Brasil: Escrivã é despida por policiais homens dentro de delegacia

No dia 18 de fevereiro o jornalista Fábio Pannunzio, em seu blog homônimo, e a Rede Band de televisão, trouxeram ao público um vídeo de 13 minutos, no qual uma escrivã da policia civil do Estado de São Paulo era despida e revistada por policiais masculinos da corregedoria de sua instituição.

A policial sendo despida por delegados

Screenshoto do vídeo em que a policial está sendo algemada e despida por delegados

O caso remonta a 2009. Na ocasião, segundo Pannunzio e a rede Band, a policial teria recebido dinheiro de uma pessoa que tinha praticado o crime de porte de arma para que, assim, não formalizasse sua prisão. Ao chegarem na delegacia, os delegados da corregedoria – todos homens – obrigaram a policial a se submeter a uma revista pessoal, a fim de encontrarem o dinheiro. Ela não se recusou ao procedimento.

Pelo contrário. Só pediu para que fosse revistada por policiais femininas. De nada adiantou. Algemada e jogada ao chão, ela teve a calça e a lingerie arrancada pelo delegado que, logo após, afirmou ter encontrado junto ao corpo da policial as cédulas que procurava. Por esse motivo, a policial foi demitida do cargo e hoje responde um processo criminal por concussão.

As imagens podem ser conferidas na íntegra no Vimeo.

Imediatamente, a blogosfera mostrou repúdio à atitude da corregedoria, acentuando a ilegalidade da medida e a ofensa a princípios basilares do Estado Democrático de Direito.

Vladimir Aras, em seu  Blog do Vlad, disse que a diligência efetuada pela corregedoria e a agressão contra a policial eram os verdadeiros crimes registrados no vídeo:

Ao desnudarem à força uma mulher algemada e humilhada no chão de uma delegacia, esses agentes da lei não expuseram apenas “as vergonhas” da suspeita. Exibiram de forma exuberante o vexaminoso cotidiano de parte da Polícia brasileira, useira e vezeira em afrontar direitos humanos dos cidadãos.

O também delegado Guerra, do blog Flit Paralisant, lembrou que em 2009 a escrivã fez uma denúncia junto ao Ministério Público para investigar o abuso, mas o procedimento foi rapidamente arquivado. O Promotor do caso não viu indícios de crime cometidos pela equipe da corregedoria. As cópias do pedido de arquivamento  estão disponíveis em seu blog, bem como um e-mail enviado pela policial no mesmo ano, com seu relato do caso:

O Dr. Eduardo então mandou que eu me despisse por inteira, passei a ficar indignada pois jamais tiraria minhas vestes na frente de oito homens desconhecidos e cheguei a solicitar de joelhos que fosse acionada uma delegada, investigadora ou escriva da corregedoria, visto que propus retirar a roupa somente na frente da policial feminina, respondendo o delegado que não confiava na policial e dizendo com tom ameaçador que só sairia dali ao me ver “pelada” (…)

Já o inspetor de polícia civil do Rio de Janeiro, Eduardo Stein, editor do blog Caso de Polícia, desabafou:

Infelizmente já vi em vídeos do Youtube centenas de cenas de violência policial praticadas contra cidadãos inocentes ou criminosos. São momentos em que sinto grande e verdadeira vergonha de compartilhar de um cargo policial com determinadas pessoas.

Mas, verdadeiramente, hoje não fiquei só enojado ou envergonhado. Senti na verdade uma ânsia de vômito. Desgosto. Abominável.

Danillo Ferreira, oficial da Polícia Militar da Bahia, em seu blog Abordagem Policial, a conduta dos delegados corregedores não corresponde ao que se espera de um policial:

Um ato que merece o repúdio público, mesmo que haja provas que atestem o crime da ex-policial,

Após a divulgação do vídeo, a corregedoria, acuada pela opinião pública, disse que não havia irregularidades no procedimento de seus delegados. O blog Escreva, Lola, Escreva, de Lola Aronovich, ressaltou que o ato poderia ter origem na satisfação sexual dos policiais:

Isso me fez lembrar o que Susan Brownmiller conta em seu clássico dos anos 70, Contra a Nossa Vontade. Era comum vítimas terem que narrar nos mínimos detalhes o seu estupro para policiais homens que ora não acreditavam nelas, ora pareciam se excitar com a narrativa. Isso quando essas vítimas não ouviam do policial: “Mas quem iria querer te estuprar?”

Para a blogueira Luka, do Bidê Brasil, a violência fazia parte da rotina da polícia brasileira, construída no regime militar e ainda não abandonada:

O caso da ex-escrivã só mostra o quanto os direitos das mulheres são colocados de lado em diversas ocasiões, ainda mais quando vemos que havia 2 policiais femininas no local e que nada fizeram para não acontecer tal afronta, fora a lastimável declaração da Corregedora e do Governador dando razão a ação dos policiais. No final das contas este caso acaba sendo apenas mais uma ilustração de como o tucanato trata os direitos humanos e em especial os direitos humanos das mulheres, como se fossem descartáveis.

