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Chile: Primeiro País a Legislar sobre Neutralidade da Rede

Categorias: América Latina, Chile, Ativismo Digital, Lei, Mídia Cidadã, Tecnologia

Após cerca de três anos de debates, o Chile aprovou a lei da chamada Neutralidade da Rede [1] [es], que abrange a inclusão de três novos artigos na Lei Geral de Telecomunicações.

A reforma implica [2] [en], entre outras coisas, que os provedores de internet não poderão arbitrariamente bloquear, interferir, discriminar, entravar or restringir conteúdos, aplicativos ou serviços legalmente realizados pelos usuários via rede. Adicionalmente, a reforma estabelece a obrigação de transparência das informações sobre planos de conexão e permite que sejam requisitados recursos como controle dos pais às expensas do usuário. O estabelecimento dessa garantia legal foi visto como um grande triunfo para o princípio da neutralidade da rede [3] [en] e o Chile se destacou como o primeiro país a estabelecer tal princípio por lei [4] [es].


Vídeo [en] que explica a neutralidade de rede, por Public Knowledge [5], utilizado sob licença CC Attribution-NonCommercial-ShareAlike 2.5.

Um dos traços mais importantes dessa nova lei é que a iniciativa foi promovida por um grupo de cidadãos organizados na comunidade Neutralidad Sí [6] [es], que convenceu representantes no Congresso sobre a importância de se ter uma lei dessa natureza garantindo o direito dos usuários. Anteriormente, esse grupo trabalhou intensamente para demonstrar que importantes provedores de internet vinham agindo contra os princípios da neutralidade, por exemplo, bloqueando portas que permitem o intercâmbio de arquivos via P2P [7] [es].

Felipe Morandé, Ministro dos Transportes e das Telecomunicações, disse [8] [es]: “É um passo concreto em direção à maior transparência no mercado de banda larga, estimulando a competição pela qualidade dos serviços, que é o pilar de nossa política pública de telecomunicações”, e enfatizou que a lei “coloca o país na vanguarda global em termos de neutralidade de rede. Isso demonstra que existe vontade política no Chile para modernizar a regulação das telecomunicações e empoderar os consumidores. Esse é o caminho que estamos seguindo para beneficiar os cidadãos”.

A iniciativa foi bem recebida pelo público. Em ChileGeek, por exemplo, Diego Narvaez [9] citou [es] quatro razões pelas quais a legislação é boa, afirmando que:

con este proyecto la legislación se pone a la vanguardia respecto a otros países como EEUU y comunidad Europea, en donde la neutralidad de la red no se encuentra legislada por el fuerte lobby que efectúan las empresas de telecomunicaciones y proveedoras de acceso.

com esse projeto, a legislação se posiciona na vanguarda em relação a países como os da União Europeia e EUA, onde a neutralidade de rede não foi regulada graças ao pesado lobby realizado pelas operadoras de telecomunicações e pelos provedores de internet.

Mas nem todo mundo está de acordo. Embora a regulação desse tipo de assunto soe como uma notícia positiva, há dúvidas sobre o real alcance da lei recentemente aprovada. Em Blawier, um blog especializado em direito, Miguel Morachimo [10] afirma que [es]:

El proyecto ha sido denominado de “neutralidad de red” pero en verdad señala obligaciones diversas para los ISPs y las empresas de telecomunicaciones que les provean de servicios, entre las cuales está la de no discriminación arbitraria en la capa de aplicaciones, servicios o contenidos legales con efectos anticompetitivos. Sin embargo, la no discriminación es una obligación que ya está presente en la regulación sectorial chilena

O projeto foi denominado “neutralidade da rede”, mas na verdade, sinaliza várias obrigações para os provedores de internet e para as empresas de telecomunicações que lhes prestam serviços, entre as quais está a não-discriminação arbitrária na camada de aplicações, serviços ou conteúdos legais com objetivos de conter a competição. No entanto, a não-discriminação já é uma obrigação presente na regulação setorial chilena.

Do mesmo modo, a ONG Derechos Digitales [Direitos Digitais], organização chilena que defende os direitos online, também levantou dúvidas sobre a lei [11] [es], afirmando que:

La consagración legal de la neutralidad no es absoluta, sino que se configura como un derecho de los usuarios sujeto a límites importantes. Por una parte, al establecer la ley que los prestadores de Internet “No podrán arbitrariamente bloquear, interferir, discriminar, entorpecer ni restringir” el derecho a usar contenidos y redes (Art. 24 H a), deja abierta la posibilidad de intervención en la medida en que ésta no sera arbitraria.

Junto con lo anterior, la neutralidad es garantizada como un derecho a utilizar contenidos o servicios y realizar actividades de carácter legal a través de Internet sin dicha intervención discriminatoria. En consecuencia, un uso ilegal autorizaría al proveedor de conexión a ejercer medidas contrarias al principio de neutralidad.

A consagração legal da neutralidade não é absoluta, constitui-se como um direito dos usuários sujeito a limitações significativas. Por um lado, a lei estabelece que os provedores de internet “não poderão arbitrariamente bloquear, interferir, discriminar, entravar ou restringir” o direito a utilizar conteúdos e redes (Art. 24 H a), deixando aberta a possibilidade de interferência desde que esta não seja arbitrária.

Além disso, a neutralidade é garantida como um direito ao uso de conteúdos e serviços, e ao desempenho de atividades de caráter legal por meio da internet, sem nenhuma interferência discriminatória. Portanto, em caso de uso ilegal, o provedor poderia adotar medidas contrárias ao princípio da neutralidade.

Em resumo, a lei é vista como um projeto com boas intenções mas também com escopo e efeitos imprevisíveis. São muitas as lacunas a serem preenchidas pela regulamentação que será publicada em noventa dias, e ela não será submetida ao debate público como ocorreu com o texto da lei. Ao mesmo tempo, é interessante notar que foi uma organização cidadã – antes da iniciativa política – a responsável por encarar os desafios impostos pelo mundo digital.

Imagem “Em Defesa da Internet” publicada pelo usuário Flickr Tonymadrid Photography [12]e utilizada sob uma licença CC Atribuição-Uso não-comercial-Vedada a criação de obras derivadas 2.0 Generic.