- Global Voices em Português - https://pt.globalvoices.org -

Guiné Equatorial: Uma Língua sem Olhos para os Direitos Humanos

Categorias: África Subsaariana, Guiné Equatorial, Direitos Humanos, História, Língua, Relações Internacionais

Neste mês de Junho, em Angola, na XVI Reunião Ordinária do Conselho de Ministros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), será apreciada a integração da Guiné Equatorial na organização. A base para esta etapa no processo de inclusão do país governado por Teodoro Obiang [1] desde 1979 será o relatório elaborado pela missão da CPLP que esteve em Malabo nos passados dias 4 e 5 de Maio.

Segundo a página da CPLP, as condições a averiguar [2] são a utilização efectiva da língua portuguesa no sistema de ensino do país e a adopção de princípios orientadores da organização, como “o primado da paz, da Democracia, do Estado de Direito, dos Direitos Humanos e da justiça social”.

É a língua um laço?

Luanda 2010 - VIII Cúpula da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Foto de MRE Brasil no Flickr (CC BY-NC-SA 2.0) [3]

Luanda 2010 – VIII Cúpula da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Foto de MRE Brasil no Flickr (CC BY-NC-SA 2.0)

O único território verdadeiramente humano é o da Língua. Deixemos pois este espaço livre da opressão dos interesses, deixemos comunicar as línguas, os homens, os povos.

Comentava Joana Ruas, no blog O que fica do que passa, num artigo intitulado “CPLP, Guiné Equatorial & Cª: Petróleo ou Amor Platónico? [4] .

Justino Pinto de Andrade, do blog Angola Resistente [5], conta como “foram os portugueses os primeiros navegadores europeus a chegar, em 1471, ao território que hoje constitui a Guiné-Equatorial“:

acharam a ilha de Bioko, a que depois chamaram Ilha Formosa, e também Fernando Pó. (…)
do ponto de vista histórico, houve, sim, um contacto da Guiné-Equatorial com a língua e a cultura portuguesas. Poderão, pois, ter restado ainda ténues reminiscências desse contacto, que justifiquem alguma nostalgia da língua e da cultura desaparecidas. Mas, depois, impôs-se o espanhol. A presença da língua francesa como língua oficial deve-se, sobretudo, às ligações fronteiriças que a Guiné-Equatorial tem com o Gabão e os Camarões – países francófonos – e a uma presença remota dos franceses nos seus territórios, também por ocasião do tráfico negreiro.

O jornalista brasileiro Michell Niero, do blog O Patifundio [6], acrescenta que ”por decreto a hispânica Guiné Equatorial “fala” português desde 2008”:

tornou[-se] membro observador mesmo com uma população ínfima falando fá d’ambô, idioma crioulo com base lexical portuguesa.

Então, se não é a língua, o que traz a Guiné Equatorial à comunidade de países falantes de português?

A “Petroditadura”

Na opinião do blog Debates e Devaneios [7], de Moçambique:

A entrada da Guiné-Equatorial como membro de pleno direito para a Comunidade dos Países (ditos) de Língua Portuguesa (CPLP) tem apenas a ver com o petróleo, sendo outras questões basilares, como a língua, a democracia e os direitos humanos uma farsa. (…) A Guiné-Equatorial é uma ditadura? É sim senhor. Mas o que é que isso importa se tem petróleo, que é um bem muito superior aos direitos humanos?

A ideia é reforçada por Henrique Sousa, do blog O que fica do que passa [4], para quem a adesão “não tem sentido”, já que “não é um país de língua portuguesa”, mas sim uma”petroditadura”, dando razão ao político e escritor Português Manuel Alegre que proferiu tais palavras.

Meninos da praia de Luba. Foto de John & Mel Kots no Flickr (CC BY-NC-ND 2.0) [8]

Meninos da praia de Luba. Foto de John & Mel Kots no Flickr (CC BY-NC-ND 2.0)

O blog El Bonsai de la Información [9], em 2008, descurava “os argumentos históricos e linguísticos” que convenceram os “três membros fortes” da CPLP – Portugal, Angola e Brasil – e tratava da facilidade com que os negócios petrolíferos afogam os direitos humanos:

Con la valiosa ayuda de Libia, autorizada por el líder Muammar Gaddafi, aliado histórico de Obiang Nguema, a inicios de este año una delegación portuguesa visitó Malabo, capital de Guinea Ecuatorial. Angola celebró los primeros convenios hace cinco años y Brasil comienza a explotar un bloque promisorio en off-shore.

