Brasil: peça-chave na COP 16 e mau exemplo em casa?

Em Cancún, foi grande a expectativa para com a delegação brasileira. A presidente da COP 16 Patricia Espinosa [es] considerou o país sul-americano como uma das peças chave para a obtenção de um resultado positivo.

Enquanto isso, no Brasil, a nova proposta de Código Florestal repentinamente retornava à agenda de votação de fim de ano do Congresso Nacional. O blog Eco, um informativo diário sobre as negociações da COP 16 mantido pela Climate Action Network (CAN) [Rede de Ação pelo Clima], declarou [en] que o “Brasil parecia ser seu próprio pior inimigo” e analisou o novo Código Florestal:

[…] Brazilian House of Representatives is ready to approve a new forest code that will be the most shameful endorsement of anthropogenic global warming in recent history. And it seems that some 370 of the 513 Representatives are ready to approve this leap backwards.
The bill provides amnesty to illegal deforestation and degradation, it reduces the preservation area along rivers, and eliminates the need for legal reserves for rural properties of a certain size and a discount for larger properties.

[…] A Câmara de Deputados brasileira está pronta para aprovar o novo Código Florestal, que será o mais vergonhoso aval para mudança climática antropogênica na história recente. Pelo que se sabe, 370 dos 513 deputados estão dispostos a aprovar esse retrocesso.
O código garante anistia ao desmatamento e à degradação ilegais, reduz a área de preservação em margens de rios e elimina a obrigatoriedade de reservas legais em propriedades rurais de dimensões pequenas e uma redução em grandes propriedades.

Desmatamento na Floresta Amazônica – a floresta amazônica brasileira teve 5.850 km2 de sua área legal desmatada de agosto de 2009 a abril de 2010, de acordo com o INPE- Instituto de Pesquisas Espaciais. Brazil. Foto por Roni Luis Leite, copyright Demotix (23/08/2010)

A proposta suscitou discussões alguns meses atrás (ler a cobertura do Global Voices [en]), quando foi aprovada pela Comissão Especial sobre alterações no Código Florestal, mas foi adiada para 2011 por pedido do presidente Lula. Dois dos pontos mais controversos do novo código florestal são a garantia de anistia por desmatamento a fazendeiros e a permissão de que os governos estaduais tenham suas próprias determinações sobre a área de mata ciliar.

O assunto havia praticamente desaparecido, até o dia 7 de dezembro, quando 374 deputados federais apoiaram o pedido para que o novo Código entrasse em caráter de urgência na agenda de votação da Câmara no ano que vem. Líderes de 10 partidos políticos assinaram o pedido, assim comprometendo o apoio de outros 364 deputados.

No entanto, não obtiveram êxito em aprovar o pedido, como Juliana Russar, uma Negotiator Tracker [Monitora de Negociações] brasileira da Global Campaign for Climate Action [en] [Campanha Global pela Ação Climática] na COP 16, registrou em seu blog:

P.S.: Lembro também que ontem houve a tentativa felizmente frustrada dos ruralistas de votar com urgência as alterações do Código Florestal no Congresso, o que gerou uma intensa mobilização da sociedade civil tanto em Brasília quanto aqui em Cancún […]

A ONG Greenpeace Brasil logo tornou pública a lista dos apoiadores do novo Código em sua página de Twitter:

GreenpeaceBR: Veja a lista dos 374 deputados que empunharam a motosserra e colocaram o Código Florestal no rol de votações neste ano. http://bit.ly/eAhH1G

Apesar da decisão do Presidente Lula, o parlamentar Cândido Vaccarezza, líder do governo na Câmara dos Deputados, apoiou a iniciativa dos deputados ditos “ruralistas” de inserir a proposta de alterações do Código na agenda de votação de 2011. Vale mencionar também que Vaccarezza concorria à presidência da Câmara.

