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Haiti: Wyclef foi baleado ou cortado por vidro?

Categorias: Caribe, Haiti, Eleições, Mídia Cidadã, Mídia e Jornalismo, Migração e Imigração, Política, Tecnologia

Nas primeiras horas da manhã do último domingo (20), enquanto haitianos dirigiam-se às urnas para o 2º turno de uma eleição presidencial histórica e controversa, uma história sobre Wyclef Jea [1] (uma estrela do hip hop nascida no Haiti e conhecido no mundo como parte do agora extinto grupo The Fugees) monopolizou o noticiário na mídia [2] [en] do Haiti por boa parte do dia.

Enquanto eleitores haitianos esperavam pelas cédulas de votação por quase quatro horas em alguns locais, agências de notícias reportaram que Wyclef teria sido atingido por uma bala na mão. O acidente teria acontecido na capital do Haiti, Porto Princípe, nos arredores do bairro de Delmas, na noite do sábado (19).

Seria um furo jornalístico?

Image of Wyclef's injury, tweeted by his cousin and former bandmate @PrasMichel. [3]

Imagem do machucado de Wyclef twittada pelo primo dele e ex-parceiro de banda @PrasMichel.

Entre os twitteiros haitianos, muitos deles eleitores da candidata à presidência Mirlande Manigat [4], muitos estavam céticos em relação à história do disparo. As possíveis razões para a dúvida deles incluem o fato de que Wyclef apoiava o oponente da candidata, Michel Martelly [5], na corrida presidencial, e até o dia das eleições, os assassinados durante a campanha eram eleitores de Manigat.

Jean-Junior Joseph (@jeanjuniorj [6]), um secretário de comunicações de Manigat, questionou via Twitter a história de Wyclef sobre o tiro [7] [en], no domingo (20):

@jeanjuniorj [8]: Regarding Wyclef Jean, I just spoke to Gary Desrosiers the Police Depart[ment] spokesperson, he said Wyclef refuses to see police investgator [sic]

@jeanjuniorj [8]: A respeito de Wyclef Jean, acabei de falar com o porta-voz do Departamento de Polícia, Gary Desrosiers; ele disse que Wyclef se recusa a ver um investigador de polícia.

@jeanjuniorj [9]: Wyclef Jean at his hotel does not allow the police dept investigator examine his hand. He can't confirm whether or not it's about “shooting”

@jeanjuniorj [9]: Wyclef Jean está no hotel e não permite que o investigador examine a mão dele. Então, ele não pode confirmar se é ou não um tiro.

A jornalista do Miami Herald, Jacqueline Charles, confirmou essas informações no mesmo dia, tendo ela mesma chamado a Polícia Nacional:

@jacquiecharles [10]:
#Haitian [11] National Policespokesman Garry Desrosier tells @miamiherald [12] “police can't confirm Wyclef [13] shooting. He refused 2 meet.” #elections [14]

#Haitian [11] Porta-voz da polícia nacional Garry Desrosier fala: @miamiherald [12] “A polícia não tem como confirmar o tiro em Wyclef [13] [en]. Ele se recusou a aparecer.” #elections [14]

As mensagens de Joseph no Twitter criticam a rede americana de TV CNN, que publicou as notícias sem primeiro ter entrevistado autoridades locais:

@jeanjuniorj [15]:
In Port-au-Prince, Media commentators still wonder why CNN is reporting the Wyclef Jean's news while the Police Dept can't confirm it

@jeanjuniorj [15]: Em Porto Princípe, comentaristas da mídia ainda se perguntam por que a CNN está reportando notícias sobre Wyclef Jean se o departamento de polícia ainda não pode confirmar a informação.

@jeanjuniorj [16]: CNN needs to call the Police Department now. No counter balance in the News for Wyclef. International media needs to contact police sources

@jeanjuniorj [16]: A CNN precisa ligar para o Departmento de Polícia agora. Ninguém procurou ouvir o outro lado, neste caso de Wyclef. A mídia internacional precisa contactar as fontes da polícia.

