Sérvia: TIJ decide a independência do Kosovo como legal

Em sequência a um pedido oficial da Sérvia em setembro de 2008, a Assembleia Geral da ONU solicitou ao Tribunal Internacional de Justiça uma opinião consultiva sobre a declaração de independência do Kosovo, adotada por membros do Parlamento Kosovar em 17 de fevereiro de 2008.

A pergunta posta pela Sérvia e enviada ao TIJ pela Assembleia Geral era clara:

“A declaração de independência feita unilateralmente pelas Instituições Provisórias do Governo do Kosovo está em acordo com a legislação internacional?”

O presidente da República da Sérvia, o ministro de relações exteriores e outros oficiais do governo disseminaram pelo mundo, já por quase dois anos, uma propaganda diplomática que afirma que o ato do Parlamento de Kosovo foi ilegal de acordo com as leis internacionais.

Embora os funcionários do governo sérvio sejam otimistas, esperando que a opinião consultiva do Tribunal fosse positiva para a Sérvia, a maioria das pessoas, incluindo alguns blogueiros, acredita que o Tribunal dará uma resposta ambígua para atender às expectativas de ambos os lados, Sérvia e Kosovo.

Em 20 de julho, dois dias antes do anúncio oficial da decisão, Jelica Greganovic, uma blogueira sérvia que mora na Eslovência, escreveu [sr]:

The decision of the International Court of Justice in The Hague about the issue of legality of the declaration of Kosovo’s independence is, allegedly, unofficially already known. The independence of Kosovo is in opposition with the international law, but is legitimate because of the genocide against Albanians from Kosovo.

[…] The Slovenian media are already broadcasting the aforementioned unofficial decision by the Court, and the Montenegrin portal “Analytics” asserts that it has already been delivered to Belgrade. Colleague Misa Brkic, in his article on the portal, writes that he found out from one of the insiders that the decision would have two key items: the ICJ will give its advisory opinion, first, that Kosovo’s independence is not in accordance with the International law, and, second, that Serbia, under the former regime of Slobodan Milosevic, committed genocide against Kosovo’s Albanians in 1999, and so, because of that, their reaction is that the declaration of independence is legitimate. […]

A decisão do Tribunal Internacional de Justiça em Haia sobre a questão da legalidade da declaração de independência do Kosovo já é, alega-se, conhecida de forma não-oficial. A independência do Kosovo está em oposição à legislação internacional, mas é legítima por conta do genocídio contra os albaneses de Kosovo.

[…] A mídia eslovena divulgou essa decisão não-oficial da Corte, e o portal montenegrino “Analytics” informa que já foi enviada a Belgrado. O colega Misa Brkic, em seu artigo para o portal, escreve que descobriu de alguém ‘de dentro’ que a decisão teria dois pontos-chave: o TJI dará sua opinião consultiva; primeiro, que a independência de Kosovo não está de acordo com a legislação internacional e que, segundo, a Sérvia, sob o regime anterior de Slobodan Milosevic, cometeu genocídio contra os albaneses kosovares em 1999, e então, portanto, a reação é de que a declaração de independência seja legítima. […]

Ao final do post, Greganovic afirma:

[…] Kosovo declared its independence in February 2008. Since then, 69 countries, 22 of them members of the European Union, have recognized it as an independent country. According to the Slovenian media, only five countries have recognized Kosovo this year.

[…] Kosovo declarou sua independência em fevereiro de 2008. Desde então, 69 países -22 deles membros da União Europeia – reconheceram a independência do país. De acordo com a imprensa eslovena, apenas cinco países reconheceram o Kosovo este ano.

E ela conclui:

It remains to wait for the official statement of ICJ’s decision. Honestly, the aforementioned, alleged and, for now, unofficial decision sounds… predictable to me.

Ainda é preciso aguardar pela declaração oficial da decisão do TIJ. Sinceramente, a decisão já mencionada, alegada e, até agora, não-oficial me parece… bem previsível.

