Em 17 de maio, o Irã anunciou um novo acordo com o Brasil e a Turquia sobre o enriquecimento de urânio incluído no programa nuclear [1] do país. Por várias semanas, os EUA tentaram de forma infrutífera negociar um acordo similar enquanto pressionava o Irã a modificar suas políticas sobre os relatórios de enriquecimento de urânio e atividades de re-processamento para a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).
O acordo dita que o Irã deve enviar 1.2 toneladas de urânio à Turquia, que irá enriquecê-lo à 20% para fins médicos, e que o Brasil, como mediador, deverá garantir que o acordo seja respeitado. O presidente Brasileiro, Lula, e o Primeiro Ministro da Turquia, Recep Tayyip Erdogan [2], viajaram à Teerã para convencer o presidente Mahmoud Ahmadinejad [3] a aceitar o acordo como última chance de evitar as sanções na ONU sugeridas na Cúpula de Segurança Nuclear [4], em abril.
Grande parte das críticas trazidas pela blogosfera brasileira tratam não da opção brasileira em si – ainda que alguns blogueiros tenham criticado e considerado a posição do presidente Lula amadora [6] – mas principalmente [tratam] do papel dos EUA e da ONU, assim como se é possível ou não confiar no Irã. De qualquer forma, a idéia principal por detrás dos argumentos não é nova.
Como Dolphindiluna, do blog Mobilização BR, declarou [7]:
O acordo assinado pelo Irã e intermediado por Brasil e Turquia não difere muito daquele apresentado pelo grupo dos 5+1 – Estados Unidos, Reino Unido, França, China, Rússia e Alemanha – no final do ano passado e mediado pela AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica).
A blogueira brasileira Maria Frô tem uma opinião forte sobre o assunto e descreve [8] o acordo assinado por Irã, Brasil e turquia como…
[…] a maior vitória diplomática dos últimos tempos
Até agora os EUA não renunciaram ao direito de propor sanções no Conselho de Segurança da ONU e, por isto, é alvo de muita crítica [9] por parte dos blogueiros brasileiros que majoritariamente discordam de que a imposição de sanções fará qualquer diferença, e consideram que os EUA simplesmente querem assumir a ONU. Como o blog Polivocidade acrescenta [10]:
Várias ocasiões na história nos remetem ao despeito, e ao mesmo tempo ao grande mando que os EUA exercem sobre a ONU. Basta lembrar aqui a total indiferença da ONU a respeito da invasão dos EUA ao Iraque, e tantas outras medidas econômicas que constrangem e prejudicam a soberania de outros países no mundo, realizadas pelos EUA, onde a ONU não faz valer sua autoridade institucional.
Os net-cidadãos também extendem seu ceticismo às intenções do Irã e na saúde do acordo. Gustavo Chacra em seu blog De Beirute à Nova York, escreve [11]:
Alguns dizem que o objetivo de Teerã é ir empurrando com a barriga a questão nuclear até atingir a capacidade de produzir um armamento, sem necessariamente fabricá-lo. Eu tendo a concordar com esta teoria. O mesmo ocorreu com a Coréia do Norte. Mas, desde ontem, Brasil e Turquia passaram ser fiscais.
Sobre o papel do Brasil, o professor José Flavio Sombra Saraiva escreve [13] para o blog Mundorama e acredita que o Brasil não deveria se meter no meio de tal problema:
O nó não se desata. E o Brasil se meteu no meio dos interesses cruciais dos gigantes, ambiciosos na conservação do controle tecnológico do ciclo nuclear completo. É poder a ser conservado. Valeu o esforço da diplomacia nacional em seus propósitos de diálogo. Mas o mundo é bem mais complexo que o voluntarismo da política externa do Brasil no capítulo nuclear, embora em outras áreas tenha obtido avanços relevantes nos últimos anos.
Andre Kenji do blog Dissidência também critica [14] o papel brasileiro no conflito, que ele considera como talvez uma simples oportunidade para um “teatrinho diplomático”:
Certo, há o Brasil. O país tem um poderio militar fraco, não muito melhor ao do Irã e nunca conseguiu ter uma força diplomática forte nas pendengas envolvendo seus próprios vizinhos. Mas sempre se enxergou como uma espécie de Estados Unidos tropical, e certamente precisava exercitar isso de alguma forma. Certo? Então, nada melhor que um teatrinho diplomático.
Chico Barreira, em um longo post entitulado ‘O Impasse Ecológico [15]‘, no blog Novas Ideias, relaciona a questão à própria soberania do país, dizendo que o Brasil está defendendo sua própria indústria nuclear:
Logo, ao defender o direto do Irã e de qualquer outro pais de acesso à tecnologias nucleares, o Brasil defende essencialmente os seus interesses estratégicos e comerciais. Isto, pela boa razão de que possuímos mais de cinqüenta por cento das reservas naturais de urânio do Planeta e estamos em vias de ingressa no seleto grupo de apenas seis países que controlam o processo integral de enriquecimento do desse minério.
Finalmente, Leandro Fortes, do blog Brasília, eu vi, analisa [16] o papel do Presidente Lula e da diplomacia brasileira e elogia a independência e o profissionalismo do Ministro de Relações Exteriores Celso Amorim [17]. A mídia brasileira está falando sobre a possibilidade de um Prêmio Nobel da Paz para o Presidente Lula agora que seu mandato está chegando ao fim. Leandro Fortes sarcasticamente diz [para a mídia] o que ele acredita que está por detrás de toda política externa e do próprio Nobel, marcando o esforço feito pelo governo para chegar a tal acordo:
O sucesso da diplomacia brasileira nesse episódio criou um paradigma de atuação profissional do Itamaraty até então considerado impossível. De forma pacífica e disciplinada, a operação que resultou no acordo foi conduzida com extrema leveza, a caminhar sobre os ovos de aves agourentas distintas que se odeiam desde as primeiras luzes. Incorporou à biografia de Lula essa aura dos que lutam pela paz, requisito fundamental para a seleção dos premiados do Prêmio Nobel da Paz. Mas, antes que isso aconteça, a mídia brasileira vai finalmente descobrir que o milionário Alfred Nobel inventou a dinamite.
O resultado concretamente político dessa ação no Oriente Médio, apesar da bem sucedida pressão da extrema-direita americana sobre Barack Obama a favor de sanções contra o Irã, foi a desconstrução do discurso conservador da diplomacia brasileira, todo ele montado sobre as teses de alinhamento automático aos Estados Unidos, reação acrítica de atos de barbárie cometidos por Estados ocidentais e a submissão pura e simples às regras financeiras ditadas pelas nações ricas. Nesse aspecto, a história do chanceler Celso Amorim será extremamente mais relevante do que a de seus antecessores, torcedores vibrantes pelo fracasso do ministro com ampla visibilidade nas matérias e programas de entrevista da velha mídia nacional.
Dado o acordo a que chegaram Brasil e Turquia com o Irã, o último dá passos em direção a um caminho pacífico para o conflito iminente e para alcançar um caminho diferente no confronto com as potências ocidentais. Se o Irã é digno de confiança ou não é um assunto diferente. Visto que o Brasil e outros países tem o direito de possuir armas atômicas ou mesmo energia nuclear, já é tempo de refletir sobre os requisitos para qualquer outro país com falta de recursos naturais possa diversificar suas fontes de energia, e que sanções, se alguma, devem ser impostas e por quem.