@jeanjuniorj [17]: Reuters saw Wyclef Jean. Wyclef is fine. CNN needs to stop propagating the news that Wyclef was [s]hot in hands.

@jeanjuniorj [17]: A agência de notícias Reuters diz que viu Wyclef Jean. Wyclef está bem. A CNN precisa parar de propagar a notícia de que Wyclef foi baleado nas mãos.

E então entra Pras

Numa enxurrada de twee ts publicados no dia 20 de março, Pras Michel, primo de Wyclef e ex-parceiro da banda Fugees, sugeriu que o tiro alegado era uma tentativa de frustrar a candidatura presidencial de Martelly.

@PrasMichel [18]:
Thanks for all your support Wyclef is fine one bullet is [not] going to stop us, we going out today to Vote for 8

@PrasMichel [18]: Obrigado a todos pelo apoio a Wyclef, ele está bem e não vai ser uma bala que vai nos parar e nos vamos sair hoje para votar no 8.

Num tom que lembrava as letras do rap gangsta e na mesma linha de uma declaração anterior de que os eleitores de Martelly iriam queimar o Haiti em caso de derrota, Michel acrescentou:

@PrasMichel [19]: Mess with me, I'll fight back. Mess with my friends, I'll hurt you. Mess with the ones I love, and they'll never be able to identify you.

@PrasMichel [19]:Mexa comigo, e eu revido. Mexa com meus amigos, e eu te machuco. Mexa com quem eu amo, e nunca mais eles irão poder te identificar.

Jean-Junior Joseph retrucou:

@jeanjuniorj [20]: Just saw Pras Michel's tweet about Wyclef. I want you to know PrasMichel is liying [sic]. Guy C Delva, friend of Wyclef says it's a lie

@jeanjuniorj [20]:Acabei de ver o twitter de Pras Michel sobre Wyclef. Eu quero que vocês saibam que PrasMichel está mentindo. Guy C Delva, amigo de Wyclef, disse que isso era uma mentira.

De fato, Guyler C. Delva, correspondente da Reuters no Haiti, corrigiu [21] a explicação repassada pela CNN, depois de falar com o doutor de Wyclef, declarando que o boletim inicial era “falso” e que o chefe de polícia da área em que Wyclef está ficando confirmou “que ele sofreu apenas um pequeno corte de vidro nas mãos.”

O jornal New York Daily e outros também acabaram se corrigindo, mas outras agências de notícias no mundo persistiram em reportar [22] até segunda-feira à noite que Wyclef teria sido atigindo por uma bala.

Uma tendência a ignorar autoridades locais

A alegação feita pela CNN de que não conseguiu entrar em contato com o chefe de polícia Haitiano para corroborar com a história é compatível com os recentes comentários feitos pela blogueira e jornalista Carla Murphy. Ela é fundadora do Quando a Diáspora e a Indústria do Desenvolvimento se Encontram [23] (When the Diaspora and Development Industry Meet), um projeto cidadão que capacita as vozes da diáspora haitiana na reconstrução do País. Murphy recentemente enfatizou uma tendência por parte de jornalistas estrangeiros [24] a ignorar a versão das autoridades haitianas:

Snow wasn’t removed on time after a huge storm this holiday season and within hours every New Yorker knew the name of the head of the department of sanitation. No reporter would’ve covered that story without answering the main question: ‘Who f%$ked up?'—and that’s just snow.

Unfortunately [the] ‘no one’s in charge’ message regarding Haiti is the norm. Foreign journalists and bloggers rarely name officials below the level of Bill Clinton, René Préval, Jean-Max Bellerive or Nigel Fisher. (I recall being pleasantly surprised last year when a real-life mayor of Port-au-Prince appeared during a 60 Minutes segment.)

But bureaucracies—as broken, inefficient, corrupt, overwhelmed, under-resourced, under-staffed or disparate as they may be—exist in Haiti.

