- Global Voices em Português - https://pt.globalvoices.org -

Brasil: Visita de Obama é marcada por protestos, repressão e críticas

Categorias: América do Norte, América Latina, Brasil, Estados Unidos, Direitos Humanos, Mídia Cidadã, Protesto, Relações Internacionais

O presidente dos Estados Unidos Barack Obama deixou hoje o Brasil, primeira parada de seu rápido giro pela América Latina para estreitar laços econômicos, seguindo para Santiago, Chile, e depois para El Salvador. Programada para ser uma festa, a primeira visita de Obama ao Brasil foi marcada pela polêmica decisão da intervenção militar na Líbia, além de maquiagem em favelas e repressão policial a protestos.

Obama Go Home

Antes mesmo de tocar o solo brasileiro, a visita já causava polêmica. No início da noite de sexta-feira, um protesto na frente do Consulado dos Estados Unidos no Rio teve um desfecho violento. Dos mais de 300 ativistas presentes, treze pessoas foram presas depois que um coquetel molotov foi arremessado contra o Consulado, segundo a polícia, que reagiu com tiros de balas de borracha, spray de pimenta e bombas de efeito moral.

O vídeo acima mostra pessoas cantando palavras de ordem contra a visita de Obama, o suposto interesse americano no petróleo brasileiro e o iminente ataque à Líbia. A partir de 1’45”, ouve-se barulho de explosões seguido de correria. Na caixa de comentários, graficautopica [1] nega a versão policial:

Este espírito pacífico era compartilhado pelos manifestantes. Entendemos que transformar a passeata em uma batalha apenas favoreceria o imperialismo, evitando que se discuta as verdadeiras intenções da visita. Neste sentido, desconhecemos os autores do ataque e queremos vir a público declarar nossa desconfiança de que provocadores tenham se infiltrado no ato, com esse objetivo.

Os detidos foram acusados de lesão corporal, tentativa de incêndio e formação de quadrilha. Na blogosfera, estão sendo chamados de presos políticos. Para Anderson Balotta [2], o caso está mal explicado:

pelo que pude perceber se tratou de uma prisão arbitrária de militantes que estavam passando no local e hora e acabaram pagando pelo pato. Novos presos políticos no país da democracia, justamente na visita de Obama e a contradição em alto, che cosa bella, mia gente!!!
Não espere ouvir um parecer da grande mídia (porque esta, está comprometida com as belezas da visita de Obama).

Cerca de uma hora após a despedida do presidente Barack Obama, a Justiça emitiu um despacho a favor da soltura dos manifestantes, que já estão livres.

Entre Dilma e Líbia

Presidente dos EUA Obama é recebido na capital Brasilia. Foto de William Volcov, copyright Demotix (19/03/11) [3]

Presidente dos EUA Obama é recebido na capital Brasilia. Foto de William Volcov, copyright Demotix (19/03/11).

A primeira etapa da viagem em Brasília foi marcada pelo aval ao ataque militar à Líbia [4], decisão tomada por Obama, segundo o jornal Folha de S.Paulo, durante a audiência com a presidente Dilma Rousseff. Obama teria recebido um bilhete e reagido dizendo que as “providências” teriam de ser tomadas. Para José Reinaldo Carvalho [5], editor do site Vermelho, Obama desonrou o Brasil ao começar no país uma “guerra disfarçada de causa humanitária”:

Em atitude que viola as regras da hospitalidade, constrangendo o anfitrião, Obama simplesmente desonrou o Brasil, ao fazer uma declaração de guerra no país que por princípio constitucional e tradição advoga a solução pacífica dos conflitos internacionais. O presidente estadunidense ignorou o fato de que o Brasil se absteve na votação da resolução do Conselho de Segurança da ONU que abriu a via legal para a agressão, “por não estar seguro de que o uso da força é o melhor caminho”, conforme explicou a embaixadora Viotti, representante do Brasil no órgão das Nações Unidas.

Para americano ver

Moradores da Cidade de Deus se divertem como podem durante a visita de Obama. Twitpic de @djvivireis [6]

Moradores da Cidade de Deus se divertem como podem durante a visita de Obama. Twitpic de autor que solicitou não ser identificado

O presidente Obama fez uma frenética passagem pelo Rio de Janeiro no domingo, dedicando meia hora de seu tempo à favela Cidade de Deus, onde a visita relâmpago gerou nova polêmica: moradores reclamaram da maquiagem para deixar a favela apresentável e criticaram as regras de segurança impostas pela Casa Branca, como o cordão de isolamento de 300 metros que retirou moradores de suas casas, e a revista imposta a todos, inclusive crianças. Diante das exigências, a Central Única das Favelas do Rio retirou-se da organização, recusando-se a “servir de palco exótico [7]“. Seu fundador, Celso Athayde, desabafou [8] em várias mensagens no Twitter:

Vou tuitar para o consulado para eles não tirarem as pessoas de casa, e não revistar os pretinhos de 3 anos de idade dentro da própria casa

Aqui ele faz um resumo da visita [8] do ponto de vista dos moradores:

é isso, eu vou na sua casa, mas eu não quero vc em casa. Uma questão de segurança. Então fica na casa branca irmão #tofora

Um vídeo da cobertura colaborativa da comunidade [9] publicado no blog A Voz da Cidade de Deus mostra o que não passou na TV:

mostra sem maquiagem os bastidores do evento e a frustação dos moradores da comunidade em não ter visto o presidente dos E.U.A. Alem disso o video mostra um morador que reclama de um policial que o agrediu.

http://www.youtube.com/watch?v=4YRkIFPYFAU [10]

Em suma

Resumindo os principais acontecimentos da visita, Cristina Rodrigues [11] aponta o que chama de retrocesso da política externa brasileira:

Nossos ministros foram revistados por americanos em território brasileiro para participar de evento com Barack Obama. Em cima da hora, por medo de vaias, a comitiva de Obama desiste do discurso em público e o Theatro Municipal é obrigado a cancelar sua programação para receber o presidente americano. Moradores da Cidade de Deus são obrigados a sair de suas casas (!!) para a passagem de Obama pela favela. Isso sem falar que foi daqui que Obama ordenou a invasão à Líbia.

O problema não é demonstrar prestígio a um presidente de outra nação. Tampouco criar condições especiais para que uma cidade receba uma liderança assim com segurança e conforto, fazendo-lhe algumas de suas vontades. O problema está no nível das exigências feitas por essa liderança e a necessidade de o país se rebaixar para cumpri-las. Isso um governo soberano não pode deixar acontecer.

Rudá Ricci [12] não saberia avaliar a visita de Obama, que, para ele, ressaltou a pobreza editorial da imprensa brasileira:

Não soubemos o que faz Obama ser tão criticado em seu país por estar aqui; não soubemos claramente sua pauta (aviões? incorporação efetiva do país ao eixo ocidental liderado pelos EUA? Pré-sal?); análise dos acordos assinados. Sem saber claramente seus objetivos não conseguimos analisar seu sucesso.

Obama e o Cristo Redentor, no Twitpic, por @anglinho [13]

Obama e o Cristo Redentor, no Twitpic, por @anglinho