- Global Voices em Português - https://pt.globalvoices.org -

Angola: Manobra de Antecipação Anula Revolução

Categorias: África Subsaariana, Angola, Liberdade de Expressão, Mídia e Jornalismo, Política, Protesto

Uma semana depois da data da revolução que iria destronar o presidente angolano José Eduardo dos Santos [1] e a sua “corte real”, a situação no país permanece calma. Como se nunca tivesse havido uma chamada para a revolução [2].

Para isso muito contribuiu a actuação do Estado que numa manobra de antecipação colocou os militares a postos e convocou manifestações de Cabinda ao Cunene [3] em prol do MPLA (Movimento Popular  de Libertação de Angola).

Bandeira de Angola (domínio público). [4]

Bandeira de Angola (domínio público).

Manifestantes silenciados… antes da manifestação

Segundo relatos que chegaram à Human Rights Watch [5] (Observatório dos Direitos Humanos) [en] a convocação governamental em prol da paz, foi realizada à base da intimidação.

Pode-se ler no blog Página Um [6] o seguinte:

O partido no poder convocou uma “marcha da paz” pró-governo em Luanda e várias cidades provinciais a 5 de março. A Human Rights Watch recebeu vários relatos credíveis de que funcionários do governo e do partido no poder obrigaram professores e funcionários públicos em Luanda e várias capitais provinciais a participar. Os professores foram ameaçados com despedimentos ou cortes salariais e obrigados a pressionar os seus alunos a participarem, ameaçando-os com “problemas” caso ficassem em casa.

Residentes de Luanda contaram à Human Rights Watch que o partido no poder utilizou autocarros e comboios públicos para transportar pessoas da periferia de Luanda para a marcha de 5 de Março no centro da cidade.

Conforme o Global Voices anunciou, [7] na madrugada do dia 7 de Março, a polícia prendeu dezassete pessoas que se concentravam no Largo 1º de Maio em Luanda.

Os manifestantes, na sua maioria poetas e músicos, foram levados pela polícia para a esquadra, sem contemplações. Também alguns jornalistas que estavam no local para fazer a cobertura da manifestação foram levados para a esquadra para prestarem depoimentos. Todos foram soltos no próprio dia.

No blogue Esquerda.Net [8] faz-se referência à opressão do Estado angolano.

Os manifestantes detidos pela polícia angolana esta madrugada, incluindo os quatro jornalistas do Novo Jornal e o rapper Luaty Beirão, conhecido por Brigadeiro Mata Frakuxz, foram libertados na manhã desta segunda-feira.

Aqui vale a pena ressalvar que o Brigadeiro Mata Frakuxz [9] é conhecido no país pela sua oposição aberta ao governo, tendo realizado um concerto dias antes de ser preso, apelando à comparência em massa no passado dia 7 de Março. Além do concerto que pode ser visto no blogue Hip Hop de Angola [9], Mata Frakuxz tinha escrito uma comunicação de apelo à revolução que pode ser lida no blog Esquerda.Net [10]. Eis um trecho:

Queria apenas salientar alguns pontos que considero ser cruciais para que esta manifestação possa ser bem sucedida e gostaria de partilhá-los convosco, não sendo no entanto o meu desejo que isto seja interpretado como uma imposição ou um desejo de assumir liderança de um movimento que eu quero que continue a ser popular e sem rosto, pois ao contrário de muitos, eu não acho que o povo precise de um rosto para seguir, o povo segue-se a si próprio e a sua consciência que estamos a querer tornar colectiva.

“Angola é Angola”

O famoso escritor angolano José Eduardo Agualusa [11], levantou a voz e juntou-se aos protestos para uma Angola democrática, através de uma carta aberta dirigida ao presidente José Eduardo dos Santos que pode ser lida no blogue Reflectindo sobre Moçambique [12]. Na carta, Agualusa partia de uma chamada de atenção aos acontecimentos no Norte de África:

Senhor Presidente,
África vive um momento de viragem na sua História, só comparável ao levantamento que libertou o continente do domínio colonial. A revolução agora é pela liberdade e pela democracia.
Os cidadãos angolanos abaixo-assinados vêm por este meio pedir ao Senhor Presidente da República que tenha em atenção os últimos acontecimentos na Tunísia, Egipto e Líbia, reinicie de forma séria o processo de democratização, formalmente começado de maneira sinuosa em 1992, mas, definitivamente interrompido em 2010 com a aprovação da nova constituição e que ao mesmo tempo se retire da Presidência da República e da presidência do MPLA o mais depressa possível, sem prejuízo da estabilidade e continuidade das instituições. Os abaixo assinados acreditam que ainda é possível que o Senhor Presidente abandone o poder de forma digna e honrosa, preservando a integridade da nação.

Cardoso Jr. (@SuperCjr) escreve no Twitter [13]:

Manifestantes em Angola tentaram marchar e foram presos. Angola não é Tunísia, muito menos Egipto, Angola é Angola. #TRISTE!

Helena Ferro de Gouveia, no blogue Domadora de Camaleões, resume [14]um artigo de Vasco Martins do IPRIS (Instituto Português de Relações Internacionais e Segurança), que diz que “a hora de Angola ainda não chegou [15]“. No artigo as diferenças entre países é bastante clara:

Há explicações várias para a não inscrição no protesto. Os angolanos calam-se porque são frescas e escritas a sangue as memórias da guerra civil. É uma estratégia de sobrevivência, não destabilizar a vida que têm. Miserável, mas vida.
Deter o olhar sobre os números também ajuda a entender o silêncio. Apenas vinte por cento dos homens e trinta e cinco por cento das mulheres sabe ler e escrever. Quantos saberão usar o twitter ou colocar status no Facebook?

Apesar da chamada para a revolução não ter tido a adesão esperada, muitos acreditam que o episódio serviu para auscultar as ansiedades da população e medir a “tensão” do governo. Rafael Marques, jornalista e activista anti-corrupção, atesta isso mesmo [16]:

A reacção do MPLA vale mais do que a própria convocatória, acaba por demonstrar a fraqueza do próprio regime, não havia necessidade de responder a uma convocatória anónima.