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Brasil: Blogueiras falam da primeira presidenta: sim, ela pode!

Categorias: América Latina, Brasil, Eleições, Mídia Cidadã, Mulheres e Gênero
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A imagem que faltava: Dilma, a guerreira, com faixa presidencial. Do blog Abundacanalha

Em janeiro de 2011, ao assumir a Presidência do Brasil [2], Dilma Rousseff inaugura uma nova era na história política do país: ela será a primeira mulher em um grupo onde figuram 35 presidentes, todos homens. Dilma será ainda a primeira brasileira – e 18ª mulher – em um restrito clube de líderes femininas [3] que estão atualmente no poder como presidentes ou primeiras-ministras de seus países.

Para Adriana Tanese Nogueira [4], esse momento histórico é certamente um sinal da mudança dos tempos, e conta com proporções ainda não completamente avaliadas. Segundo a blogueira, só o tempo poderá mostrar a extensão do significado da eleição da primeira mulher à presidência do Brasil:

É importante sublinhar o profundo sentido simbólico dessa eleição: é uma mulher que está no posto mais alto da sociedade e se trata de uma mulher que entrou na luta armada contra a ditadura militar. É grandioso.

As mulheres conscientes deste país estão todas de olho na Dilma esperando dela que faça justiça à condição feminina brasileira e que apresente uma referência de mulher forte, atrevida e inteligente.

A esquerda e todos os anti-ditadura, todos os que prezam a democracia e que não se acomodam em papeis convenientes e com o dinheiro no bolso, olham para esta eleição com orgulho.

Cynthia Semirames [5] aproveita para traçar a história política do Brasil do ponto de vista feminimo, lembrando que na década de 20, quando a avó dela nasceu, o voto era proibido para mulheres, que só conquistaram o direito de ajudar a  decidir os rumos do país em 1932. Para ela, a eleição de Dilma é um jato de esperança para muitas outras brasileiras:

É interessante perceber que a primeira mulher a chegar à presidência do Brasil não tenha vindo da política (uma das áreas mais machistas que existe): ela se destacou e foi escolhida como candidata pela sua capacidade profissional. É um exemplo e uma esperança para tantas mulheres que são excelentes profissionais, mas que mas encontram um teto de vidro impedindo o reconhecimento de seu trabalho e sua ascensão aos mais altos cargos.

É maravilhoso saber que quebramos o teto de vidro e elegemos Dilma Rousseff: uma profissional extremamente competente que será uma presidenta de esquerda.

Os tempos são outros, e chama novos questionamentos: afinal, Dilma será presidente ou presidenta? Dad Squarisi [6] explica que dicionários de língua portuguesa registram os dois termos, e que, no fundo, há uma questão de poder feminista no discurso em jogo. Ela nota que até pouco tempo não havia motivos para preocupações com a terminologia:

A questão é recente. Há poucos anos não passava pela cabeça de ninguém a possibilidade concreta de uma mulher ostentar, de fato, a faixa verde-amarela. Falava-se no assunto como hipótese utópica. Até chegar lá… Ops! Chegamos. O número de eleitoras ultrapassou o de eleitores. O voto feminino passou a ser disputado a tapa.

Voltando um pouco mais no tempo, a verdade é que o Brasil chegou a ter governos femininos em três ocasiões antes da Proclamação da República: A rainha de Portugal D. Maria I  comandou o país à distância a partir de 1777; Maria Leopoldina, esposa de D. Pedro I, se tornou a primeira imperadora do Brasil em 1822; e a Princesa Isabel, que foi regente do país na ausência do pai. Para Maíra Kubík Mano [7], o fato de todas elas serem provenientes da Família Real Portuguesa reforça a importância de Dilma como a primeira mulher eleita pelos brasileiros. Principalmente quando se trata do comando de um país que tem muito pouca representação feminina em cargos políticos, e ainda muito a evoluir em políticas para as mulheres:

Simbolicamente esse é um fato incrível, independente de sua matiz ideológica. Em especial se considerarmos o quanto as mulheres seguem sub-representadas na política nacional: nessa última legislatura, éramos apenas 8,97% da Câmara Federal e 12,34% no Senado, número que caiu em 2010. Aliás, se nossa base de cálculo fosse essa, eu arriscaria afirmar que demoraríamos mais uns cem anos para ver a cena que ocorre hoje. (…)

Dilma será a terceira mulher presidente na América do Sul e seria bom se, em alguns pontos, ela seguisse o exemplo de suas correlatas. Michelle Bachelet, ex-mandatária chilena e atual diretora da ONU Mulher, nomeou 50% de mulheres em seu gabinete quando presidente – medida tomada também pelo boliviano Evo Morales. Já a argentina Cristina Kirchner não só aprovou o matrimônio gay como deixa o país a um passo de descriminalizar o aborto.