Apesar da legítima disputa diplomática na arena internacional a disseminar versões da verdade, e também das expectativas positivas ou ao menos neutras de seus cidadãos, a Sérvia teve de encarar a Opinião Consultiva oficial [en] (em arquivo pdf) do Tribunal Internacional de Justiça, do dia 22 de julho:

Accordingly, [the court] concludes that the declaration of independence on 17 February 2008 did not violate general international law.

Por esses motivos, [o tribunal] conclui que a declaração de independência de 17 de fevereiro de 2008 não violou a legislação internacional.

A primeira reação veio da Sérvia, por Vuk Jeremic, ministro das relações exteriores, que participava da sessão do TJI em Haia. Após a leitura da decisão do Tribunal pelo presidente do TJI, o juiz japonês Hisashi Owada, Jeremic declarou para a imprensa sérvia que, apesar do posicionamento divulgado, a Sérvia nunca reconheceria a independência do Kosovo. E disse [en]:

[…] Serbia will continue with a peaceful diplomatic fight for Kosovo. […]

[…] A Sérvia continuará com uma briga diplomática pacífica pelo Kosovo. […]

Em discurso público, o Presidente Boris Tadic declarou [en], entre outras coisas:

It is clear that the court was not ruling on the right to secession, but that it decided to debate only the technical content of the declaration of independence. The court avoided to rule on the essential issue and decided to let the top UN organ debate that, and all the political implications. […]

Serbia will never recognize the unilaterally declared independence of Kosovo, since we believe that unilateral and ethnically motivated secession is not in line with UN principles […]

Está claro que o tribunal não está se pronunciando sobre o direito de secessão, mas decidiu debater apenas o conteúdo técnico da declaração de independência.  O tribunal evitou se pronunciar sobre a questão essencial e decidiu levar o debate ao órgão máximo da ONU, com todas as implicações políticas. […]

Sérvia nunca irá reconhecer a declaração unilateral de independência do Kosovo, porque acreditamos que uma secessão unilateral e etnicamente motivada não está de acordo com os princípios das Nações Unidas […]

O blogueiro Drago Kovacevic, no seu blog B92, reagiu [en] às declarações:

[…] After the announcement of the decision, Vuk Jeremic spoke and promptly announced the extension of the struggle…

President Tadic was more reasonable, and today he was talking with Biden, and said this day was difficult for Serbia and he would consult with the general public. […]

[…] Em seguida ao pronunciamento da decisão, Vuk Jeremic falou e prontamente anunciou a continuação da peleja…

Presidente Tadic foi mais sensato, e hoje ele falava com Biden e disse que o dia havia sido muito difícil para a Sérvia, e que ele teria um momeno com a população. […]

Ele também criticou os esforços da diplomacia sérvia e concluiu:

[…] But, no matter how it was, it’s time that the wrong policy towards Kosovo is changed. […] Tadic was zealously trying to lose Kosovo for the second time and he has succeeded in it. […]

[…] Porém, sem importar como foi feito, já era hora da política errada para o Kosovo ser modificada. […] Tadic estava entusiasticamente tentando perder o Kosovo pela segunda vez e ele conseguiu. […]

Os partidos da coalizão em poder na Sérvia consideram que, apesar de tudo, a definição do status do Kosovo ainda não terminou, e anunciaram intensa atividade diplomática até setembro, quando a sessão da Assembleia Geral da ONU deve acontecer. Enquanto isso, alguns partidos de oposição, como o Partido Democrático da Sérvia, cujo líder é Vojislav Kostunica – o primeiro-ministro à época em que Kosovo declarou-se independente -, pediram que Boris Tadic renunciasse pela catastrófica política externa com a pronvíncia sérvia do sul – Kosovo:

Now, when it’s certain that ICJ’s Advisory Opinion is absolutely negative for Serbia’s national interest, it is opening the question of responsibility of authors and perpetrators of this defeated policy. Because of their political selfishness and inadequacy, they [and] the President of the Republic, have to resign as soon as possible.

Agora que é certo que a opinião consultiva do TJI é completamente negativa para o interesse nacional da Sérvia, abre-se uma brecha para a responsabilidade de autores e entusiastas dessa política derrotada. É por conta do egoísmo e da inadequação política, que eles e o Presidente da República deverão renunciar assim que possível.

