Nas primeiras horas da manhã do último domingo (20), enquanto haitianos dirigiam-se às urnas para o 2º turno de uma eleição presidencial histórica e controversa, uma história sobre Wyclef Jea (uma estrela do hip hop nascida no Haiti e conhecido no mundo como parte do agora extinto grupo The Fugees) monopolizou o noticiário na mídia [en] do Haiti por boa parte do dia.
Enquanto eleitores haitianos esperavam pelas cédulas de votação por quase quatro horas em alguns locais, agências de notícias reportaram que Wyclef teria sido atingido por uma bala na mão. O acidente teria acontecido na capital do Haiti, Porto Princípe, nos arredores do bairro de Delmas, na noite do sábado (19).
Seria um furo jornalístico?
Entre os twitteiros haitianos, muitos deles eleitores da candidata à presidência Mirlande Manigat, muitos estavam céticos em relação à história do disparo. As possíveis razões para a dúvida deles incluem o fato de que Wyclef apoiava o oponente da candidata, Michel Martelly, na corrida presidencial, e até o dia das eleições, os assassinados durante a campanha eram eleitores de Manigat.
Jean-Junior Joseph (@jeanjuniorj), um secretário de comunicações de Manigat, questionou via Twitter a história de Wyclef sobre o tiro [en], no domingo (20):
@jeanjuniorj: Regarding Wyclef Jean, I just spoke to Gary Desrosiers the Police Depart[ment] spokesperson, he said Wyclef refuses to see police investgator [sic]
@jeanjuniorj: Wyclef Jean at his hotel does not allow the police dept investigator examine his hand. He can't confirm whether or not it's about “shooting”
A jornalista do Miami Herald, Jacqueline Charles, confirmou essas informações no mesmo dia, tendo ela mesma chamado a Polícia Nacional:
@jacquiecharles:
#Haitian National Policespokesman Garry Desrosier tells @miamiherald “police can't confirm Wyclef shooting. He refused 2 meet.” #elections
As mensagens de Joseph no Twitter criticam a rede americana de TV CNN, que publicou as notícias sem primeiro ter entrevistado autoridades locais:
@jeanjuniorj:
In Port-au-Prince, Media commentators still wonder why CNN is reporting the Wyclef Jean's news while the Police Dept can't confirm it
@jeanjuniorj: CNN needs to call the Police Department now. No counter balance in the News for Wyclef. International media needs to contact police sources
@jeanjuniorj: Reuters saw Wyclef Jean. Wyclef is fine. CNN needs to stop propagating the news that Wyclef was [s]hot in hands.
E então entra Pras
Numa enxurrada de twee ts publicados no dia 20 de março, Pras Michel, primo de Wyclef e ex-parceiro da banda Fugees, sugeriu que o tiro alegado era uma tentativa de frustrar a candidatura presidencial de Martelly.
@PrasMichel:
Thanks for all your support Wyclef is fine one bullet is [not] going to stop us, we going out today to Vote for 8
Num tom que lembrava as letras do rap gangsta e na mesma linha de uma declaração anterior de que os eleitores de Martelly iriam queimar o Haiti em caso de derrota, Michel acrescentou:
@PrasMichel: Mess with me, I'll fight back. Mess with my friends, I'll hurt you. Mess with the ones I love, and they'll never be able to identify you.
Jean-Junior Joseph retrucou:
@jeanjuniorj: Just saw Pras Michel's tweet about Wyclef. I want you to know PrasMichel is liying [sic]. Guy C Delva, friend of Wyclef says it's a lie
De fato, Guyler C. Delva, correspondente da Reuters no Haiti, corrigiu a explicação repassada pela CNN, depois de falar com o doutor de Wyclef, declarando que o boletim inicial era “falso” e que o chefe de polícia da área em que Wyclef está ficando confirmou “que ele sofreu apenas um pequeno corte de vidro nas mãos.”
O jornal New York Daily e outros também acabaram se corrigindo, mas outras agências de notícias no mundo persistiram em reportar até segunda-feira à noite que Wyclef teria sido atigindo por uma bala.