Apesar de toda exaltação da eleição da primeira presidenta, Edi Machado [8] acha que não houve exatamente uma mudança de mentalidade da população, e defende que Lula foi o candidato real, sendo Dilma a candidata nominal nessa eleição:

Demérito de Dilma? Não de forma alguma, só acho que realmente quem venceu realmente foi Lula. Que não há como negar que dentro do que lhe foi “permitido” fez o que foi proposto nas suas inúmeras candidaturas até ser eleito em 2002 e reeleito 2006 e eu diria que eleito novamente agora em 2010. Sim porque ela só venceu pois tinha todo o apoio dele. (…) Só nos resta esperar e rezar pra que Deus acompanhe a primeira “presidenta” do nosso país em todas as suas decisões. E que se não for pedir muito que a ajude a ser uma boa presidente para o bem de toda uma nação com dimensões continentais.

A Hora da Estrela [9]

Comemoração nas ruas de Natal, Rio Grande do Norte. Foto de Isaac Ribeiro com licença do Creative Commons AttributionShare Alike.

Por outro lado, Alane Virgínia [10] concorda que a aprovação nas urnas da candidata indicada pelo presidente significa que a população aprovou a condução do governo de Lula, mas descarta a afirmação de que a população votou em Dilma só porque ela foi a protegida do presidente. Para a blogueira, o resultado mostra, na verdade, a vontade nacional de manter a esquerda no poder:

Votar em Dilma, no meu entendimento, tem a ver com a vontade de que a liderança do País continue na linha desenvolvida por Lula. Nossa opção foi correr mais um risco, foi votar acreditando que Dilma vai manter, na essência, o modelo de Governo de Lula.

Não, não acho que a população votou em uma desconhecida. Acho que a população votou em uma ideologia, ainda que fragilizada. É o voto de confiança.

Apesar das várias reflexões positivas e entusiasmadas quanto a eleição de Dilma, o Brasil foi entristecido pela onda de comentários xenófobicos [11] que invadiu a rede ainda durante a apuração dos votos. Muitos eleitores insatisfeitos “culparam” pobres, nordestinos e pessoas com baixa escolaridade pelo resultado “desfavorável” da eleição. Lola Aronovich [12] afirma que a raiz dessa reação foi a falta de amor pelo país na campanha adversária:

Um blog de extrema direita explicou a derrota de Serra através de inacreditáveis discursos racistas: a evolução dividiu o mundo em civilizados (europeus e estadunidenses brancos) e selvagens (africanos, indígenas e seus descendentes, que ele chama de botocudos). Nós brasileiros seríamos o lado do atraso, que tem um cérebro literalmente menor, segundo o fascistóide. E deveríamos copiar o sistema eleitoral americano, porque esse negócio de deixar a maioria eleger seu comandante só é legal quando a gente ganha. Outro blog pregou tolerância zero ao novo governo e desejou que a onda azul (qual onda azul, podemos nos perguntar) se transformasse num tsunami devastador. E já lançou seu grito de guerra, antes mesmo da presidenta tomar posse: “Fora Dilma!”.

Lidar com a desconfiança e o preconceito de parte da população e com a ferocidade de uma imprensa que tem se posicionado sempre do lado contrário [13] será um dos desafios do Governo Dilma. Será que ela pode usar sua sensibilidade feminina para vencer isso? Eleitora da oposição, Conceição Duarte [14] pede que, nessa jornada, a presidenta não se distraia com isso, nem esqueça que o Brasil “é grande, lindo e pródigo” e que todos os seus habitantes “são cheios de sonhos também”:

Essa gente, a nossa gente, quer saúde, paz, segurança, moradia, emprego. De quebra que venham as conduções mais fartas e melhor. O saneamento básico, os impostos mais baratos, as oportunidades para todos, a igualdade para a mulher quando trabalha ao lado do homem e ganha menos que ele. Escola, ensino de qualidade e tanto tanto mais para o nosso dia a dia. (…)
Como mulher com coração de mãe, de avó, desejo que ela tenha respeito pelos milhões de votos que teve.
Desejo sorte a ela. Saúde. E que não se esqueça de nós!

Uma semana depois das eleições, as blogueiras brasileiras continuam dizendo em coro: sim, ela pode.