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Brasil: Jornal do Brasil deixa de ser impresso e passa a ser apenas digital

Categorias: América Latina, Brasil, Economia e Negócios, História, Mídia Cidadã, Mídia e Jornalismo, Tecnologia, Trabalho
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Capa da última edição impressa do JB (detalhe). Blog Diário do Rio

Em 31 de agosto de 2010, o Jornal do Brasil (JB) anunciou o fim de suas ediçõesi mpressas e a migração para uma versão 100% online. O dono do Jornal,  Nelson Tanure [2], assim como seus últimos editoriais [3], elogiavam a iniciativa e a consideravam como um passo a frente no caminho do futuro, enquanto por outro lado, os trabalhadores do JB protestavam contra o que poderia ser o primeiro passo no caminho do encerramento definitivo de um dos mais antigos jornais brasileiros.

Fundado em 1991, o JB foi um dos jornais mais importantes do Brasil no final do século 19 e durante a maior parte do século 20. Foi também o primeiro jornal a ter um site no país e publicar seu conteúdo online, em 1995. Vários dos mais notáveis jornalistas brasileiros fizeram parte de seu time e, de acordo com o deputado federal Brizola Neto [4], houve um tempo em que o JB era sinônimo de credibilidade:

“Deu no JB”, por muitos anos, foi uma frase que lembrava o tom de credibilidade de um “deu no NY Times

[5]

Capa de 14 de dezembro de 1968, logo após o Ato que institucionalizou a censura no Brasil, do Último Segundo

No Twitter, internautas como @zamuna47 [6] comentaram sobre o papel importante que teve o JB durante o golpe militar (1964) e na Ditadura que se seguiu (até 1985).  Alberto Dines – editor do JB na época – declarou no Observatório de Imprensa [7] que no fim dos anos 60 e início dos 70, “mesmo com a ditadura e a censura como pano de fundo”, o JB era um jornal bastante competitivo, se referindo a um “confronto jornalístico final” entre o JB e O Globo – um dos maiores jornais do país -, no que ele chama de “encontro de gigantes, disputa de qualidade”. Então ele lamenta a forma pela qual o JB anunciou seu fim:

o fim do JB impresso foi confirmado na edição de quarta-feira (14/7) sob a forma de anúncio, publicidade. Aquela Casa não acredita em texto. E o seu jornal morreu sem epitáfio.

Brizola Neto, em um vídeo postado no Vi o Mundo [8], relembra um episódio em 1982, quando jornalistas do JB “ajudaram a desfazer uma tentativa de fraude nas eleições estaduais do Rio de Janeiro, vencidas pelo avô dele, Leonel Brizola”. Em seu blog, Neto explica [4] o que ele acredita que está pro trás do fim do JB em versão impressa:

Dizem que  neste embate ao império global esteve parte do motivo da decadência do JB. Contam que o departamento comercial de O Globo era extremamente agressivo e avançava sobre os anunciantes do concorrente, propondo publicidade casada com outras publicações das Organizações Globo, numa concorrência desleal.

De fato, o JB teve muitos problemas financeiros, como Sílvio Guedes Crespo, do blog Panorama Econômico, comenta [9]:

O passivo acumulado do JB chega a R$ 800 milhões, a maior parte em dívidas trabalhistas e fiscais.
Segundo o Estadão, o “colapso financeiro” ocorreu no final da década de 1990; em 2001, os acionistas do JB arrendaram a marca por 60 anos à Companhia Brasileira de Multimídia (CBM), que é controlada pela Docasnet, empresa de Tanure. A CBM também havia arrendado a marca Gazeta Mercantil, que deixou de circular em 2009.

[9]

A primeira propaganda alertando os leitores da proximidade da versão totalmente digital do jornal. Do blog Radar Econômico.

Para Júlio Pegna, do blog As Sandálias do Pirata, o episódio é, na verdade, uma lição [10] a ser ensinada à própria mídia:

Mais do que apenas a quebra de uma empresa, o fim do JB representa um sinal para a grande imprensa. Mostra como é possivel, mesmo para um ícone, perder consistência financeira quando falta capacidade de visão. Os veiculos de comunicação impressos estarão condenados ao desaparecimento à medida que o público leitor tiver acesso à informação instantânea; a banda larga é o caminho inexorável que irá fulminar o bom e velho jornal. Fica a dúvida de como será embrulhado o peixe na feira livre dali em diante.

Apesar de declarar que a maior parte de seus leitores concordaram com a mudança do papel para uma versão exclusivamente online, muitos não viram a mudança com bons olhos, como [11] Guilherme Valadares, do blog Papo de Homem:

Um marco radical. Resta saber se a guinada vai vingar. Pessoalmente, não considero um caminho acertado. Não vejo o brasileiro, em especial os leitores cativos de jornais impressos, prontos para fazer o pulo 100% para o Digital. Eu deixaria a operação da versão impressa mais enxuta, mas não iria abrir mão da mesma nunca.

[12]

Foto do blog Zenello.

No último dia de sua existência como jornal impresso, muitos jornalistas se reuniram para protestar [13] contra o corte que viria de quase metade de seus empregos, comparando a decisão [de fechar o jornal] com o ato de jogar a memória do país no lixo.

O jornalista Ricardo Kotscho, que trabalhou no JB dos anos 70 aos 90, diz que o jornal estava morrendo lentamente [14]:

Restavam lá trabalhando apenas 60 jornalistas, a circulação vinha minguando abaixo dos 20 mil exemplares, o jornal já tinha encolhido de tamanho e o passivo chegava a 100 milhões de reais. Alguns dos seus antigos craques hoje ainda podem ser encontrados nas páginas de O Globo. A imprensa brasileira deveria decretar três dias de luto.

Leandro Mazzini, do blog Informe JB postou [15] suas reações e, aparentemente, se mostra mais otimista quanto ao futuro:

É difícil mudar uma tradição de leitura de jornais, mas não impossível diante das tendências do presente e do futuro: com a convergência de mídias a cada dia mais essenciais, haverá em alguns anos uma inevitável migração dos impressos para o conteúdo digital (inclusive pelo fator ambiental, tão em voga).

O blog Diário do Rio reproduziu as razões [1] dadas pelo jornal para sua mudança radical, e postou uma linha do tempo [16] da rica história do jornal.

O artigo foi revisado, na versão em inglês, por Ricardo Salta [17].