Com a valiosa ajuda da Líbia, autorizada pelo líder Muammar Gadaffi, aliado histórico de Obiang Nguema, no início deste ano, uma delegação portuguesa visitou Malabo, capital da Guiné Equatorial. Angola celebrou os primeiros acordos há cinco anos e o Brasil começa a explorar um promissório bloco em off-shore.

Princípios Orientadores: #FAIL

A CPLP é regida pelos princípios do “Primado da Paz, da Democracia, do Estado de Direito, dos Direitos Humanos e da Justiça Social” (Art.5º), artigo enfatizado na própria página da CPLP a respeito da eventual admissão da Guiné Equatorial na comunidade.

Já em 2010, a possibilidade de a Guiné Equatorial se tornar o nono país filiado à CPLP- juntamente com Portugal, Brasil, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Principe e Timor Leste – levou a que cidadãos e organizações da sociedade civil lusófonos se movimentassem contra a inclusão [10]. Em causa estava o desrespeito pelos referidos princípios orientadores da organização, sendo conhecidas as constantes violações de Direitos Humanos [11] [en] que acontecem no país.

Comissão Nacional de Direitos Humanos da Guiné Equatorial. Screenshot de um vídeo sobre a pobreza e o abuso de direitos no meio da riqueza do petróleo, no Youtube por CSMonitor100 (The Christian Science Monitor) [12]

Comissão Nacional de Direitos Humanos da Guiné Equatorial. Screenshot de um vídeo sobre a pobreza e o abuso de direitos no meio da riqueza do petróleo, no Youtube por CSMonitor100 (The Christian Science Monitor)

A petição “Guiné Equatorial na CPLP não! [13]”, lançada em 2010 e recordada recentemente [14] no Blog 19, da Amnistia Internacional de Portugal,  aponta no sentido da imposição de:

condições relativamente aos abusos flagrantes da liberdade de expressão e à comprovada repressão da sociedade civil do país.

A inexistência de liberdade de expressão, as violações dos Direitos Humanos ou o não respeito pelo Estado de Direito são objecto de relatórios saídos este ano, como o da Freedom House [15] [en] ou o do Amnistia Internacional [16].

Celestino Bacale, da Convergência Para a Democracia Social, único partido da oposição com assento parlamentar, afirma que o regime continuará a violar os Direitos Humanos [17] [es], entrando ou não na CPLP. Em comunicado [18], o Movimento para a Autodeterminação da Ilha de Bioko, defende que o Presidente Teodoro Obiang visa “utilizar injuriosamente esta magna instituição para um serviço pessoal que possa ajudá-lo a asfixiar os ecos da barbárie e os direitos humanos que aprisiona no seu país”, e apela:

Admitirle en la CPLP es animar al dictador guineano a seguir perpetrando daños contra los pueblos de Guinea Ecuatorial.

Admiti-lo na CPLP é animar o ditador guinéu-equatoriano a continuar a perpetrar danos contra os povos da Guiné Equatorial.

A decisão de inclusão poderá ser concluída na IX Conferência de Chefes de Estado e de Governos da CPLP, a realizar em Moçambique, em 2012. Justino Pinto de Andrade, do blog Angola Resistente [5], acredita que “a problemática da entrada da Guiné-Equatorial poderá servir para se repensar a verdadeira vocação da CPLP”:

Que tipo de Comunidade a organização persegue: Será um qualquer modelo de integração? (…) Será a CPLP apenas um palco de concertação política e diplomática, para facilitar a tomada de determinadas posições comuns na arena internacional? Será uma via para a promoção da língua portuguesa e de culturas afins? Será um mecanismo de protecção dos interesses de cidadãos de uns países dentro dos outros países membros? Será um expediente para a facilitação da promoção de negócios?

Este artigo foi escrito em conjunto com Ana Lúcia Sá [19].