Muitos “Twitters” defenderam a policial, mas, mais surpreendentes foram aqueles que apoiaram os delegados:

@fabioninja [DJ Fabio Ninja]
Pessoal fala em abuso de poder (quanto ao caso da escrivã nua), mas ninguém menciona que, de fato, o delegado estava correto.

@rodaabaiana [Iemai]
Sobre o caso da escrivã: se ela não tivesse cometido o crime, o ato não seria necessário. Criminoso tentando sair de vítima me cansa.

@allandematos [Allan Matos]
Sobre o caso da ex-escrivã nua: Acho que realmente houve exagero, mas a atitude dos delegados foi digna. Corrupção deve sempre ser combatida

Maria do Rosário, Ministra de Direitos Humanos

Maria do Rosário, Ministra de Direitos Humanos. Foto de Agência Brasil partilhada com licença Creative Commons Atribuição 2.5. Brasil.

A ministra de direitos humanos, Maria do Rosário pediu, pela imprensa, o afastamento de todos os policiais responsáveis. Temendo que o caso fosse passado para a Justiça Federal, o governador do Estado, Geraldo Alckmin, além de fazer o solicitado pela ministra, afastou a delegada diretora da corregedoria, apontando que o próprio secretário de segurança poderia ser demitido do cargo.

Curiosamente, os delegados de polícia há tempos vinham reclamando dos duros modos de atuação da corregedoria, e lutavam pela queda de seus diretores.

Quanto ao secretário de segurança, ele foi indicado pelo antigo governador, José Serra, contrário ao grupo político do atual governador Alckmin, o qual desejava colocar alguém de sua confiança no cargo. Considerando as consequências do caso, será muito difícil descobrir quem foi o responsável pela divulgação do vídeo.

9 comentários

  • Daniel

    Pessoal, por favor, isso é verdade: A acusação contra essa moça foi FORJADA. Além dela ter sido acusada injustamente, ela foi humilhada, torturada, ficou presa por um crime que não cometeu, foi expulsa da polícia e ainda está sendo cruxificada por um monte de gente desinformada… Leiam o blog do jornalista Fábio Pannunzio e SAIBAM A VERDADE!!!!

  • …”hoje com o vizinho,amanhã comigo”…-metodos usados pelo regime de excessões e que eram cópias fiéis das usadas durante a segunda grande guerra, pela famigerada Geheime stats politzei (Gestapo),infelizmente ainda
    nos nossos tempos são reproduzidos ao bel prazer de “otoridades” que, como vampiros, ávidos do sangue humano,se realizam no sofrimento físico, moral, mental e espiritual dos indefesos que por ventura venham a cair nas suas garras insaciáveis de terror,medo e dor…os seus ouvidos se deleitam como que,a ouvir a “AVE MARIA” de Gnould,nos lamentos dos torturados…-no presente caso em questão,tem a palavra os ministérios da justiça e dos direitos humanos,que acredito,apurarão as possíveis veracidades destas afirmações, que ora expostas na imprensa e que muito nos envergonham como brasileiros,para que os possíveis desmoralizadores das polícias, e corruptores dos bons costumes, de um modo geral,que sob a capa de “Otoridades” deixem de estimularem com estes atos ,os muitos crimes que se perpetuam em nossos dias…-pois sobre a lei imutável ha quem o diga : -“onde as leis não fizerem justiça , que os homens a faça” !…
    -Goethe-Br.

  • Telmo Marinho

    Os policiais fazem cursos, os delegados são pós-graduados, mas na hora da prática, se esquecem que o preso não é “deles” e sim do Estado. E que o crime da autoridade é mais ignominioso do que o do “meliante” pois ele já está neutralizado e sem defesa. Mas a sua vida e seus direitos está sob a proteção do Estado. Mas há policiais que acham que se alguém comete algum “delito” eles mesmos prendem, julgam e condenam. Aí é que se encontra o erros de todos: policiais, delegados e corregedores ( que precisam ser corrigidos). É preciso que a polícia respeite a Lei acima de tudo.

  • Bob

    Quando essas sandices são protagonizadas por militares a primeira providência que tomam é prender o cara, já quando o vagabundo é policial civil ficamos com a sensação (ou será certeza?) que estão acima da lei. Se fazem isso com uma “colega”, o que já não fizeram com o cidadão comum não detentor da “imunidade policial civil”? Fico imaginando aquela moderna sala de interrogatório com todos os equipamentos de ponta (alicates para arrancarem unhas, agulhas, tambores para afogamento, máquinas de choque, pau de arara, etc.). Que pena que não é exclusividade da de SP.

  • jeffe

    Eu moro próximo a 25ª Delegacia de Parelheiros onde ocorreu o fato. Conheço a PM (não irei mencionar nome) que estava presente na sala e a ex-escrivã, ela estudava Direito na Universidade no qual trabalho, devido ao caso teve que trancar sua matrícula em 2009. Tenho alguns amigos (PC e PM) que conhece ela, entretanto, busquei algumas informações sobre o caso. Disseram-me que o seu histórico não é muito bom, sempre fazia pedido de proprina aos acusados, mas isto não justifica o ato que sofreu e humilhação. Infelizmente os polícias que estão no video criaram toda aquela cena, forjaram para a moça e caiu fácil. De acordo com ás informações que obtive ás notas eram falsas e o motivo do fato era derruba-lá do cargo.

