, que afirma que a Cesta não beneficia os professores, e Anacleto, um estudante, que apesar de considerar a “ideia da cesta básica boa”, fez questão de não esquecer os muitos “vendedores informais” que não seriam abrangidos.

Na aldeia moçambicana de Madamba (província de Tete) os locais mantêm o negócio de caça e venda de ratazanas na berma da estrada. Uma espetada de 6 a 7 ratazanas custa 10 meticais (20 cêntimos de euro). Foto de Vlad Sokhin copyright Demotix (29/09/2010)

Na aldeia moçambicana de Madamba (província de Tete) os locais mantêm o negócio de caça e venda de ratazanas na berma da estrada. Uma espetada de 6 a 7 ratazanas custa 10 meticais (20 cêntimos de euro). Foto de Vlad Sokhin copyright Demotix (29/09/2010)

Num comentário no Jornal @Verdade, Vasco Muarauane, um cidadão moçambicano, recordava o art. 35 da Constituição, que se refere ao princípio de igualdade de direitos para todos os cidadãos, considerando que a “Cesta” seria implantada mediante um “Decreto com força de Lei”, por ignorá-lo, já que se estima que mais de 70 porcento da população moçambicana, maioritariamente vivendo nas zonas rurais, não será abrangida pela Cesta Básica.

Foi também mencionado o recente aumento nos salários, que impedem muitos de recorrer à cesta. Num vídeo vox-pop, Alzira Esperança, trabalhadora numa empresa privada, diz que “a cesta é uma desculpa para acalmar o povo” pois um aumento recente de 2.400 (dentro do critério da cesta) para 2.600 meticais faz com que muitos trabalhadores deixassem de ter acesso:

Os mesmos valores foram também questionados no vox-pop de Isilda, convicta que a diferença entre quem ganha 2.500  e quem ganhe 2600 é pequena e as dificuldades parecidas.

O bloguista Jonathan McCharty resumiu desta forma a verdade em torno da cesta:

Hoje podemos julgar, com certeza absoluta que, em toda a cronologia dos eventos, os anúncios feitos à volta da “Cesta Básica” tiveram sempre “a carroça à frente dos bois”!! Em nenhum momento houve um “critério de elegibilidade” definido!! Em nenhum momento houve um “plano de atribuição da cesta básica” traçado!! Em nenhum momento se sabia o que, de facto, se iria fazer!!

Crise de bens em contexto

Vendedores de pão no comboio de Nampula para Mutuáli, Moçambique, 2009. Foto de Rosino no Flickr (CC BY-SA 2.0)

Vendedores de pão no comboio de Nampula para Mutuáli, Moçambique, 2009. Foto de Rosino no Flickr (CC BY-SA 2.0)

Em 2008, depois do aumento do custo do pão e dos combustíveis haverem originado tumultos, o Governo de Guebuza decidiu congelar o preço dos combustíveis e subsidiar o custo do trigo para que as gasolineiras refletissem o custo real para os moçambicanos e o preço do pão fosse mantido. Em Setembro de 2010, os tumultos agravaram-se pelos mesmos motivos, na que ficou conhecida como a “revolta do pão“.

O que era claro para muito economistas foi admitido pelo Governo em Abril de 2011, na voz do Ministro da Planificação e Desenvolvimento, Aiuba Cuereneia, que afirmou “o Governo não tem capacidade para manter as medidas de longo prazo que vinha implementando desde 2008, para conter a alta do custo de vida, ditado pelas crises de alimentos e financeira mundial”. A medida proposta viria no seguimento da conclusão a que o Governo chegou, considerando que é ineficaz aumentar os salários dos trabalhadores pois pode induzir o aumento dos preços e corroer o poder de compra.

Uma apreciação do Fundo Monetário Internacional, na voz do seu representante em Moçambique Victor Lledó, dizia que:

A cesta básica tenta atender a linha do sistema de protecção social básica, mas ao nosso ver e de vários parceiros ainda carece de refinamento e quiçá repensar a sua estrutura básica, dado alguns factores que podem comprometer a sua implementação e seus objectivos

O docente Manuel de Araújo, pouco crente em relação aos subsídios enquanto solução para aliviar a escalada no custo de vida, apela à necessidade de uma reflexão profunda sobre o impacto da sua adopção:

Não quero aqui dizer que todo e qualquer subsidio e mau e que portanto não deve ser equacionado! Quero apenas chamar a atenção sobre as implicações e quiçá as distorções que os subsidios podem trazer a economia se não forem adequadamente equacionados!

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