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Brasil: Pela Abertura dos Arquivos da Ditadura

Categorias: América Latina, Brasil, Ativismo Digital, Direitos Humanos, História, Política
[1]

Charge de @tonoise, sob licença CC 2.0

A Ditadura Militar no Brasil [2]durou exatos 21 anos, de 1º de Abril de 1964 (o dia da mentira no Brasil, razão pela qual os militares apontam o dia anterior, 31 de março como dia do Golpe) até 15 de janeiro de 1985 e, durante este período de grande repressão política, 380 pessoas foram mortas [3] (uma boa parte de guerrilheiros de esquerda anti-Ditadura, mas muitos estudantes ou simplesmente cidadãos que não apoiavam o regime), entre as quais 147 continuam desaparecidos e nada se sabe sobre o destino de seus corpos.

Milhares de brasileiros, porém, foram vítimas de tortura sistemática e prisões arbitrárias, inclusive [4] mulheres grávidas e em alguns casos crianças, filhos dos presos políticos, assistiam [5] às sessões de tortura.

Em 28 de agosto de 1979, o então ditador, João Figueiredo [6], promulgou a lei 6.683, conhecida como Lei da Anistia [7] que virtualmente “desculpava” os militares e civis pró-regime associados a crimes cometidos durante o regime de exceção, já prevendo o fim próximo da Ditadura e a possibilidade de processos contra os criminosos.

O Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra [8] foi o único militar a ser processado e condenado [9], em 9 de outubro de 2008, passando a ser considerado oficialmente um torturador, ainda que a pena não acarretasse prisão ou pagamento de multa, sendo apenas declaratória.

Passados, porém, 25 anos do fim da Ditadura, até hoje nenhum militar foi punido e os arquivos relativos àquele período permanecem fechados, secretos, impedindo que as famílias dos 147 desaparecidos possam enterrar seus entes queridos e saber da verdade.

Baseado nisto, uma blogagem coletiva foi organizada [10] no mês de fevereiro para exigir a abertura dos arquivos da Ditadura, levando em conta que a própria presidenta da República, Dilma Rousseff [11], foi ela mesma vítima de tortura durante o período e lutou na guerrilha contra o regime autoritário.

Niara de Oliveira, do blog Pimenta com Limão, idealizadora da blogagem, dava as razões [12]:

Para que mais nenhuma mãe/pai morra sem saber o fim que a ditadura militar e o Estado brasileiro deram ao seu filho/a, que os arquivos secretos sejam reclassificados como públicos já e que seus torturadores e assassinos sejam identificados e punidos.

Afinal, não se constrói uma democracia plena com tantas ossadas escondidas dentro do armário.

Gabriel Pinheiro comenta [13]sobre suas expectativas quanto à Dilma Rousseff, torturada pela Ditadura e hoje presidenta do Brasil:

No dia em que foi empossada como Presidenta do Brasil, Dilma Rousseff emocionou-se ao lembrar de seus companheiros de luta que “tombaram na caminhada” contra o regime militar. Além disso, convidou ex-colegas de cárcere para a posse. O simbolismo presente na eleição da ex-militante é claro: ela também é hoje comandante suprema do Exército. Por esses e outros motivos, grande parte de seus eleitores, este que vos fala incluído, depositaram em Dilma a confiança de que uma postura diferente seria tomada com relação aos arquivos militares e investigações de crimes cometidos pelo Estado durante aquele período.

Leandro Parteniani não vê sentido [14] em manter os arquivos fechados depois de 25 anos do fim da Ditadura:

[…] não faz sentido nenhum, 25 anos depois da redemocratização, ainda termos documentos do período militar classificados como secretos, ultra-secretos ou restritos. Permitir que esses arquivos continuem fechados, longe das vistas da população, é negar à sociedade um direito fundamental e, portanto, inibir o avanço democrático. Afinal de contas, se as pessoas não compreendem exatamente o que aconteceu no seu passado, que valor darão à democracia? Como se espera afirmar um sistema democrático que esconde da sociedade parte de sua História?

Ele ainda defende a criação da Comissão da Verdade, assim como foi feito pelos países vizinhos ao Brasil:

Vale lembrar que, dentre os países envolvidos na Operação Condor (aliança de vários regimes militares da América do Sul, como Brasil, Argentina, Chile, Bolívia, Paraguai e Uruguai, para coordenar repressão a opositores de extrema esquerda), apenas o Brasil ainda não adotou uma Comissão da Verdade.

[15]

Homem no pau de arara. Carton de Carlos Latuff, sob licença CC

Ediane Oliveira nos lembra [16]que a Corte dos Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) julgou ilegal [17] a Anistia criada durante o Regime Militar e que o Brasil não se importou com a decisão:

A Corte dos Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) reconheceu a importância de se identificar e punir os torturadores da Ditadura Militar, decidindo que a manutenção da Lei da Anistia fere acordos internacionais assinados pelo Brasil. Mas, infelizmente, o governo brasileiro segue ignorando a decisão.

[…]

A tortura está institucionalizada no País porque não é possível punir tortura tendo anistiado os maiores torturadores de nossa história e nem sequer identificá-los.

Thiago Beleza compara e vê relação [18] entre a tortura do passado e a tortura hoje, nas delegacias de polícia:

A não punição dos assassinos e torturadores de ontem, é a certeza da não punição dos assassinos e torturadores de hoje. O Estado é conivente.

Rodrigo Cárdia compara [19]a situação do Brasil com a da Argentina, que vem julgando os militares criminosos:

A Argentina, é verdade, sofreu uma ditadura muito mais violenta que o Brasil. Em apenas sete anos, foram mais de 30 mil mortos e desaparecidos. Mas isso não faz com que os 21 anos de regime militar brasileiro mereçam ser esquecidos. Pois aqui também se prendeu, torturou, desapareceu e matou.

Amanditas é clara [20] sobre o direito das vítimas e suas famílias:

Essas famílias atingidas pelo “regime” não podem ser ignoradas, tratadas como se tivessem morrido juntamente com o “regime”. As famílias não acabaram: elas estão aí, querendo ter o que parece ser um privilégio: o direito de contar suas próprias histórias.

Por fim, Luka deixa claro [21]:

Abrir os arquivos da ditadura militar não é apenas honrar aqueles que tombaram naquela época, mas também mostrar que não aceitaremos mais ficar anos sem notícias de desaparecidos neste país. [22]

Pau de arara nunca mais.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) possui um abaixo-assinado [23] online para pedir pela abertura dos arquivos e lançou a Campanha Nacional pela Memória e pela Verdade, com atores famosos interpretando militantes de esquerda mortos e desaparecidos.