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Brasil: O Xingu não tem lugar para Belo Monte

Categorias: América Latina, Brasil, Direitos Humanos, Indígenas, Meio Ambiente, Mídia Cidadã
Defendendo os Rios da Amazônia, no Youtube por xinguvivoparasempre [1]

Defendendo os Rios da Amazônia, no Youtube por xinguvivoparasempre

No último dia 26 de agosto, o Presidente Brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva [2] assinou um decreto que repassa ao consórcio Norte Energia [3], vencedor do leilão realizado em abril, a concessão de exploração do potencial hidrelétrico a ser gerado pela usina Belo Monte [4], no rio Xingu [5] (estado do Pará [6]), durante os próximos 35 anos, ao mesmo tempo que  autoriza o início das obras de construção. Trata-se de um projeto polêmico [7]que envolve um investimento de 19,6 bilhões de Reais, e o potencial de abastecer energeticamente 26 milhões de pessoas, a custo de destruição de floresta, inundação de cidades e deslocação de milhares pessoas. A ação calculada pelo governo tem o intuito de  levar a crer que o projeto da Belo Monte caminha dentro de um clima de normalidade e que a usina será, sem dúvida, construída. Mas, nos bastidores, os acontecimentos apontam em outra direção.

Por trás desse discurso  oficial de “normalidade” criado pelo governo, pessoas organizadas em movimentos sociais e ambientais [8] vem construindo, desde a década de 1970, sua própria história de resistência à construção de Belo Monte. São elas índios e ribeirinhos, cujos modos de vida e meios de sobrevivência atuais sofrerão um impacto desastroso com a construção da usina.

Os povos indígenas e ribeirinhos de toda a região amazônica onde está programada a construção de hidrelétrica se juntaram para tentar estabelecer estratégias conjuntas, na tentativa de paralisar o barramento de rios amazônicos. Estes grupos lutam por se fazer ouvir com o intuito de levar a opinião pública a unir forças com eles em exigir a interrupção do projeto antes da fase de construção da usina de tal modo a promover um diálogo, até aqui praticamente inexistente, entre as partes interessadas e as partes afetadas pela construção da usina. Contam, para isso, com o envolvimento de pessoas comprometidas com as causas indígenas e ambientais.

UHE Belo Monte, no Flickr por J.Gil licença CC: Atribuição-NaoComercial-ShareAlike [9]

UHE Belo Monte, no Flickr por J.Gil licença CC: Atribuição-NaoComercial-ShareAlike

Tal é o caso de dom Erwin Krautler [10], último ganhador do prestigioso prêmio Right Livelihood [11] [en] pelo seu trabalho de décadas enquanto ativista pelos direitos indígenas. Krautler, bispo prelado do Xingu (PA) e presidente do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), declarou [12]

Sou contra o projeto do jeito que foi feito, com autoritarismo e preconizando o discurso desenvolvimentista do governo que só fala das vantagens e nunca das desvantagens que Belo Monte trará. Cerca de 30 mil pessoas serão chutadas de lá [da Volta Grande do rio Xingu] e levadas sei lá pra onde. Essa obra vai ser a maior agressão já vista na Amazônia.

Também comprometido com a causa e à frente do caso junto ao Ministério Público Federal do Pará, o procurador Felício Pontes Júnior  ingressou com a primeira ação contra Belo Monte em 2001, e garante que se o órgão não tivesse agido já naquela época, a usina já estaria construída hoje. No total, o MPF do Pará move oito processos, que tratam do atropelo nos procedimentos legais e apontam irregularidades no licenciamento ambiental da hidrelétrica. Nenhuma dessas ações havia sido julgada até o dia 2 de setembro último, e o que se afirma é que só uma sentença judicial pode virar o jogo.

