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Brasil: Aumento de salário dos parlamentares em discussão

Categorias: América Latina, Brasil, Ativismo Digital, Economia e Negócios, Governança, Política, Protesto
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Cherge de Amarildo, usado com permissão do autor

Como todo final de ano, os Deputados Federais brasileiros legislaram em próprio favor e aprovaram mais um aumento de salário, causando ampla discussão entre os brasileiros e reação na blogosfera.

Hoje, um Deputado Federal recebe [2] R$ 16.512,09 apenas em salário (15 parcelas por ano), o que pode chegar a até R$ 166.512,09 se contarmos as diferentes verbas extras a que tem direito.

Apenas em termos de salário, sem contar extras, um parlamentar recebe pouco mais de 52 vezes o salário mínimo [3] (R$ 510,00) brasileiro, o valor mais baixo que um empregador pode pagar aos seus funcionários, faixa na qual se encontra a maior parte da população brasileira .

Como comparação, em 2009, 56,8% dos brasileiros viviam com até [4] um salário mínimo e atualmente o parlamento discute as dificuldades [5] em se elevar o mínimo até um patamar aceitável.

Se compararmos ainda o salário dos deputados brasileiros com o de outros países mais desenvolvidos, veremos o tamanho do problema. No Reino Unido, um Parlamentar ganha [6] [en], por ano, £65,738, ou cerca de R$175 mil reais, enquanto nos EUA o mesmo parlamentar custa [7] [en] $174 mil dólares por ano, ou R$292 mil reais aos cofres públicos.

É válido notar que os quase 170 mil reais pagos pelo Brasil a cada deputado (são 513 ao todo) chegam bem perto dos 175 mil pagos aos parlamentares britânicos, que legislam em um país que, nem de longe, possui as disparidades econômicas e a extrema pobreza do Brasil. No caso dos EUA, apesar do valor consideravelmente maior dos salários, a câmara dos deputados (ou representantes) local conta com 435 deputados.

Cristina Rodrigues, do blog Somos Andando, é direta em analisar [8] as causas e propor soluções:

É evidente que deputados, como qualquer categoria (ainda que cargos eletivos não sejam exatamente uma categoria profissional) devem ter seus salários reajustados vez que outra. A grande armadilha, por qualquer ângulo que se olhe, está no fato de serem eles mesmos a concederem o reajuste para os próprios salários.

[…]

Para evitar o desgaste de cada votação de aumento e não incorrer em excrescências, o ideal seria vincular o reajuste dos cargos do Legislativo e também os do Executivo, como presidente, ministros, governadores e secretários de estado, ao percentual de reajuste concedido a alguma categoria profissional. Ou, para simplificar, ao valor da inflação. Nesse caso, não seria propriamente um aumento, mas um reajuste apenas para cobrir as perdas.

O Deputado Federal Ivan Valente, cujo partido – PSOL – votou inteiro contra a proposta de aumento, via Twitter, concorda e acrescenta dado alarmante:

@Dep_IvanValente [9]: Nossa idéia é apresentar um projeto p/indexar o aumento à média do reajuste do funcionalismo público. P/ isso é preciso maioria no Congresso

@Dep_IvanValente [10]: Vale lembrar que o aumento, que fomos contra, não foi apenas p/deputados, mas também p/senadores, ministros, presidente e vice-presidente

Robson Fernando, do blog Arauto da Consciência, ironicamente parabeniza [11] os Deputados:

Parabenizo vocês pela estupenda atitude de aumentar seus salários em mais de 60% em tempo recorde e impor ao Poder Executivo um salário mais de 130% maior. Enquanto o povo sofre pra ter aumentos acima da inflação em seus salários, vossas senhorias, que têm o privilégio de controlar seu próprio salário mesmo contra a vontade do patrão (Presidente), esticam como querem suas remunerações.

Vossas senhorias são um exemplo para o mundo: um exemplo de como se pode governar em prol de interesses particulares e boicotar o interesse público, fazendo o povo sofrer em prol de um bando de marajás.

