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Brasil: Nova onda de discussões sobre o papel do “Ateísmo Militante”

Categorias: América Latina, Brasil, Mídia Cidadã, Mídia e Jornalismo, Religião

Em 10 de outubro, o famoso teólogo da libertação, Frei Betto, escreveu um artigo no maior jornal do país,  Folha de São Paulo – reprodzido pelo Blog do Miro [1] –  no qual ele comparou [2] o “ateísmo militante” com a tortura.

A reação dos ateus chegou logo [3], expressando desapontamento com a “explícita demonstração de intolerância e preconceito vinda de uma das principais figuras do catolicismo progressista brasileiro”. O teólogo respondeu, explicando [4] sua visão de “ateísmo militante”:

O que entendo por “ateísmo militante”? É o que se arvora no direito de apregoar que Jesus é um embuste ou Maomé um farsante. Qualquer um tem o direito de descrer em Deus e manifestar essa forma negativa de fé. Não o de desrespeitar a crença de cristãos, muçulmanos, judeus, indígenas ou ateus.

[…]

Ateísmo militante é, pois, profanar o templo vivo de Deus: o ser humano. É isso que praticam torturadores, opressores e inquisidores e pedófilos da Igreja Católica. Toda vez que um ser humano é seviciado e violentado em sua dignidade e direitos, o templo de Deus é profanado.

Sua declaração acabou por acrescentar mais combustível na polêmica. Daniel Sottomaior, presidente da Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (ATEA), respondeu ao “ataque” de Frei Betto no blog Sul21 [5]:

O raciocínio do religioso não resiste ao mais óbvio exame. Pode-se virá-lo de ponta-cabeça afirmando que todo indivíduo é um templo do humanismo secular, e que portanto os torturadores na verdade praticam religiosidade militante. Mais importante ainda é o fato de que rebatizar à plena força expressões já existentes para lhes dar significado espúrio e negativo é um inegável sintoma de preconceito.

[…]

Ideias não têm direitos nem dignidade: seres humanos têm. Ideias e crenças não precisam ser protegidas nem respeitadas. Seres humanos precisam. Essa parece ser a grande diferença moral entre ateus e religiosos: para nós só há imoralidade quando se causa sofrimento àqueles que podem senti-lo. As ideias que se virem. Para Betto e a maior parte dos religiosos, as ideias têm direito de não serem criticadas, mesmo quando falsas. Os humanos que se virem.

[6]

Imagem do usuário do Flickr vivoandando. Usado sob licença Creative Commons.

Robson Fernando, do blog Arauto da Consciência, cita vários casos, no Brasil, [7] do que ele considera ser preconceito contra os ateus e o ateísmo (O Global Voices já escreveu antes [8] sobre o preconceito expressado pelo apresentador de TV José Luis Datena).

Por outro lado, George Huxcley, do blog Graphephilia, questiona [9] se o ateísmo é, ele próprio, uma religião:

O que me faz entender que apesar da negação de uma crença, seu fundamentalismo em querer fazer uma afirmação contrária a existência de deidades, é o mesmo agente motivador dos religiosos, em propagar sua crença, ou seja, a necessidade grande de ter suas questões resolvidas, a busca para um sentido existencial.

[…]

Claro concordo que por muito tempo os ateus foram discriminados socialmente, mas definitivamente não é usando da mesma moeda que conseguirão ter espaço e voz.

No mais eu tenho uma leve impressão que todos esses ateus proselitistas, em sua imensa maioria, são daqueles que dizem. ” – Sou Ateu Graças a Deus.”

[10]

"Jesus Vive" marca os pilares do que foi um abrigo e depois uma prisão política no rio de Janeiro. Imagem do usuário do Flickr swperman. Usado sob licença Creative Commons.

Finalmente, , Humberto Quaglio comenta [11] em seu blog Um Deus em Minha garagem, que é impossível definir exatamente o  “ateísmo militante”, e que nós só podemos classificá-lo de acordo com a situação. ele também acrescenta:

Talvez a presença dos ateus na sociedade, que se torna a cada dia mais visível, principalmente por causa da internet, incomode aquelas pessoas que não estavam acostumadas a ver suas convicções confrontadas por quem tenha ideias diferentes. Esta desconfortável confrontação a suas crenças leva muita gente a esquecer que, em nossa sociedade, todos têm o direito de expressar suas convicções. Há quem pense que a mera discordância de uma crença religiosa, e a expressão pública desta discordância, é um desrespeito à religião. Isto demonstra certa imaturidade quanto à natureza de uma sociedade aberta, onde a crítica a uma ideia não é necessariamente uma agressão ou ofensa aos adeptos do ponto de vista criticado. O direito de “pregar o evangelho a toda criatura” vale para qualquer “evangelho” e para qualquer “criatura”.