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Brasil: Bullying Escolar e o Massacre de Realengo

Categorias: América Latina, Brasil, Educação, Juventude

Em 7 de abril de 2011, doze adolescentes [1] da Escola Municipal Tasso da Silveira no bairro de Realengo [2], na zona Oeste do Rio de Janeiro, foram mortas pelo ex-aluno Wellington Menezes de Oliveira [3], de 23 anos, que depois cometeu suicídio.

A tragédia despertou forte “indignação, repúdio e consternação [4]” em todo o Brasil, e na blogosfera de imediato se multiplicaram os lamentos e as demonstrações de revolta contra o assassino.

Questionário pendurado em frente a casa de Wellington. Foto do autor, Saulo Valley [5]

Questionário pendurado em frente a casa de Wellington. Foto do autor, Saulo Valley

O investigador Marcus Moura, num texto publicado no Facebook, manifestava a sua angústia [6] e adivinhava que a discussão que se seguiria ao massacre ia fazer questionar profundamente questões de fundo da sociedade brasileira:

(…) uma tristeza profunda, uma sensação de total impotência por saber que, nesse tempos estranhos que vivemos, é muito difícil evitar que a sociedade continue a gerar seus monstros. Impotência por fazer parte de um mundo que abriga esse tipo de distorção, essas manifestações exacerbadas não de ódio, mas de infelicidade.

Um passado de incompreensão

Uma crescente especulação sobre o perfil do atirador, tanto na blogosfera como na mídia tradicional, levantava várias hipóteses sobre a verdadeira motivação de Wellington para o crime.

Fotografia de Wellington segurando a carta de suicídio. Divulgada pela Polícia. [7]

Fotografia de Wellington segurando a carta de suicídio. Divulgada pela Polícia.

Corriam rumores de que ele seria muçulmano [8] por causa da sua “vestimenta especial do islamismo” e outros estereótipos.

Na carta [9] de suicídio que Wellington deixou, com um discurso fundamentalista, ele se referia aos “puros” e aos “fiéis”, despoletando interpretações diversas. O crítico de cinema e blogueiro Inácio Araújo escreveu [10] em seu blog:

Ele faz uma salada de Corão, Bíblia, retórica dos programas evangélicos da TV ou manifestos da Al Qaeda.

Quando começaram a ser divulgados ao público vídeos de Wellington [11] encontrados no seu computador, percebeu-se que as várias referências feitas a fiéis e infiéis demonstravam um peso que ele carregava desde sua infância, e não “uma divisão religiosa”, como explicam [12] os jornalistas Rodrigo Rotzsch e Diana Brito. É explorada a ideia de que:

“Fiéis” ou “irmãos” são os que, como afirma Wellington, sofrem bullying. “Infiéis” e “fornicadores” são os que praticam o bullying ou compactuam com a prática.

Num dos seus últimos vídeos, Wellington, desresponsabilizando-se pelas mortes que iriam ocorrer – “embora [seus] dedos [fossem] responsáveis por puxar o gatilho” – apresentava-se como representante dos que já foram vítima de bullying [13], uma prática cada vez mais comum de violência física ou moral, que não só toma lugar nas escolas mas também na vida adulta [14]:

Eu ainda me lembro de todas as humilhações que passei por estes covardes…
Todos precisam saber que existem irmãos dispostos pra matar e pra morrer em defesa dos mais fracos… Que ainda estão na condição de ser incapazes de se defender…

Bullying”: causa e efeito

Já em 2003 essa discussão tinha estado em debate [15], quando Edmar Aparecido Freitas, ex-aluno da Escola Estadual Coronel Benedito Ortiz, em Taiúva, uma pequena cidade no interior do estado de São Paulo, abriu fogo sobre ex-colegas [16], ferindo sete, e suicidando-se em seguida. Alegadamente [15], “durante a infância e boa parte da adolescência [Edmar] tornou-se alvo de chacotas por parte dos colegas”. Num de seus vídeos [17], Wellington fez homenagem ao Edmar pelo feito, indicando que seus “seguidores” o reverenciassem, sempre se lembrando dele em suas orações.

Anderson, um ex-colega de Wellington, comentou [18] um post no blog Diálogos Políticos, dizendo:

Eu estudei com esse rapaz e ele tinha problemas psicológicos, ele sempre ficava sozinho e os demais alunos zombavam dele pelo motivo de sempre andar com a cabeça baixa.

Opiniões de especialistas indicam [19] que “mesmo tendo sofrido bullying (…) Wellington causou o massacre por problemas psicológicos”.

Cleodelice Fante, pesquisadora do bullying escolar [20] e doutoranda em Ciências da Educação pela Universidade de Ilhas Baleares, Espanha, publicou no site Psicologia.com.br uma análise aprofundada das motivações e consequências tanto para os agressores como para as vítimas de bullying:

Este fenômeno comportamental atinge a área mais preciosa, íntima e inviolável do ser, a sua alma. Envolve e vitimiza a criança, na tenra idade escolar, tornando-a refém de ansiedade e de emoções, que interferem negativamente nos seus processos de aprendizagem devido à excessiva mobilização de emoções de medo, de angústia e de raiva reprimida. A forte carga emocional traumática da experiência vivenciada, registrada em seus arquivos de memória, poderá aprisionar sua mente a construções inconscientes de cadeias de pensamentos desorganizados, que interferirão no desenvolvimento da sua autopercepção e auto-estima, comprometendo sua capacidade de auto-superação na vida.

O blogueiro Vinicius Fleury, do blog Livro Mecânico, considera que o facto de Wellington ter sido vítima de “problemas incomuns” na escola, ter “propensão a problemas psicológicos”, e “não ter tido nenhum suporte” são “explicações” para o tiroteio [21], embora não o justifiquem:

o bullying que ele sofreu naquele colégio teve uma grande parcela de culpa, assim como os envolvidos em causar o bullying. Todo mundo era moleque, ninguém sabia o que estava fazendo direito, mas isso não exclui um fato. Se aconteceu, não da pra voltar no tempo. Agora vai de cada um saber conviver com sua parcela de culpa, mesmo que ninguém tenha tido essa intenção.

Meninas prestam suas homenagens as vítimas do massacre na escola Tasso da Silveira, em Realengo. Foto de Daniel Marenco no Flickr com Licença Creative Commons 2.0 [22]

Meninas prestam suas homenagens às vítimas do massacre na escola Tasso da Silveira, em Realengo. Foto de Daniel Marenco no Flickr com Licença Creative Commons 2.0

Para a blogueira e educadora Maria Frô, “a escola deve ser lugar mais sagrado que qualquer templo [23]“, e termina:

o mundo adulto é responsável pelas gerações futuras. Não fujamos de nossas obrigações. Isso significa que todo adulto deve ser responsável por qualquer criança. Isso significa, por exemplo, olharmos para além dos nossos umbigos, de nossas crias, de nossos alunos, isso exige de nós um compromisso maior e real com políticas públicas que sejam capazes de incluir, educar, prover de espaços culturais e de lazer, formar e amar todas as nossas crianças. Elas merecem um futuro melhor que balas na cabeça em seu espaço escolar.