Uma tendência a ignorar autoridades locais
A alegação feita pela CNN de que não conseguiu entrar em contato com o chefe de polícia Haitiano para corroborar com a história é compatível com os recentes comentários feitos pela blogueira e jornalista Carla Murphy. Ela é fundadora do Quando a Diáspora e a Indústria do Desenvolvimento se Encontram (When the Diaspora and Development Industry Meet), um projeto cidadão que capacita as vozes da diáspora haitiana na reconstrução do País. Murphy recentemente enfatizou uma tendência por parte de jornalistas estrangeiros a ignorar a versão das autoridades haitianas:
Snow wasn’t removed on time after a huge storm this holiday season and within hours every New Yorker knew the name of the head of the department of sanitation. No reporter would’ve covered that story without answering the main question: ‘Who f%$ked up?'—and that’s just snow.
Unfortunately [the] ‘no one’s in charge’ message regarding Haiti is the norm. Foreign journalists and bloggers rarely name officials below the level of Bill Clinton, René Préval, Jean-Max Bellerive or Nigel Fisher. (I recall being pleasantly surprised last year when a real-life mayor of Port-au-Prince appeared during a 60 Minutes segment.)
But bureaucracies—as broken, inefficient, corrupt, overwhelmed, under-resourced, under-staffed or disparate as they may be—exist in Haiti.
Camps have residential leadership structures […] Then of course there is local government, police and Haiti’s women’s and health ministries as well as the Interim Haiti Recovery Commission (IHRC). Journalists undercut any possibility of public pressure on the cogs within the above bureaucracies when we write them out of our stories. […]
But these omissions happen again and again, as is to be expected, when parachute journalists write for parachute readers. […]
The diaspora is looking for the same ‘naming’ function in Haiti articles that domestic U.S. readers take for granted.
Infelizmente, a encarregada pelas mensagens a respeito do Haiti, é a “norma”. Jornalistas estrangeiros e blogueiros raramente citam oficiais num nível menor que o de Bill Clinton, René Préval, Jean-Max Bellerive ou Nigel Fisher. (Eu lembro estar sendo agradavelmente surpreendido no ano passado quando um prefeito da vida real de Porto Princípe apareceu durante 60 minutos.)
Mas burocracias— tão falhas, ineficientes, corruptas, oprimidas, com poucos recursos, mal preenchidas ou desiguais devem existir— existem no Haiti.
Cada campo tem uma estrutura de liderança[…] Então, claro que existe um governo local, polícia, mulheres haitianas e Ministros da Saúde, assim como também uma comissão interina para a reconstrução do Haiti. Jornalistas minam qualquer possibilidade de pressão pública entre as burocracias de cima quando nós os deixamos fora de nossas histórias. […] Mas essas omissões acontecem de novo e de novo, como já era de se esperar, quando jornalistas paraquedistas escrevem para leitores paraquedistas. […]
A diáspora está procurando por essa função de ‘citar nomes’ em artigos sobre o Haiti, que leitores americanos já consideram algo usual.
Quando Hollywood se encontra com a Política Haitiana
Usuários haitianos do Twitter de diversas filiações politícas deram boas gargalhadas com esse drama, frequentemente referindo-se à influência de Hollywood nos rappers haitiano-americanos com ambições políticas:
@Twitjako: La police rejette la these d'attaque armee contre Wyclef Jean. La blessure aurait ete causee par un verre. #hollywood #lie #movie #wyclef
@MasterSunBC: System lan chanje vre,men kounya Haiti tounen Hollywood…Big movie!
@MasterSunBC: Gade yon film … LOL… Mesye respekte pèp la tande!
@SeTawTaw: Kibo wycleff te ye le yo tire bal la? Machine lan blende e vit machine blende paka desann! Kibol te ye?
@ThirdWorldGirl: If Wyclef lied about that shooting all credibility he had is now out the door.
@melindayiti, que estava incrédula sobre as notícias que falavam do machucado de Wyclef como o “mais importante” evento do processo eleitoral haitiano, resumindo isto desta maneira:
@melindayiti: @IonError didn't mean to be flip or rude, I just really hate Wyclef's antics and the way they detract from more important Haitian stories