  • Infelizmente, os policiais que despiram a escrivã serão absolvidos pela justiça de São Paulo. “Delegados que abusaram de escrivã vão ficar impunes”: http://www.pannunzio.com.br/archives/9018

  • Edgar Rocha

    Estranho esse fato… está difícil marcar uma posição. Primeiro, quem publicou o video? E porque agora, se o fato é de 2009? (muito bem colocado no final da matéria) Segundo, se a policial agredida é de fato corrupta, tudo indica que sim. Se as policiais presentes atuam na mesma delegacia, é bem provável que, de fato, não seriam confiáveis para fazer a revista. Terceiro, somando-se à enorme humilhação que passou, a dureza da corregedoria em seus processos investigativos parece ser generalizada (o que me parece exagerada tal reclamação, vinda de agentes que gozam de proteção legal e de meios para se defender de abusos). Segundo a matéria, policiais reclamavam disso. Tudo bem, não dá pra negar a violação dos direitos individuais em relação à policial, mesmo sendo corrupta. Mas, enquanto cidadão, de que lado devemos ficar? Afinal de contas, o que escandaliza mais: o achaque a bandidos por propina e sua eventual liberação, ou a humilhação a alguém ferida em sua dignidade humana, porém flagrada em total contrariedade às suas atribuições? Acho que nem o pior bandido deve ser alvo de tamanha arbitrariedade, mas o que confunde o cidadão é o fato de que se trata de uma agente policial, designada para cumprir a lei e igualmente coibir atitudes humilhantes e ilegais, porém sem o fazê-lo. Em se tratando da polícia, é bem possível que a dita cuja tenha provado do próprio veneno, nada mais que isso. Sobra apenas uma certeza: a de que um procedimento criminoso (o da humilhação pública a uma cidadã) acabou por deslegitimar um processo absolutamente salutar (o da investigação em relação a seus atos). Com certeza, os meios anularam os fins. Talvez por atitudes como esta, tão recorrentes no dia-a-dia, o Estado ou a polícia não consigam o apoio necessário de toda a sociedade para combater as ilegalidades. Não se pode culpar o cidadão se ele não sabe ao certo de que lado ficar, já que o cumprimento da lei passa pelo abuso de poder, ou se desconfia das evidências e das razões pelas quais a polícia age.

  • Excelentes apontamentos, Edgar. De qualquer sorte, diante da inércia do MP e Judiciário de São Paulo em apurar o caso como ele merece, o Ministério Público Federal pretende levá-lo para a justiça federal: “MPF quer federalizar caso de escrivã despida por policiais homens em SP” – http://oglobo.globo.com/cidades/mat/2011/06/15/mpf-quer-federalizar-caso-de-escriva-despida-por-policiais-homens-em-sp-924689229.asp

    É uma saída desonrosa para as autoridades paulistas, mas a única para a vítima do abuso.

    • Edgar Rocha

      Quisera o cidadão comum que todo abuso viesse a extrapolar as instâncias locais e fosse federalizado. A despeito da garantia de direito à defesa da vítima, o modus operandi da polícia de São Paulo não mudará por causa disso. Seria importante que esse fato, dada a notoriedade que adquiriu, pudesse causar desdobramentos com relação à atuação dos agentes policiais (civis e militares) e abrir a discussão amplamente. Moro em Itaquera, num bairro barra pesada. O que não me faltam são exemplos de abuso policial e achaque da polícia ao cidadão comum (e muitas vezes inocente). Eu mesmo, já fui revistado pela polícia com requintes de agressão. Sou magro (fazer o que?) e isso bastou pra me chamarem de nóia (nunca fui usuário de drogas), revistarem minha carteira (felizmente vazia) e exigirem que mostrasse meu endereço. Detalhe: eu passava em frente a uma favela próxima. O que devem passar os moradores dali, simplesmente por morarem ali? Infelizmente, o foco da discussão neste caso, é o fato de ter sido uma mulher a agredida. De terem ferido sua integridade física e a policial ter sido desqualificada enquanto mulher, num aparente rompante chauvinista dos agentes da corregedoria. Realmente, são questões prementes e este lado fere moralmente toda a sociedade. Dá nojo! Mas, a prática em questão se estende à toda a sociedade e expressa uma mentalidade muito mais ampla do que o machismo presente na corporação. Este é só a ponta do iceberg no que diz respeito às práticas abusivas. Também fiquei enojado quando, na porta de minha casa, há uns anos atrás, policiais obrigaram usuários de maconha a comerem o tablete da droga e engolirem junto com água de fossa. O abuso, seja ele contra quem for, é que deve ser discutido, para o bem da cidadania. Muito obrigado pela oportunidade.

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