Camps have residential leadership structures […] Then of course there is local government, police and Haiti’s women’s and health ministries as well as the Interim Haiti Recovery Commission (IHRC). Journalists undercut any possibility of public pressure on the cogs within the above bureaucracies when we write them out of our stories. […]

But these omissions happen again and again, as is to be expected, when parachute journalists write for parachute readers. […]

The diaspora is looking for the same ‘naming’ function in Haiti articles that domestic U.S. readers take for granted.

A neve não foi removida a tempo na última estação e dentro de poucas horas todos os nova-iorquinos sabiam o nome do chefe do Departamento de Saneamento. Nenhum repórter iria cobrir aquela história sem responder a principal pergunta: ‘Quem seria o reponsável?'— e isso foi apenas neve.

Infelizmente, a encarregada pelas mensagens a respeito do Haiti, é a “norma”. Jornalistas estrangeiros e blogueiros raramente citam oficiais num nível menor que o de Bill Clinton, René Préval, Jean-Max Bellerive ou Nigel Fisher. (Eu lembro estar sendo agradavelmente surpreendido no ano passado quando um prefeito da vida real de Porto Princípe apareceu durante 60 minutos.)

Mas burocracias— tão falhas, ineficientes, corruptas, oprimidas, com poucos recursos, mal preenchidas ou desiguais devem existir— existem no Haiti.

Cada campo tem uma estrutura de liderança[…] Então, claro que existe um governo local, polícia, mulheres haitianas e Ministros da Saúde, assim como também uma comissão interina para a reconstrução do Haiti. Jornalistas minam qualquer possibilidade de pressão pública entre as burocracias de cima quando nós os deixamos fora de nossas histórias. […] Mas essas omissões acontecem de novo e de novo, como já era de se esperar, quando jornalistas paraquedistas escrevem para leitores paraquedistas.  […]

A diáspora está procurando por essa função de ‘citar nomes’ em artigos sobre o Haiti, que leitores americanos já consideram algo usual.

Quando Hollywood se encontra com a Política Haitiana

Usuários haitianos do Twitter de diversas filiações politícas deram boas gargalhadas com esse drama, frequentemente referindo-se à influência de Hollywood nos rappers haitiano-americanos com ambições políticas:

@Twitjako [25]: La police rejette la these d'attaque armee contre Wyclef Jean. La blessure aurait ete causee par un verre. #hollywood [26] #lie [27] #movie [28] #wyclef [29]

@Twitjako: A polícia rejeita a tese de um ataque armado a Wyclef Jean. A ferida pode ter sido causada por um copo. #hollywood #mentira #filme #wyclef

@MasterSunBC [30]: System lan chanje vre,men kounya Haiti tounen Hollywood…Big movie!

@MasterSunBC: O sistema deve realmente ter mudado. Haiti se transformou em Hollywood agora… Grande filme!

@MasterSunBC [30]: Gade yon film … LOL… Mesye respekte pèp la tande!

@MasterSunBC: Mas que novela… rsrsr… Gente, um pouco mais de respeito com as pessoas!

@SeTawTaw [31]: Kibo wycleff te ye le yo tire bal la? Machine lan blende e vit machine blende paka desann! Kibol te ye?

@SeTawTaw: Onde estava Wyclef quando a bala foi disparada? O carro era blindado e as janelas também, seria quase impossível algo penetrar! Onde é que ele estava?

@ThirdWorldGirl [32]: If Wyclef lied about that shooting all credibility he had is now out the door.

@ThirdWorldGirl: Se Wyclef tiver mentido sobre o tiro toda a credibilidade que ele tinha vai ficar abalada.

@melindayiti [33], que estava incrédula sobre as notícias que falavam do machucado de Wyclef como o “mais importante” evento do processo eleitoral haitiano, resumindo isto desta maneira:

@melindayiti [34]: @IonError [35] didn't mean to be flip or rude, I just really hate Wyclef's antics and the way they detract from more important Haitian stories

@melindayiti: @IonError Eu não quis parecer rude ou grosseiro, mas eu realmente odeio as palhaçadas do Wyclef e a maneira como elas distraem o povo das histórias mais importantes do Haiti.