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Timor-Leste: Konis Santana, um humilde herói da guerrilha

Categorias: Leste da Ásia, Timor Leste, Guerra & Conflito, História

Tal como qualquer país nascido de uma longa luta armada de resistência, em Timor Leste [1] as histórias de divisão dentro da  própria resistência são várias, e bastante fortes. Mas uma figura da guerrilha que aparentemente tem uma poderosa capacidade unificadora é Konis Santana, que morreu antes de ver o seu povo ganhar a independência.

Santana no seu abrigo subterrâneo. Foto: José Sequeira. Arquivo Museu da Resistência. [2]

Santana no seu abrigo subterrâneo. Foto: José Sequeira. Arquivo Museu da Resistência.

Esta semana, no aniversário da sua morte, o jornal timorense Tempo semanal relatou [3] [Tet]:

Ema lubun bo'ot ida halibur aan iha Mertutu dezde hodiseik (10/03) hodi hanoin hikas loron 11/03/1998 iha ne'ebe rezistencia Timor nian ba Ukun rasik aan lakon ninia lider di'ak ida saudozu Nino Konis Santana. Saudozu Nino Konis Santana mate iha ninia abrigu fatin iha Mertutu iha loron ne'eba no hakoi iha kalan hodi subar husi atensaun indonseia ninian.

Um grande grupo de pessoas encontrou-se em Mertutu desde ontem (10/03) para relembrar o dia 11/03/1998, quando a resistência Timorense para a independência perdeu o seu grande líder, o falecido Nino Konis Santana. Nino Konis Santana morreu no seu abrigo em Mertutu durante o dia e foi enterrado à noite para não chamar a atenção dos Indonésios.

A sua página na Wikipedia em Tétum [4], diz:

Tan Xanana TNI sira kaer nia iha fulan Novembro 1992, Ma'huno Bulerek Karathayano sa'e nudar komandante FALINTIL [5]. Konis Santana tama nudar membru Komite Politika Militar. Iha fulan Abril 1993 Ma'huno mos TNI kaer no hadadur nia tan nee Konis Santana sa'e nudar komandante foun FALINTIL nian.

Quando as TNI [Forças Armadas Nacionais Indonésias] capturaram Xanana [Gusmão, então líder da resistência e actual Primeiro Ministro] em Novembro de 1992, Ma'huno Bulerek Karathayano tornou-se comandante das FALINTIL. Konis Santana passou a membro do Comité Político Militar. Em Abril de 1993 Ma'huno foi também capturado, e Konis Santana foi então promovido a comandante das FALINTIL.

Santana liderou a resistência armada até à sua morte prematura, estabelecendo base sobretudo numa pequena vila a oeste de Ermera. Ele era do Leste, de perto da ponta mais oriental da ilha, onde a língua e a cultura são bastante diferentes.

Desde a independência, Santana foi reconhecido pela elite política de Timor Leste e pelos estrangeiros como uma figura importante. O primeiro governo de Timor Leste baptizou o primeiro Parque Nacional, na floresta tropical virgem onde ele cresceu, com o seu nome [6].

Recentemente, o jornal Tempo Semanal publicou no seu blog um vídeo inédito de Santana [7]. O vídeo mostra o encontro de Santana com um activista de solidariedade Japonês, que visitou várias vezes as FALINTIL na selva.

Este tributo em vídeo (com muitas visitas, se tivermos em consideração que em 2009 Timor tinha o pior acesso à Internet do mundo), é apenas uma amostra de como alguns Timorenses continuam a homenageá-lo:

Talvez o mais fascinante em Santana  seja a forma como ele se tornou parte da mitologia popular e a sua importância para pelo menos um dos grupos quasi-religiosos nas zonas rurais de Timor-Leste. Alguns começaram a referir o seu possível regresso, de forma algo messiânica.

A versão oficial é a de que Santana caiu e se magoou e que, aliado a outros problemas de saúde, este incidente terá provocado a sua morte, mais tarde, no abrigo. Apesar disso, há um sentimento de “mistério” à volta da sua morte, especialmente devido ao seu enterro, durante a noite. Isto continua a atormentar alguns, como “Darwin” [8] de Bradford, Reino Unido, que comentou:

well i don't really know what is going on right now, but i would like to ask those guys in the government, Who killed Konis? Is he really dead? Why? Where? Who going to answer all these question? well, i got to tell you guys, there is a mistery [sic] behind it.

Bem, eu não sei exactamente o que se passa neste momento, mas gostava de perguntar a esses senhores no governo, Quem matou Konis? Ele morreu mesmo? Porquê? Onde? Quem vai responder a todas estas questões? Bem, eu tenho que vos dizer, há um mistério [sic] atrás disto.

Esta pergunta recebeu 29 respostas do mundo inteiro. Keibere de Sidney responde [8] [en]:

I am not going to ask anybody who killed him, it is all part of the plan of the big man, upstairs who made all of us, that is GOD, one dead is the same , as the other one, there is no difference between Kony Santana, and another Timorese.

Eu não vou perguntar a ninguém quem o matou, isso é tudo parte do plano do grande homem lá de cima, que nos concebeu a todos, ou seja DEUS, um morto é igual aos outros, não há diferença entre Koni Santana e outro Timorense.

Parte da continuada atracção suscitada por Santana é, de facto, um reconhecimento pela sua humildade. Por viver no meio do povo duma aldeia ocupada na montanha, ele foi considerado um líder-servo. Então, muito provavelmente, Santana concordaria com Keibere e teria ficado bastante surpreso com o culto da personalidade que se desenvolveu em torno dele após a sua morte.

Santana typing in a shelter. By Comissão para os Direitos do Povo Maubere, Arquivo Museu da Resistência Timorense. [9]

Pela Comissão para os Direitos do Povo Maubere, Arquivo Museu da Resistência Timorense.

Foram publicados dois livros sobre Santana nos últimos anos. O respeitado historiador Português José Mattoso publicou a sua biografia há uns anos atrás, baseada em fontes documentais e entrevistas em Timor Leste. Há um par de meses atrás, a reconhecida jornalista Jill Jolliffe publicou Finding Santana [10] (Encontrando Santana), que o blogueiro Patrick Alington descreve como [11] [en]:

a terrifically blunt but often quite lyrical recounting of her clandestine 1994 trips to East Timor to interview then East Timor guerilla commander, Nino Konis Santana. I commend the book: it’s uncomfortable reading but it’s also a genuine page-turner […]

um reviver absolutamente brusco, mas por vezes bastante lírico, das suas viagens clandestinas a Timor Leste em 1994 para entrevistar o então comandante da guerrilha de Timor Leste, Nino Konis Santana. Recomendo o livro: é uma leitura desconfortável, mas é também um genuíno virar de página […]

Uma nova geração, que nunca viveu sob ocupação Indonésia, pode agora conhecer Santana através destes livros e através dos arquivos carinhosamente restaurados por uma equipa coordenada por Mattoso [12] e pelos arquivos de vídeo de Max Stahl [13] [fr].

Todas as fotos utilizadas têm a permissão do Museu e Arquivo da Resistência Timorense [14].