Brasil: Piadas Sobre Estupro e o Limite do Humor

O comediante de Stand-Up brasileiro Rafinha Bastos, considerado pelo New York Times a celebridade que causa mais impacto no Twitter, levantou grande polêmica ao declarar em um show – e depois ter suas declarações reproduzidas pela revista Rolling Stone – que:

“Toda mulher que eu vejo na rua reclamando que foi estuprada é feia pra caralho.” […] “Tá reclamando do quê? Deveria dar graças a Deus. Isso pra você não foi um crime, e sim uma oportunidade.” […] “Homem que fez isso [estupro] não merece cadeia, merece um abraço.”

Sendo o estupro visto como “uma das formas de violência mais cruéis“, não tardaram a surgir manifestações de revolta contra as declarações de Rafinha Bastos. A blogueira feminista Bianca Cardoso, do blog Groselha News, explica:

Não é apenas a violência física, como uma porrada ou um chute no rim, é também a violação do corpo, do privado, do íntimo, a submissão e humilhação. Há também graves consequências, físicas e psicológicas que podem resultar desse ato. Desde uma gravidez, passando pela contaminação por doenças sexualmente transmissíveis, até ferimentos graves na vagina e no reto.

'Violação' Foto do usuário do Flickr Cidadania Queluz, sob licença Creative Commons 2.0 (by-nc-sa)

'Violação' Foto do usuário do Flickr Cidadania Queluz, sob licença Creative Commons 2.0 (by-nc-sa)

Moral ou Censura?

No Twitter, a tag #DebEstupro foi muito usada nas reações à controvérsia.

As cantoras e ativistas Elisa Gargiulo (@elisagargiulo) e Vange Leonel (@vleonel), apelaram à abertura de processos contra o comediante por apologia ao estupro, pressionando o Ministério Público e advogados a tomarem uma atitude. Gargiulo dizia:

Estupro = crime de poder (pobres, “feias”, lésbicas, sozinhas na rua). Achar estupro útil pra “feias” é incitar crime. Advogado bom dá conta.

Houve também quem defendesse o humorista, como o designer gráfico Odemilson Louzada (@Odemilsonjr), que considerou que “cobrar ética do Rafinha é mole”, e o rapper Fernando Rodox (@FernandoRodoxRj), que marcou  sua posição dizendo:

#Abaixoarepressao Sou Contra a Qualquer Tipo De Censura, Isso que Estão Fazendo Com @rafinhabastos é Censura!!! #Debestupro

Frente a isto, a jornalista Mayara Melo (@Mayroses) lamentou que houvesse tanta gente “para seguir, retuitar e ainda sair em defesa” de Rafinha Bastos. A professora Lola Aronovich, do blog Escreva Lola, Escreva, comentou sobre os fãs do comediante e aqueles que riem de suas piadas:

Esses fãs acham que estupro é sexo e não violência, é isso? Acham que alguém pode ser sortuda por ser vítima de um crime terrível? Acham que só mulheres bonitas costumam ser estupradas? Ah, então a verdade é uma só: esses fãs não sabem absolutamente nada sobre estupro! Estupro é só uma abstração pra eles, uma realidade tão distante que eles podem rir à vontade! Se eles conhecessem alguma pessoa que foi estuprada, provavelmente seria difícil rir dessas “verdades”.

O blogueiro Eduardo Guimarães vai além e critica a saúde da própria sociedade brasileira quando diz:

Parece bastante razoável, portanto, dizer que a sociedade brasileira – e, sobretudo, nossos jovens – está moralmente doente. Uma geração em que há tantas pessoas frias, cínicas, empedernidas é a que irá governar o Brasil do futuro. Uma geração diferente de todas as que a terão precedido, capaz de rir das desgraças alheias e de pregar atos criminosos como afogar ou estuprar pessoas.

E também sugere:

Caberia uma campanha publicitária de iniciativa do Estado exaltando valores humanistas e condenando esse tipo de mentalidade.