Ele também postou [11] o e-mail de todos os parlamentares que votaram a favor do aumento de seus próprios salários e o blog Pragmatismo Político publicou [12] a lista com o voto de cada Deputado Federal.

Leonardo Sakamoto, em seu blog,  critic [13]a duramente o aumento, afirmando que os parlamentares deveriam ganhar apenas o suficiente para “desempenhar com dignidade o cargo para o qual foram eleitos” e que, se a intenção é enriquecer, que “se dirijam para a iniciativa privada”:

Sabe o que me deixa mais tiririca da vida do que aumento salarial no apagar das luzes do ano, feito a toque de caixa? É que os nobres parlamentares não usam a mesma celeridade para discutir temas que parecem não ser do seu interesse. Se pelo menos tivessem o mesmo empenho que têm por si, pelos amigos ou por seu pequeno grupo social, poderíamos dizer: “ah, eles ganham, mas trabalham para a sociedade em geral”.

André Raboni, no blog Acerto de Contas, repudia [14] o aumento citando seu percentual e alerta para o “efeito cascata” em outros poderes:

Os congresso brasileiro aprovou hoje um aumento salarial [15] que é um verdadeiro escárnio contra o País. O decreto tramitou numa velocidade estonteante ao longo do dia, e foi aprovado com regime de urgência na Câmara e depois no Senado. Os salários dos parlamentares foram reajustados de 16,5 mil para 26,7 mil Reais (um aumento de 61,8%), e também terá o mesmo valor os salários do presidente, do vice-presidente e dos ministros (aumento de 133,9%).

[…] O efeito cascata deverá vir logo: aumentos para deputados estaduais, vereadores, governadores, prefeitos, juízes federais, desembargadores, et cetera.

Eduardo Guimarães do blog Cidadania, por outro lado, concorda [16] com o aumento:

Ora, é óbvio que um político detentor de mandato eletivo passa a ter um orçamento doméstico e pessoal maior, pois seu padrão de vida sobe até pela importância do cargo, situação que não se coaduna com a necessidade de poupar para que não morra de fome se ao fim do mandato de quatro anos não for reeleito. E até para ter como bancar a própria campanha eleitoral seguinte sem recorrer a dinheiro de origem duvidosa.

[…]

Os baixos salários oficiais dos políticos acabam se tornando “razão” para que alguns caiam na tentação de se resguardarem contra a possibilidade de não conseguirem se reeleger, para que não voltem à planície do setor privado tendo que recomeçar a vida do zero.

Escrevendo para o blog Trezentos, Uirá respondeu [17] ao post de Guimarães, contrapondo seus argumentos.

Em outro post, Raboni chama [18] a população a se manifestar e pede por transparência nos gastos a parlamentares e membros do judiciário:

Se o nobre leitor se dignar a contestar o aumento, envie um e-mail, uma mensagem, um tweet, qualquer coisa, para o seu deputado, e questione-o sobre o aumento.

[…]

Que cada parlamentar dê transparência a tudo o que gasta (de preferência sem notas frias…) usando a internet (que barateia custos e aproxima os cidadãos) e que preste contas não apenas aos seus eleitores, mas a todas as pessoas.

E que isso sirva também ao judiciário, que foge da publicidade de seus custos como a diplomacia norte-americana foge de Assange. Cobre de seu parlamentar não apenas uma explicação sobre este aumento: cobre exija que ele cobre transparência de todos os gastos de dinheiros públicos.

Em 2011, o esperado efeito cascata de salários se comprovou [19]. Ao menos 26 assembléias legislativas estaduais já garantiram aumento a seus deputados, baseados no aumento da assembléia federal. Enquanto isto, parlamentares se degladiam para aumentar [20] o salário mínimo de R$510,00 para R$540,oo. Neste meio tempo, alguns poucos cidadãos se mobilizam [21] nas ruas.