Debates quanto à extensão da liberdade de expressão online são quase tão antigos quanto a própria Internet. Mas o rápido desenvolvimento da RuNet (acrônimo para “internet russa”) nos últimos anos tem apenas começado a testar os limites do que se pode dizer na rede. O exército de blogueiros e seus esforços entusiásticos em defender a liberdade online desenham um cenário otimista para o futuro da blogosfera.
Um dos casos mais marcantes de liberdade online na Rússia começou um tanto vagarosamente.
Em setembro de 2010, Pavel Safronov, da cidade de Syktyvkar (também conhecido na internet como o blogueiro onchoys), reclamou num post em seu blog [ru] da baixa velocidade da internet e da inacessibilidade ao Twitter e ao LiveJournal.com, uma popular plataforma de blog no país. Safronov ligou esses fatos à visita do Primeiro Ministro russo Vladimir Putin a Syktyvkar e, frustrado, o chamou de “pid…z”, um termo ofensivo em russo que originalmente era usado para indicar um homem homossexual, mas que depois passou a ser um meio comum de se referir a qualquer pessoa desagradável.
Originalmente, o post no blog não recebeu muita atenção da audiência russa. Apenas um punhado de internautas viram o post e deixaram comentários.
O que começou a chamar a atenção de um público mais amplo foi uma reclamação de Veronika Gorbachova, uma das líderes do grupo de jovens russo “Nemezida” e ativista do partido semi-oposicionista LDPR (Liberal Democratic Party of Russia, ou “Partido Liberal Democrata da Rússia”). Ela estava ultrajada pelo grau de desrespeito de Safranov para com Vladimir Putin e pediu às autoridades que pusessem ordem no blogueiro.
Dois meses após a reclamação, a promotoria regional abriu uma investigação [ru] contra Safronov, e as autoridades imediatamente visitaram o apartamento do blogueiro e o escritório da revista “Krasnoe Znamya“, onde Safronov trabalhava.
Yevgeny Chichvarkin [en] (usuário chich8 do LiveJournal), empresário russo exilado, que elaborou uma extensiva linha do tempo dos eventos [ru] acerca deste caso, deu sua explicação para a corrida inesperada das autoridades regionais:
Такая невиданная скорость для удаленного от Москвы региона не может быть связана ни с чем, кроме как со звонком из Москвы. Приезжая в редакцию журнала “Красное знамя”, сотрудники Подразделения «К» МВД РФ должны были формально отрапортовать, что они среагировали в тот же день, но его не нашли. Так как Павел с ними давно знаком, и не находился в конфликте, этого вообще можно было и не делать.
Um dia depois, as autoridades confiscaram o laptop e o iPad de Safronov de seu escritório. Foi então que proeminentes blogueiros russos pegaram a história e a RuNet explodiu com comentários e re-postagens, levando a história a um final positivo, mas inesperado.
Um dos internautas famosos, navalny, postou a história em seu blog. No dia seguinte, os motores de busca imparciais do Yandex.ru, a ferramenta de busca mais popular na Rússia, automaticamente colocaram o post orginial de Safronov na seção “usuários agora procuram”. Horas depois, a administração do Yandex.ru percebeu o “erro” e retirou essa seção de seu site, deixando um espaço em branco onde tal seção constumava ficar. Esta estranha ação de confinar os tópicos mais procurados apenas contribuiu para a frustração dos blogueiros.
Safranov publicou uma carta em tom um tanto bem-humorado [ru], onde explicou que acreditava honestamente que muitas pessoas no time de Putin eram homossexuais, baseado num escandaloso livro de Alexander Korzhakov, chefe do serviço de segurança de Boris Yeltsin, que afirmava que muitos dos membros do “time de Yeltsin tiveram experiências homossexuais”.
Outro tema popular do blogueiro envolvia uma enquete [ru], perguntando aos usuários se achavam que “*****” (ele intencionalmente colocou asteriscos ao invés do nome de Putin) era um “pid…z”. A maioria dos leitores respondeu que “*****” É um “pid…z”.
O famoso blogueiro teh-nomad fez a mesma pergunta em seu blog e outros blogueiros correram para comentar.
Excluindo-se os mamutes da RuNet, a blogosfera contou com centenas de casos onde blogueiros “comuns” fizeram referência ao caso. A reação da RuNet foi previsivelmente homogênea: as pessoas apoiaram onchoys e defenderam seu direito de dizer o que pensa sobre Vladimir Putin.
Aparentemente, as autoridades não puderam suportar essa publicidade negativa por mais tempo. Apenas um dia após o problema ter ganhado notoriedade na blogosfera, em 23 de dezembro, o Departamento Geral de Procuradoria da Rússia divulgou uma nota à imprensa indicando o encerramento do caso contra Safronov. A blogosfera orgulhosamente comemorou sua merecida vitória!
O caso de onchoys mostrou a crescente influência da RuNet e de seu efeito direto sobre as autoridades russas. Fechar um caso contra alguém por conta da reação na RuNet ainda não é comum no país, mas rapidamente pode vir a ser.
O caso também demonstrou a importância de blogueiros populares, que podem facilmente promover um tópico e fazer sua audiência ficar atenta a um problema que, de outra forma, teria passado desapercebido.
Sem sombra de dúvida, esta história de sucesso renovará a noção do poder da RuNet aos internautas e lembrará as autoridades russas que conter a liberdade de expressão online pode ser muito mais difícil do que pensavam.
2 comentários
Eu critico políticos de meu país, sempre que fico sabendo de alguma notícia sobre seus podres eu digo aos meus amigos, colegas e quem estiver perto, mas não digo que são homossexuais, não associo homosexualidade com corrupção, agora esse cara, Safronov, faz comentários preconceituosos e é recebido como herói? Cadê o respeito? O cara sofreu perseguição devido ao seu posicionamento político e agora faz o mesmo para quem tomou um posicionamento em sua vida sexual diferente da dele. O que tem haver opção sexual, reliogiosa ou qualquer outro estilo de vida com o fato de alguém ser autoritário, corrupto ou incompetente? Eu tenho minhaopção sexual, política, tenho minha religião mas respeito quem tenha uma posição diferente.
Não creio, caro anônimo, que seja esse o sentido da reacção de Safronov. “Mariquinhas” e “mariconsos”, (para não usar agora expressões mais duras e reportando-me ao significado corrente de tais palavras a sul do Rio Minho) não se referem necessariamente a “opções sexuais”. E também não estou seguro que a “homosexualidade” seja uma simples “opção” (tem todo o aspecto de ser conduta socialmente induzida, com função social infelizmente precisa e utilidade económica, até). A palavra, de resto, é uma invenção vitoriana com propósitos nada inocentes, tanto quanto vejo… Mas Safronov queria basicamente irritar o ***** e não a si. (Irritar o ***** parece-me de direito natural, embora eu simpatize com ele e prefira, em quanto me diz respeito, irritar outras pessoas). Não sabemos se Safronov irritou o ***** que, se bem lhe interpreto as reacções, deve ter ficado mais espantado que outra coisa, se acaso teve, sequer, conhecimento do escrito (provavelmente, no máximo, ouviu apenas uma versão muito deferente e muito sucinta e nem sequer terá voltado a lembrar-se disso). Safronov não é um problema para *****, tenho a certeza. Embora possa ter problemas, designadamente com os quadros médios, e devamos nisso dar-lhe uma ajuda.