Segundo o procurador, o governo tenta emplacar a “teoria do fato consumado” que, em Direito refere-se a tentativa de driblar as ações judiciais a partir da noção de que uma vez finalizada a obra não se consegue mais reverter a situação. No entanto, os processos que estão em tramitação na Justiça ainda podem impedir a construção da usina:

O governo federal tem soltado release sobre Belo Monte como se o fato já estivesse consumado. Temos processos em andamento que, se tiverem decisões favoráveis, nós paramos Belo Monte. (…) Nós não desistimos de barrar Belo Monte. Queremos barrar a construção da hidrelétrica sim porque todos os estudos, da Unicamp, da USP, da UnB, mostram que é uma obra inviável. (…) Nós não estamos jogando a toalha.

A notícia divulgada na EcoAgência [13] no dia 27 de setembro a respeito de Belo Monte indica que, de fato, o Procurador Felício não desistiu da  luta. Ele e seu colega Cláudio Terre do Amaral participaram da reunião do dia 24 de setembro com representantes de cerca de 12 mil famílias moradoras da Volta Grande, uma extensão de 100 km do rio Xingu no município de Vitória do Xingu, onde dois fenômenos opostos estão fadados a ocorrer com a construção da usina: desaparecimento das águas num trecho e formação de um lago e conseqüente inundação das terras, em outro. Tanto um quanto outro fenômeno são devastadores para essas famílias que sobrevivem da pesca e da agricultura familiar e que, no entanto, ainda não sabem o que acontecerá com suas terras e propriedades se a usina for mesmo construída. Como explica o procurador:

Ainda falta muito para que a usina se torne uma realidade, mas estamos preocupados com o fato dessas famílias não terem recebido informações concretas sobre o empreendimento.


Para essas famílias nem mesmo os benefícios da energia elétrica é algo com o qual podem contar. Uma de suas queixas é, justamente, a falta de energia elétrica, apesar da região da Volta Grande ficar distante apenas cerca de 300 quilômetros da usina de Tucuruí. A companhia distribuidora de energia elétrica já informou aos agricultores e ribeirinhos que o programa Luz para Todos não vai atingir os moradores dos travessões na parte que deverá ser alagada caso a usina seja construída.

Sob o título “Procurador teme confronto em canteiro de obras da hidrelétrica Belo Monte” o blog Indymedia [14] refere-se ao temor expresso nas palavras do Procurador Felício quanto a um possível confronto entre índios e empregados da construção civil durante as obras da hidrelétrica:

Eu estou extremamente preocupado. Porque o discurso dos indígenas está sendo no seguinte sentido: “Nós vamos morrer de qualquer jeito se esse rio [Xingu] for barrado, então nós vamos morrer lutando”. Temo por um conflito no canteiro de obras dessa hidrelétrica, entre os índios e os trabalhadores da construção civil. Isso pode acontecer e, pessoalmente, é o que mais angustia.

Por todos estes impactos e prejuízos, os povos indígenas reafirmaram, em dezembro de 2009, seu posicionamento quanto à construção da hidrelétrica, como divulgado no blog Brasil Autogestionário [15]:

Nós, povos Indígenas, não vamos sentar mais com nenhum representante do governo para falar sobre UHE Belo Monte; pois já falamos tempo demais e isso custou 20 anos de nossa história. Se o governo brasileiro quiser construir Belo Monte da forma arbitrária de como está sendo proposto, que seja de total responsabilidade deste governo e de seus representantes como também da justiça o que virá a acontecer com os executores dessa obra; com os trabalhadores; com os povos indígenas. O rio Xingu pode virar um rio de sangue. É esta a nossa mensagem. Que o Brasil e o mundo tenham conhecimento do que pode acontecer no futuro se os governantes brasileiros não respeitarem os nossos direitos como povos indígenas do Brasil.

Felício Pontes revelou, na mesma entrevista, a decisão  que saiu do encontro dos indígenas em 26 de agosto de que eles vão procurar as cortes internacionais para denunciar a violação dos seus direitos:

Eu espero que, com essa decisão, nós consigamos o apoio internacional, principalmente das entidades ligadas aos direitos humanos, e também das entidades técnicas, a Comissão Mundial de Barragens, por exemplo. Estudos técnicos, por exemplo, podem comprovar a inviabilidade econômica dessa hidrelétrica.