'Estupro é ódio. Vá em um encontro. Amor é o melhor. Não moleste. Use seu charme. Por favor não faça mal' Foto do usuário do Flickr Steve Rhodes, sob licença Creative Commons 2.0 (by-nc-nd)

'Estupro é ódio. Vá em um encontro. Amor é o melhor. Não moleste. Use seu charme. Por favor não faça mal' Foto do usuário do Flickr Steve Rhodes, sob licença Creative Commons 2.0 (by-nc-nd)

Limite do politicamente incorreto

A discussão acabou se voltando para o próprio humor, sobre seus limites e a crítica ao politicamente correto, entendido nas palavras do professor e blogueiro Idelber Avelar como “um suposto autoritarismo policialesco da esquerda no uso da linguagem”, com blogueiros discutindo até onde o humor pode chegar, o que é ofensivo e o que é, nas palavras de Bianca Cardoso,  um humor que “segue o pensamento de uma sociedade conservadora. Não é transgressor.”

Sobre isso, Lola Aronovich completa:

[…] muitas vezes o humor é transgressor. Mas o que esse pessoal que ataca minorias pra fazer piada precisa entender é que eles não estão transgredindo nada

Sobre o humor feito para ofender e diminuir as mulheres, a jornalista Amanditas, em seu blog, escreve:

A sociedade está tão cínica que hoje em dia a misoginia e o preconceito são semeados sob a máscara do “senso de humor”. E o pior: esse tipo de humor que exalta a depreciação da mulher é tido como um humor “moderno”, e orgulhosamente ostenta o rótulo do “politicamente incorreto”, sobrevivendo com lucros e audiência cativa na blogosfera brasileira.

"Eu não fiz nada para merecer estupro". Imagem de Steve Rhodes no Flickr, sob licença Creative Commons 2.0 (by-nc-nd)

"Eu não fiz nada para merecer estupro". Imagem de Steve Rhodes no Flickr, sob licença Creative Commons 2.0 (by-nc-nd)

Em uma entrevista à Revista Vice, o cartunista Laerte considera que “o humor não tem que ter limites”:

O que a gente tem que ter também é uma crítica ilimitada. O humor tem que ser solto como qualquer linguagem humana tem que ser solta e livre, o que a gente tem é que ter o direito de exercer o poder da crítica sobre isso permanentemente. Então você dizer que uma piada é racista, ou sexista, e argumentar nessa direção, não é censurá-la, é exercer seu direito de crítica.

A blogueira Renata Correa vai mais além e diz:

Gostemos ou não, o humor pode falar de tudo. De qualquer coisa. O humor é um reflexo da sociedade, uma lente pela qual olhamos a vida. Uma MANEIRA de olhar o que acontece ao nosso redor. […] não podemos dizer que existe, digamos, um “limite temático” para o humor. O humor deve ser engraçado. Fazer rir. E ponto

Mas ela alerta:

Uma piada que usa um tema machista, homofóbico ou racista não necessariamente é ruim, mas corre o risco extremo de não ser engraçada. Porque é uma piada velha. Já ouvimos isso milhões de vezes. Uma piada é boa quando reverbera, te tira da tua zona de conforto.

O blog Imprença finaliza:

Lembrando bem das palavras de mamãe:
Só é engraçado quando está todo mundo rindo. Quando um está chorando e os outros rindo não é brincadeira, é humilhação.
Acho que podemos partir daí. Não precisa ser chato, nem politicamente correto. Basta não fazer ninguém sofrer.

A ausência de uma posição sobre as declarações polêmicas de Rafinha Bastos por parte dos seus empregadores, o show CQC e a TV Bandeirantes (@e_band), foi criticada por vários no Twitter, como os jornalistas Gustavo Chacra (@gugachacra) e Fernanda Estima (@festimada), assim como as empresas que patrocinam o humorista – Pepsi Brasil (@pepsibr), Nokia Brasil (@nokiabrasil) e  a TV Via Embratel (@viaembratel) – foram pressionadas (Vange Leonel (@vleonel) e Elisa Gargiulo (@elisagargiulo)) a se pronunciarem sobre o caso. Até à data não houve reações.

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