A notícia se espalhou rapidamente e surpreendeu os brasileiros na COP 16. A senadora Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente e candidata à Presidência da República nas eleições de 2010, estava em Cancún quando twittou sobre o Código Florestal:

marina_silva: O alcance dos compromissos do Brasil em Copenhague para reduzir emissão de CO2 depende da manutenção dos avanços da legislação ambiental.

Minutos depois, mandou uma mensagem aparentemente para Vaccarezza:

marina_silva: Os avanços ambientais não podem ser moeda de troca para conquistar a presidência da Câmara. O Código Florestal não pode servir à barganha

Prêmio Motosserra de Ouro por esforços em prol do desmatamento

Em Cancún, ainda no dia 8 de dezembro, militantes do Greenpeace Brasil premiaram a senadora “ruralista” Kátia Abreu com a Motosserra de Ouro, por “seus esforços em prol do desmatamento”. Irritada, ela recusou o prêmio, que lhe foi entregue por uma mulher indígena brasileira. A senadora Abreu, que é proprietária de uma fazenda no estado de Tocantins e que desde 2008 é presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), viajou a Cancún para divulgar a visão da CNA sobre proteção ambiental e desenvolvimento agrícola como uma combinação viável no Brasil.

Mulher indígena brasileira a entregar o prêmio Motosserra de Ouro à senadora Kátia Abreu, em Cancún. Foto por Greenpeace Brasil.

Visando se promover durante a COP 16, a CNA lançou a cobertura online “CNA na COP16″, com versões em inglês e em português. A CNA também apresentou o produto de uma parceria com a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária): o Projeto Biomas, que relaciona suprimento de alimentos e meio ambiente:

A população mundial aumentará para nove bilhões de pessoas em 2050, exigindo expansão de 70% na produção de alimentos. O grande desafio do nosso tempo é suprir essa demanda, fruto de uma população que só faz crescer, com a preservação do meio ambiente.

Com áudio em inglês e legenda em espanhol, um vídeo feito especialmente para a COP 16 promove o projeto, por meio do qual a CNA declara reconhecer a importância de manter as florestas de pé e de proteger os ecossistemas do Brasil.

http://www.youtube.com/watch?v=rF5PE2icH4g

O conteúdo do projeto é bastante impressionante e promissor, mas o jornalista e blogueiro Leonardo Sakamoto relacionou o projeto ao Código Florestal e acredita que o Brasil ficará melhor sem qualquer uma das duas propostas:

[…] os danos que serão causados pelas mudanças no Código não serão bem maiores que os R$ 40 milhões que serão aplicados no programa? Uma coisa não exclui a outra, é claro. Mas se tivermos que fazer um acordo, que tal deixar tudo como está, sem projeto e sem mudança no Código?
Até para que a CNA não seja acusada de greenwashing, lá fora, e lavagem de imagem aqui dentro, não é mesmo?

Selva amazônica, rios e ilhas, copyright da usuária do Flickr Rosadosventos22 (utilizada com permissão)

Selva amazônica, rios e ilhas, copyright da usuária do Flickr Rosadosventos22 (utilizada com permissão)

O anúncio da menor taxa de desmatamento na Amazônia desde 1988 (quando o governo federal iniciou o monitoramento) é certamente uma boa notícia, com uma redução para 6.451 km2 de floresta destruídos. O website O Eco Amazônia ressalta, porém, o que esse número realmente quer dizer: significa uma área maior que 10 capitais brasileiras juntas. É como se São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Belém, Fortaleza, Porto Alegre, Recife, Salvador, Curitiba e João Pessoa tivessem virado pasto em 2010. Para conferir uma percepção visual detalhada do desmatamento, o website mapeia em vermelho a área da floresta destruída em 2008.

Como o novo Código Florestal ainda será votado, parece que o debate entre preservação ambiental e agricultura no Brasil vai ressurgir mais e mais vezes, especialmente neste cenário de mudanças climáticas.

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