Blogueiro Sasa Radulovic acredita [sr] que o Tribunal Internacional de Justiça disse absolutamente nada na Opinião Consultiva:

The question was:

“'Is the unilateral declaration of independence by the Provisional Institutions of Self-Government of Kosovo in accordance with international law?”

The response by the Court: not… because the Declaration was not adopted by temporary institutions of Kosovo’s self-management, but by Djura and Pera [Serbian names which mark some people who are not credible], and the two of them were not acting out of the UN legal frame established with the Resolution 1244.

The International Court of Justice established that the international law does generally not ban unilateral declarations about independence, not discussing the issue whether such declarations then cause independence.

According to the advisory opinion of the Court, the Declaration about Kosovo’s independence was not contrary to the Resolution 1244, nor to the temporary law order which has been established by the Resolution because the authors of the Declaration were not the temporary institutions of self-management in Kosovo, but a group of people who defined themselves as democratically elected leaders of Kosovo’s people.

According to the Court, authors of the Declaration, as well as the Declaration itself, were acting out of a UN legal frame established by the Resolution 1244, which did not explicitly refer to the final status of Kosovo.

Djura and Pera = a group that defined itself as democratically elected leaders of Kosovo’s people

Why the Court defined the question in such an absurd way, I’ll leave to numerous analysts. So it has caused damage to itself the most. And to all of us. And in this way the Court said to the world that it was not ready to assume its role in the world order as a legal authority. And it withdrew into a shell.

The fact is:

The Court didn’t say that the independence had been declared in accordance with the international law, as well the actions that followed after that.

The Court said that what the mentioned group of citizens had declared did not have any legal importance from the International law’s point of view, and it couldn’t be in conflict with the law.

The Court said nothing.

A pergunta era:

“A declaração de independência feita unilateralmente pelas Instituições Provisórias do Governo do Kosovo está em acordo com a legislação internacional?”

A resposta do Tribunal: não… porque a Declaração não fora adotada por instituições temporárias do Governo de Kosovo, mas por Djura e Pera [denominações sérvias para pessoas sem crédito], e que ambos não agiram fora dos parâmetros legais da ONU com a Resolução 1244.

O Tribunal Internacional de Justiça concluiu que a legislação internacional geralmente não bane declarações unilaterais de independência, mas não discutiu a questão de se tais declarações então resultam em independência.

De acordo com a Opinião Consultiva do Tribunal, a Declaração sobre a independência do Kosovo não era contrária à Resolução 1244, tampouco à determinação judicial temporária estabelecida pela Resolução, porque os autores da Declaração não foram as instituições temporárias de Governo do Kosovo, mas sim por um grupo de pessoas que se dizem escolhidas democraticamente como líderes do povo Kosovar.

Segundo o Tribunal, os autores da Declaração, assim como a própria Declaração, agiam fora dos parâmetros legais estabelecidos pela Resolução 1244, que não se referia explicitamente ao status final do Kosovo.

Djura e Pera = um grupo que se autodenominava liderança democraticamente eleita pelo povo do Kosovo.

Por quê o Tribunal definiu o assunto de maneira tão absurda, deixarei aos vários analistas. Houve muito desgaste à situação e a todos nós. E dessa maneira o Tribunal disse ao mundo todo que ele não está preparado para assumir seu papel na ordem mundial como autoridade legal. E escondeu-se numa concha.

O fato é:

O Tribunal não afirmou que a independência fora declarada de acordo com a legislação internacional, assim como as ações que se seguiram.

O Tribunal disse que a declaração do grupo de cidadãos mencionado não havia importância legal no ponto de vista da legislação internacional, e não haveria, então, conflito com a lei.

O Tribunal disse nada.

O fato de que a Sérvia está aquém da realidade com relação ao Kosovo ficou explícito quando padres e seguidores da Igreja Ortodoxa Sérvia, que tem famosos mosteiros no Kosovo, começaram a fazer preces em Igrejas por toda a Sérvia, pedindo uma decisão positiva no TIJ às 17 horas, quando o Tribunal já havia dito que a declaração unilateral de independência do Kosovo era legal.

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